O livro “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, já saiu do papel para outras mídias várias vezes, desde filmes (o último foi lançado em 1998, com Liam Neeson e Geoffrey Rush no elenco), obras feitas para a TV e chegando finalmente a um musical de muito sucesso nos palcos, e é esta última que agora ganha uma adaptação para as telonas. Mas
Os Miseráveis acaba tendo sorte de contar com algumas grandes qualidades em meio aos seus problemas, porque se dependesse de seu diretor, Tom Hooper, o filme seria um desastre total, já que ele é um dos elementos que mais comprometem o resultado final. E considerando que ele já havia feito um trabalho problemático em
O Discurso do Rei, agora não há dúvidas de que ele não é um diretor dos mais talentosos.
Escrito por William Nicholson,
Os Miseráveis se passa no século 19 e conta a história de Jean Valjean (Hugh Jackman), homem que é preso depois de roubar um pedaço de pão para alimentar o filho de sua irmã. Passadas duas décadas como prisioneiro, ele ganha a liberdade condicional e foge para recomeçar sua vida. Mas mesmo tornando-se um homem honrado, sendo inclusive o prefeito da cidade de Montreuil-sur-Mer, Valjean nunca consegue se livrar do Inspetor Javert (Russell Crowe), que fica em seu encalço ao longo dos anos.
Sendo um musical que tem praticamente todos seus diálogos cantados (assim como ocorre na versão original dos palcos),
Os Miseráveis merece créditos por ter canções que prendem a atenção do espectador ao longo do filme, resultado do belo trabalho de Herbert Kretzmer. No entanto, não deixa de ser incomodo ver que em algumas cenas esse detalhe parece servir para tirar a atenção de diálogos que mastigam demais a trama, como quando Jean precisa fugir com Cosette (Amanda Seyfried), menina que adotou de uma de suas funcionárias, Fantine (Anne Hathaway), e canta exatamente o que fará mesmo que isso já tenha ficado óbvio.
Mas a verdade é que comparado à direção de Tom Hooper, esse se torna um problema minúsculo no filme. Durante as duas horas e meia de duração de
Os Miseráveis, o que se vê na tela é um diretor que parece querer chamar a atenção mais para si mesmo do que para o que está filmando. Hooper utiliza excessivamente o ângulo holandês (aquele que traz a imagem meio torta) e a câmera subjetiva, além de colocar seus atores incontáveis vezes no canto do quadro. Esse último artifício a princípio parece querer mostrar o isolamento de figuras como Fantine e o próprio Jean Valjean, mas essa lógica é quebrada pelo fato de ele ser usado com todos os personagens da história. São recursos que acabam servindo mais como distração, já que em nada contribuem para a narrativa, assim como foi em
O Discurso do Rei. No fim, o cineasta parece fazer tudo isso apenas para satisfazer a si mesmo e tentar se estabelecer (de maneira negativa) como um autor.
Mesmo com o diretor picareta, o roteiro de William Nicholson tem uma história com grande força e desenvolve seus personagens com eficiência, e nisso as canções também são importantes porque nelas se encontram boa parte da trajetória deles. No entanto, Nicholson falha com relação ao modo como trata algumas mortes que acontecem ao longo da história, inserindo esses momentos de maneira abrupta e dando a impressão de que os personagens simplesmente perdem a vontade de viver. Mas há de se admitir que, pelo menos nesse quesito, Tom Hooper acerta ao mostrar que não está em busca do choro de seu público, e se isso acontece não é por mera manipulação e sim por causa dos personagens. Além disso, o pequeno triângulo amoroso entre Cosette, Marius (Eddie Redmayne) e Éponine (Samantha Barks) não chama muito a atenção, até porque o trio de atores não consegue fazer dos personagens figuras muito interessantes, o que é uma pena por que esse elemento ocupa um bom tempo de tela.
O design de produção se mostra absolutamente impecável, fazendo um brilhante trabalho de recriação de época ao mesmo tempo em que cria lugares bastante angustiantes (como o submundo extremamente sujo onde Fantine fica ao lado de prostitutas). Enquanto isso, os figurinos e até mesmo a maquiagem passam imediatamente o estado em que os personagens se encontram, como quando Jean aparece inicialmente vestindo trapos velhos de prisioneiro e depois muda radicalmente de visual, já indicando estar em uma posição muito melhor na sociedade.
Mas é no elenco que se encontram as pedras preciosas de
Os Miseráveis. Duas especificamente: Hugh Jackman e Anne Hathaway. Em uma das melhores atuações de sua carreira, Jackman interpreta Jean Valjean com grande determinação, se destacando não só por cantar e atuar brilhantemente, mas também por retratar com talento os conflitos internos pelos quais o personagem passa ao longo da história, como quando ele considera se entregar as autoridades para salvar alguém que foi preso em seu lugar. Já Hathaway merece aplausos por conseguir, no pouco tempo que tem em tela, fazer de Fantine uma figura trágica e marcante, protagonizando cenas particularmente tocantes, como quando canta “I Dreamed a Dream” ou em uma cena específica ao lado do personagem de Jackman. Enquanto isso, Helena Bonham Carter e Sasha Baron Cohen fazem do casal Thérnardier um alívio cômico que funciona homeopaticamente, ao passo que Russell Crowe surge um tanto desconfortável como Javert, além de não ser um grande cantor.
Mesmo com suas virtudes,
Os Miseráveis fica muito longe de ser a produção memorável que poderia se tornar, sendo mais uma prova de que Tom Hooper é um dos diretores mais superestimados que surgiram nos últimos anos. Assim como seu concorrente no Oscar,
Lincoln, este é um filme que parece estar recebendo créditos muito mais por sua grandiosidade do que propriamente por sua qualidade.
Cotação:
2 comentários:
Olá Thomás!
Andei lendo algumas de suas críticas, principalmente de filmes que andei assistindo e gostei muito. Muito boas, para não dizer excelentes. Parabens pelo blog e acima de tudo, pelo conteúdo disponibilizado. Muito bem feito!
abraço
marcelokeiser.blogspot.com.br
Olá, Marcelo!
Muito obrigado pelos elogios. Fico feliz que tenha gostado do blog.
Não sei se essa é sua primeira visita, mas de qualquer forma seja bem-vindo! ;)
Abraço,
Thomás
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