segunda-feira, 3 de agosto de 2020

XVI Fantaspoa - Última Parte e Considerações Finais

Os últimos dez dias foram interessantes, para dizer o mínimo.

Como falei logo na primeira parte dessa cobertura do XVI Fantaspoa, eu não tenho o hábito de cobrir festivais. Quando disse que tentaria assistir e comentar o maior número de filmes possível, eu achava que não conseguiria fazer o plano dar certo e o compromisso (mesmo não sendo muito grande) viria por água abaixo. Mas vejam só... Até que as coisas correram bem, fazendo minhas inseguranças queimarem a língua.

Acabei assistindo e comentando 25 longas-metragens durante os dez dias de Fantaspoa, o que me deixa meio longe de poder dizer que vi todos os 49 trabalhos selecionados (isso que ainda havia vários programas de curtas-metragens que não conferi). Mas considerando que foi uma primeira tentativa de cobrir um festival, acredito que os filmes que consegui encaixar em meio a minha rotina dentro de casa foram um bom aprendizado, rendendo também uma bem-vinda e estimulante distração para os tempos que temos vivido. E foi uma bela edição de Fantaspoa, por mais que assistir aos filmes na tela do meu computador e sozinho no meu quarto por vezes me passasse certa tristeza, já que muitas obras mereciam ser conferidas em uma sala de cinema lotada (quem sabe um dia?).

Olhando aqui os textos que fui escrevendo ao longo desses dias, admito que sinto certo orgulho. Mas acho que vocês podem dizer melhor que eu se o conteúdo produzido ficou legal ou não. Espero que tenham curtido tanto quanto eu curti ver e falar sobre os filmes.

Sem mais delongas, deixo aqui os comentários sobre os últimos quatro filmes que assisti.

Salvação (Guwon, 2020), de Lee Chang-moo:

O corpo de uma prostituta é encontrado em um rio depois de ela roubar 1 bilhão de won de seu cafetão. O detetive Seok-jae investiga o caso mesmo com o seu parceiro afirmando ter sido um suicídio. Mas as coisas se tornam um pouco maiores quando a investigação leva Seok-jae a uma misteriosa casa que serve como uma espécie de centro espiritual para seus residentes.

Apesar de o suposto assassinato ou suicídio abrir a narrativa deste Salvação, ele na verdade nem chega a ser o ponto principal da trama, sendo um ponto de partida que o roteiro às vezes parece esquecer. Mas a história não deixa de ser menos intrigante por isso, nos conduzindo por ambientes inquietantes e apresentando personagens amaldiçoados pela culpa. São detalhes que o diretor estreante Lee Chang-moo utiliza bem para falar da falsidade de certos negócios (ou instituições), que se aproveitam das crenças das pessoas e apertam suas fraquezas enquanto prometem recompensas enganosas.

Zumbis no Canavial: O Documentário (Zombies en el Cañaveral: El Documental, 2019), de Pablo Schembri:

Este documentário argentino trata de um assunto muito interessante. Em 1965, um filme de zumbi chamado “Zumbis no Canavial” foi realizado na província de Tucumán. O longa acabou se perdendo, impossibilitando muitas pessoas de assisti-lo, mas ainda assim deixou sua marca no cinema, originando um subgênero que se mantém de pé até hoje, mas cujo início nos acostumamos a creditar ao clássico A Noite dos Mortos-Vivos, de George A. Romero, que foi lançado três anos depois.

Bem, claro que se trata de um falso documentário, mas devo admitir que Zumbis no Canavial: O Documentário conta com um trabalho de pesquisa tão instigante e uma estética tão convincente que, pontualmente, me peguei acreditando no que era jogado na tela. E certamente isso faz parte da diversão que ele proporciona, sendo engraçado acompanhar também o sucesso e as influências que “Zumbis no Canavial” supostamente veio a ter internacionalmente, de forma que às vezes é um pouco triste que nada disso tenha acontecido.

Mas engana-se quem acha que não devemos levar o longa de Pablo Schembri a sério. Mesmo partindo de uma obra ficcional para conceber a narrativa, o diretor faz um belo resgate da história dos filmes de terror (há menções até ao nosso saudoso José Mojica Marins), além de explicar muito bem a relação do gênero com o período conservador e ditatorial que a Argentina viveu naquela época, algo que podemos estender para toda a América Latina. Assim, Zumbis no Canavial: O Documentário se revela um surpreendente falso documentário que consegue falar muitas verdades.

Barry Fritado (Fried Barry, 2020), de Ryan Kruger:

Se Sob a Pele ingerisse uma certa quantidade de entorpecentes, o resultado provavelmente seria algo como este Barry Fritado. A história dessa produção sul-africana gira em torno do personagem-título (interpretado por Gary Green), um viciado em drogas que em um dia qualquer é abduzido por uma nave extraterrestre. No processo, seu corpo é possuído por um alienígena que passa então a andar pelas ruas, vivendo a experiência terrestre com o que surge em seu caminho, sejam isso drogas, sexo ou problemas com figuras violentas.

E assim passamos a acompanhar uma jornada com boas doses de bizarrice e psicodelia, mesmo que durante boa parte do tempo o filme tenha um ritmo meio monótono e não impressione tanto. Mas o diretor Ryan Kruger merece créditos pelo tom mais sério que impõe na narrativa, ressaltando como o caminho percorrido pelo protagonista está longe de ser uma grande festa, tendo em vista o ambiente inóspito que a Terra é capaz de ser. E é impossível não destacar a atuação de Gary Green, que cria um protagonista curioso mesmo que quase não tenha diálogos, usando apenas suas expressões faciais e postura em cena.

Ausente (Poissa, 2019), de Arttu Haglund:

Como seria se pudéssemos nos teletransportar para longe de uma vida que não nos agrada? É dessa ideia que parte o finlandês Ausente. Aqui somos apresentados a Matti (Panu Tuomikko), que tem uma vida deprimida ao lado da esposa Teija (Eeva Putro) e da filha pequena Emma (Julia Hemmilä). Mas quando ele descobre que tem a habilidade de se teletransportar aleatoriamente para qualquer lugar, deixando sua esposa e filha sozinhas durante a maior parte do tempo, as coisas parecem ficar mais relaxadas.

Mas só parecem, já que teletransporte não é uma habilidade que apague sentimentos e responsabilidades, detalhes que ajudam a formar a base emocional da narrativa concebida por Arttu Haglund (estreante em longas-metragens). Matti não tem controle sobre o próprio poder, sumindo dos lugares quando menos espera, o que não deixa de lhe dar uma desculpa perfeita para justificar suas longas ausências, que gradual e naturalmente criam um distanciamento entre ele e a família (a montagem, aliás, se destaca pela forma como consegue simular o poder do protagonista através de cortes secos). E ainda que possamos antecipar algumas conclusões, o roteiro é hábil ao usar o teletransporte para desenvolver questões existenciais, mostrando as dificuldades do sujeito para achar seu lugar no mundo e como as consequências disso podem ser mais tristes que o imaginado.

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Para conferir as outras partes da cobertura do festival, é só clicar nos links abaixo.

XVI Fantaspoa - 1ª Parte

XVI Fantaspoa - 2ª Parte - Especial Nabwana IGG

XVI Fantaspoa - 3ª Parte

XVI Fantaspoa - 4ª Parte

XVI Fantaspoa - 5ª Parte

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