Dando continuidade a cobertura do XVI Fantaspoa, segue os comentários sobre mais cinco filmes.
RK/R Kay (2020), de Rajat Kapoor:
Como é bom ver uma ideia bacana
ser executada tão bem, como ocorre neste indiano RK/R Kay. No filme escrito
e dirigido por Rajat Kapoor, RK (interpretado pelo próprio cineasta,
compartilhando suas iniciais) é um diretor de cinema em meio a produção de seu
mais novo longa-metragem, no qual ele também interpreta o protagonista, Mahboob.
No entanto, depois que as filmagens são completadas e o material vai para a
sala de montagem, Mahboob foge do filme, desaparecendo de todos os negativos, o
que faz com que RK e sua equipe se esforcem para convencê-lo a voltar para seu
universo.
RK/R Kay já mostra na
premissa toda sua metalinguagem, elemento que encanta, diverte e serve como uma
base narrativa muito rica para a trama. Mas o que torna o filme um verdadeiro
deleite é a forma como Rajat Kapoor usa essa metalinguagem para desenvolver a
crise existencial do protagonista. Apesar de aparentemente ter tudo nada vida,
RK é um homem infeliz, amargo e que não sabe nem dizer por que está realizando
seu filme. É alguém bem diferente de Mahboob, que mesmo sendo uma criação fictícia
do cineasta se revela um ser bem humorado, amoroso e que até se permite fazer
planos, não querendo viver uma vida monótona. Basicamente, RK parece ter
concebido Mahboob como a figura que ele próprio gostaria de ser, o que rende
discussões interessantes e humanas.
Repleto de sacadas divertidíssimas
devido a sua natureza metalinguística (o vilão que se mostra imprevisível
porque, na verdade, teve seus movimentos improvisados por seu intérprete é
particularmente genial), RK/R Kay falha apenas ao inserir de maneira um
tanto óbvia e desajeitada uma reviravolta em seu final. Mas isso ainda não
impede o filme de ser um dos melhores dessa edição do Fantaspoa.
Limbo (2020), de Tim Dünschede:
Filmado em um verdadeiro plano-sequência de quase 90 minutos (a exemplo de obras como Ainda Orangotangos e Victoria), Limbo nos apresenta a Ana Bergmann (Elisa Schlott), jovem que descobre um esquema de lavagem de dinheiro na empresa onde trabalha. Enquanto ela confronta seus superiores, acompanhamos um policial (Tilman Strauss) que está infiltrado na gangue de um criminoso a fim de derrubar os negócios de um gângster. E não demora muito até que as duas histórias se encontrem.
Por se tratar de um
plano-sequência, é difícil não notar a grande coordenação do diretor Tim
Dünschede e sua equipe para que tudo saia como planejado ao longo da trama. O
trabalho feito nesse aspecto não só traz uma maior verossimilhança a narrativa,
mas também mantém um tom constantemente inquietante graças às pequenas
tremedeiras da câmera. Mas ainda que a execução do plano-sequência seja
certeira, isso não impede o filme de ter alguns problemas de ritmo. Isso ocorre
quando ele se vê obrigado a mostrar os personagens andando ou dirigindo até
seus destinos, algo que se torna um tanto enfadonho principalmente quando nada está
acontecendo na tela.
Mas a riqueza de Limbo, na
verdade, está no fato de ele ser essencialmente uma história de luta entre
idealismo e corrupção no mundo capitalista em que vivemos. Nisso, o roteiro
traz boas discussões sobre como os poderosos enriquecem em cima dos mais
vulneráveis, um esquema do qual vários outros se aproveitam ilegalmente. E é
notável como figuras como o chefe de Ana falam com conformidade sobre o sistema
do qual fazem parte (“Adapte-se ou morra”, falam em determinado momento), sendo
que Tim Dünschede não deixa de exibir certo pessimismo frente a tudo isso,
tendo em vista o sofrimento daqueles que lutam para fazer o certo mesmo com
todos os obstáculos que enfrentam. Assim, Limbo consegue ser um feito tecnicamente
admirável e emocionalmente envolvente do início ao fim.
