E vamos para os comentários sobre mais seis filmes desse XVI Fantaspoa.
Possesso (Pos Eso, 2014), de Samuel Ortí Martí:
Trini é uma famosa dançarina de
flamenco que, após a morte do marido, decide se aposentar e apenas cuidar de
seu filho Damián. O garoto, porém, está possuído por um demônio, tendo uma
série de comportamentos bizarros e levando Trini e sua sogra à loucura, e o
aventureiro padre Lenin pode ser o único capaz de salvá-lo.
Se a história de Possesso
lembrou você de algum outro filme, isso não acontece por acaso. Afinal, essa
animação espanhola feita em stop motion se revela uma verdadeira
homenagem a obras clássicas de terror. Sua trama é basicamente um composto de O
Exorcista e A Profecia, mas o diretor Samuel Ortí Martí não perde a
oportunidade de largar referências também a produções como Poltergeist, Hellraiser
e A Morte do Demônio (para citar apenas alguns), fazendo isso sempre de
maneira orgânica e divertida.
Mas é bacana ver que Possesso
não se agarra exclusivamente em homenagens para manter a narrativa de pé,
cativando o espectador com seus personagens e aproveitando as possibilidades de
sua animação para, pontualmente, criar sequências chocantemente engraçadas,
como aquela envolvendo um programa de TV ou a outra em que vemos uma personagem
fugindo de objetos caindo do céu. Certamente estamos falando de uma das
produções mais divertidas presentes na programação do Fantaspoa deste ano, e
considerando que o filme é de 2014 até lamento ter levado tanto tempo para
saber de sua existência.
Tóxico (2020), de Ariel Martínez Herrera:
Não sei dizer quantos cineastas já
lançaram um filme sobre uma pandemia exatamente quando o mundo está enfrentando
uma, mas o argentino Ariel Martínez Herrera acabou se tornando um deles. Em Tóxico,
Herrera mostra que o mundo está um verdadeiro caos devido a uma pandemia de
insônia, algo que está levando as pessoas até a cometerem suicídio. Nesse
contexto somos apresentados ao casal Augusto (Agustín Rittano) e Laura (Jazmín
Stuart), que está fugindo desse caos rumo a um lugar mais isolado, usando um
belo motorhome para se locomover.
Estruturado como um road movie,
Tóxico não escapa de ser um tanto episódico durante o desenrolar de sua
trama, além de ter alguns problemas de tom ao construir uma atmosfera de
tensão, mas por vezes incluir elementos cômicos que destoam demais do restante
da narrativa. Ainda assim, a inquietação do universo que Ariel Martínez Herrera
concebe atrai a atenção do público, gerando cenas até angustiantes como aquela
em que os protagonistas são parados por policiais.
Apesar de tratar de uma pandemia
bem diferente da que estamos vivendo agora na vida real, Tóxico reflete
bastante a nossa atual realidade, o que inevitavelmente aponta sua eficácia
como retrato de uma pandemia. Para completar, o filme aproveita ainda para
fazer comentários pertinentes sobre como o ser humano, com seu jeito autodestrutivo
e irracional em meio ao caos, parece uma receita fadada ao fracasso.
James Contra o Seu Eu do Futuro (James vs. His Future Self, 2019), de Jeremy LaLonde:
Depois de eu ter começado o
festival assistindo a um documentário sobre viagem no tempo, foi chegada a hora
de conferir a comédia que está na programação e utiliza o conceito em sua
história. Em James Contra o Seu Eu do Futuro, somos apresentados ao
personagem-título (interpretado por Jonas Chernick), um cientista que dedica
sua vida a tentar inventar a viagem no tempo. Mas isso acaba encontrando um
grande obstáculo quando Jimmy, seu eu do futuro (vivido por Daniel Stern, que
muitos devem lembrar como o Marv de Esqueceram de Mim), vem ao presente com
o objetivo de impedi-lo de continuar com o projeto, já que isso lhe trará
apenas solidão. Jimmy, então, passa a tentar fazer James valorizar mais as
pessoas ao seu redor, como sua irmã Meredith (Tommie-Amber Price) e sua melhor
amiga Courtney (Cleopatra Coleman).
