quinta-feira, 26 de maio de 2016

Jogo do Dinheiro

Que Jodie Foster é uma atriz fabulosa isso é inegável, mas pouco se comenta sobre seu trabalho atrás das câmeras. Desde que estreou na direção de longas-metragens em 1991, com o eficiente drama Mentes Que Brilham, Foster tem mostrado uma segurança admirável na função, o que não deixa de refletir aquilo que ela geralmente exibe como intérprete. Jogo do Dinheiro, seu quarto filme, se apresenta como algo diferente do que ela havia comandado no cinema até agora. Se antes Foster estava marcando seu território com dramas e comédias (além de seu já citado filme de estreia, ela também fez o divertido Feriados em Família e o ótimo Um Novo Despertar), agora ela se vê nas rédeas de um thriller que faz jus ao gênero e que, na essência, foca um grito desesperador resultante tanto da sujeira que pode mover o mercado financeiro quanto da irresponsabilidade da mídia.

No filme, cujo roteiro é escrito por Jamie Linden em parceria com Alan DiFiore e Jim Kouf, George Clooney interpreta Lee Gates, apresentador do programa Money Monster, onde ele trata das ações do mercado e dá dicas ao público quanto aos melhores investimentos, cuidando do show com o auxílio de sua produtora executiva Patty Fenn (Julia Roberts) nos bastidores. A história mais badalada da vez é a da IBIS Global Capital, empresa presidida por Walt Camby (Dominic West) e que, depois de parecer uma aposta segura no mercado, fez seus acionistas perderem uma enorme quantia em dinheiro. Um deles é o jovem Kyle Budwell (Jack O’Connell), que invade o programa ao vivo, fazendo Lee e sua equipe de reféns enquanto exige saber exatamente o que aconteceu.

Logicamente, Kyle não é visto como o vilão da história aqui, mas sim uma vítima, representando uma parcela da sociedade que está cansada de ser passada para trás por figuras poderosas, que brincam com dinheiro pensando em si próprios e ignoram a possibilidade de prejudicar alguém. O plano do personagem é uma medida extrema, sem dúvida, mas acaba servindo como catalizador para que o roteiro possa destrinchar o jogo de mentiras e irresponsabilidades por trás da história, aproveitando também para abordar o papel da mídia no meio disso tudo, seja ao focar as consequências da desinformação ou a própria relação do público com aquilo que lhe é oferecido na televisão, não esquecendo o fato de a audiência parecer ter um interesse especial em acompanhar situações tensas/trágicas, arranjando nelas uma estranha diversão.

Esses detalhes são desenvolvidos admiravelmente por um roteiro que revela ser muito bem estruturado, apesar de não escapar de clichês e ser expositivo em alguns momentos (quando os personagens trocam diálogos que beiram o incompreensível devido aos termos do mercado financeiro, é possível prever que teremos uma fala que simplificará a conversa). Desde o início é possível perceber que seus autores sabem que direção dar a trama e aos personagens, e nisso o filme até exibe uma ironia interessante, trazendo Patty dizendo “Nós não fazemos jornalismo” em uma cena no início apenas para que ela, Lee e toda a equipe do Money Monster sejam obrigados a fazer exatamente isso no decorrer da história, investigando a fundo a “pane” sofrida pela IBIS, com uma pista levando a outra. Sendo assim, vale ressaltar que o fato de todas as peças importantes do quebra-cabeça serem apresentadas de antemão para o público (os núcleos situados fora dos Estados Unidos, por exemplo) ajuda a fazer com que a narrativa se construa com naturalidade à medida que avançamos na trama.

No comando de tudo isso, Jodie Foster começa em um tom mais descontraído para nos introduzir ao universo do Money Monster, onde as informações vêm acompanhadas de apresentações espalhafatosas por parte de Lee Gates (por sinal, suas danças só não são constrangedoras porque o filme tem noção do quão ridículas elas são). De certa forma, isso contribui para intensificar o choque consequente da seriedade que passa a reger a narrativa a partir do momento em que Kyle aparece em cena. É então que Foster mostra habilidade para impor um tom crescente de urgência aos acontecimentos do filme, criando assim uma constante atmosfera de tensão que, somada a montagem ágil de Matt Chessé e a trilha de Dominic Lewis, acaba prendendo a atenção do espectador do início ao fim. Além disso, é bacana ver que a diretora consegue manter um bom ritmo ao longo do filme mesmo tendo que lidar com vários núcleos narrativos simultaneamente, pulando de um a outro organicamente sempre que preciso, e o trabalho de montagem novamente merece destaque aqui.

Para completar, Foster tem sorte de contar com um elenco imensamente talentoso. No papel de Lee Gates, George Clooney surge com seu carisma habitual, interpretando um homem cuja arrogância parece cegá-lo quanto ao seu trabalho e sua própria imagem pública, algo que não impede o roteiro de dar ao ator a chance de explorar a humanidade do sujeito a partir de sua vulnerabilidade, e ele faz isso maravilhosamente. Já Julia Roberts faz de Patty a figura mais segura e determinada em cena, sendo que ela tem uma dinâmica admirável com o personagem de Clooney ainda que eles estejam constantemente afastados um do outro, enquanto que Dominic West encarna eficientemente a canalhice de Walt Camby. Mas é Jack O’Connell (ator que vem chamando bastante atenção ultimamente) quem praticamente rouba o filme com a intensidade que traz ao desespero de Kyle, com quem o público é capaz de se identificar por mais que seus atos provem ser reprováveis, o que ocorre tanto pelas motivações dele quanto pelo jeito um tanto amedrontado e inseguro estabelecido por seu intérprete.

A ficção mostrada por Jodie Foster em Jogo do Dinheiro dialoga bem com coisas que acontecem na realidade, como se vê no recente A Grande Aposta, que dá uma aula sobre a sujeira no mercado financeiro e o impacto que isso pode causar. Só espero que não seja necessário que pessoas surtem violentamente para termos uma chance de trazer verdades à tona, expor os corruptos e, assim, reparar injustiças. Seria deprimente ver o caos chegar a esse ponto.

Nota:

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