Clarita (2019), de Roderick Cabrido:
Filme de terror produzido nas Filipinas,
Clarita é situado em 1953 e mostra o padre Salvador (Ricky Davao) e seu
auxiliar padre Benedicto (Arron Villaflor) sendo chamados para fazer um
exorcismo na personagem-título (vivida por Jodi Sta. Maria), uma jovem que foi
presa por prostituição, mas que a polícia acredita estar possuída por um
demônio. Apesar de ter um ou outro momento inspirado, o longa infelizmente não
tem nada de muito original, trazendo praticamente todos os clichês de filmes
sobre exorcismo, de forma que às vezes ele parece um mero derivado de O
Exorcista.
O filme se sai um pouco melhor
quando o roteiro se concentra em desenvolver a história de sua
personagem-título, ganhando pontos com cenas sensíveis como aquela na qual ela
perde sua mãe. Isso faz até com que seja uma pena que o diretor Roderick
Cabrido tenha como objetivo fazer um filme de terror, já que Clarita é
muito falho nesse sentido, com o cineasta não conseguindo assustar ou criar uma
atmosfera de tensão que percorra a narrativa.
O Guia VICE Para o Pé-Grande (The VICE Guide to Bigfoot, 2019), de Zach Lamplugh:
Falso documentário (ou mockumentary)
que satiriza principalmente o jornalismo baseado em matérias sensacionalistas
de clickbait, O Guia VICE Para o Pé-Grande nos apresenta a Brian,
jovem jornalista que recebe a tarefa de investigar a existência do Pé-Grande,
por mais cansado que esteja de não conseguir cobrir histórias importantes. Ao
lado de seu produtor e operador de câmera, Zach, o rapaz se vê tendo que lidar
com o estranho criptozoologista Jeff, que é fascinado pela criatura e guia a
dupla pelas florestas. Mas nenhum deles imagina os perigos em que estão se metendo
enquanto correm atrás de uma história que nem sabem se é verdadeira.
Mesmo sendo meio ilógico em
alguns pontos de seu estilo documental (os personagens usam apenas uma câmera
para trabalhar, mas há cenas que vemos por vários ângulos diferentes), o longa funciona
relativamente bem como sátira, sabendo zoar um tipo de jornalismo que preza
menos o conteúdo e mais os números que vai atrair com informações inúteis. Mas
o que torna O Guia VICE Para o Pé-Grande um longa simpático é o carisma
de seus personagens, que desenvolvem uma dinâmica divertida entre si, além de exibirem
receios pessoais que ajudam a humanizá-los frente ao espectador (aliás, seguindo
a ideia documental, o trio principal compartilha o nome com seus intérpretes, o
que inclui o próprio diretor Zach Lamplugh no papel do operador de câmera). O
filme acaba sendo uma experiência agradável, por mais que fique longe de
surpreender com os eventuais rumos de sua história.
A Maldição de Valburga (The Curse of Valburga, 2020), de Tomaz Gorkic:
Adoro o subgênero dos filmes slasher,
aquele que traz um grupo de personagens sendo perseguido e massacrado por um
psicopata, mas este esloveno A Maldição de Valburga foi difícil de
engolir. No filme, Marjan (Jurij Drevensek) chama seu irmão Bojan (Marko
Mandic) para colocar em prática um plano para ganhar dinheiro fácil. O plano:
montar um passeio por uma mansão que, supostamente, pertenceu ao primo do Conde
Drácula. E eles até conseguem chamar a atenção com sua atração, mas logo encontram
problemas, já que os visitantes passam a ser assassinados um a um.
O problema de A Maldição de
Valburga não é nem o fato de apelar para várias convenções do gênero para sustentar
a narrativa, mas sim que o diretor Tomaz Gorkic nos faz acompanhar um grupo de
personagens insuportáveis, sendo até natural que torçamos para que todos morram
de uma vez. Mas é difícil ficar satisfeito mesmo quando eles são atacados pelo
misterioso assassino que os ronda pela mansão, já que as mortes ocorrem de
maneira simplista e pouco criativa (a única exceção é a cena em que vemos uma “carne”
ser amaciada). O trabalho de maquiagem nesses momentos até merece algum
crédito, mas é uma pena que funcione a favor de um material tão pobre.
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Lembrando que o XVI Fantaspoa está acontecendo gratuitamente no streaming da Darkflix.
Abaixo deixo os links dos outros posts sobre essa edição do festival.
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