O resultado é um longa que, além
de divertir, se revela surpreendentemente doce não só no tratamento de seus
personagens, mas também na maneira como mostra que, muitas vezes, desperdiçamos
a vida ao não aproveitar direito o que ela tem de melhor. James Contra o Seu
Eu do Futuro pode não apresentar nada de novo em sua história de viagem no
tempo, mas conquista o espectador com certa facilidade, contando com um elenco
carismático que nos mantêm interessados nos destinos de seus personagens.
Cabrito (2020), de Luciano de Azevedo:
Um dos filmes brasileiros que
estão na programação, Cabrito basicamente mostra a formação de um
psicopata. Dividido em três partes, o longa de Luciano de Azevedo conta a
história de um homem cuja vida se resume a violência, brutalidade e
desumanidade, frutos da criação de um pai completamente insano e uma mãe
fanática religiosa.
O que chama a atenção logo de
cara em Cabrito é sua atmosfera, cuja frieza e terror são bem
estabelecidas tanto pela música quanto pelos tons sombrios da fotografia.
Luciano de Azevedo constrói, essencialmente, um filme que causa estranheza e
não economiza na violência ao contar a história de seu protagonista, que sofre
evoluções que são bem coerentes considerando sua vivência. Depois de um tempo,
porém, a vontade do diretor de montar uma narrativa chocante parece tão grande
que o espectador fica meio anestesiado com tanta brutalidade, o que deixa tudo meio
monótono e diminui impacto do filme no fim das contas.
Diabo Vermelho (Diablo Rojo PTY, 2020), de Sol Moreno:
Considerado o primeiro filme de
terror da história do Panamá, Diabo Vermelho acompanha o motorista
Miguel (Carlos Carrasco) e seu auxiliar Junito (Julian Urriola), que trabalham
na condução de um ônibus do tipo “Diablo Rojo” (aliás, apenas a título de
curiosidade, Carlos Carrasco interpretou um dos passageiros que ajudam Keanu
Reeves no ônibus de Velocidade Máxima, de forma que sua presença aqui
não deve ser por acaso). Mas depois que Miguel tem um encontro macabro, a dupla
acaba se perdendo no meio de uma floresta misteriosa, encontrando perigos que
vão desde bruxas a criaturas monstruosas, tendo apenas a ajuda de dois policiais
e um padre para tentar achar o caminho de volta para casa.
Diabo Vermelho é um tanto
desajeitado em alguns momentos (como na perseguição envolvendo o ônibus e os
policiais) e encontra problemas para achar um equilíbrio no tom da narrativa,
que varia entre o terror, o melodrama e a comédia. Mas ainda assim o longa da
diretora Sol Moreno serve como um entretenimento eficaz durante boa parte do
tempo, conseguindo até dar um toque folclórico aos seres que assombram os
personagens. Além disso, é bacana ver a preferência de Moreno por efeitos
práticos na hora de conceber cenas mais violentas, merecendo destaque especial
um grande monstro que ganha mais proeminência no terceiro ato. No fim, fica a
impressão de que os panamenhos não se saíram nada mal em sua primeira investida
no terror.
Two Heads Creek (2019), de Jesse O’Brien:
Two Heads Creek conta a
história de Norman (Jordan Waller) e Anna (Kathryn Wilder), irmãos gêmeos de
descendência polonesa e que vivem na Inglaterra em tempos hostis de Brexit.
Depois de perderem a mãe, eles descobrem que na verdade foram adotados e que
sua mãe biológica pode estar na Austrália. Isso os leva até a pequena cidade
australiana de Two Heads Creek, onde os estranhos habitantes parecem guardar um
segredo sombrio.
Fica bem claro durante a trama a
intenção do diretor Jesse O’Brien de fazer comentários satíricos sobre o
Brexit, apontando de maneira divertida a xenofobia, o preconceito, a covardia e
até a hipocrisia que movimentos como este representam. No entanto, a
preocupação do longa com sua comicidade e sua violência absurda é tanta que ele
não chega a desenvolver elementos mais humanos, o que faz a narrativa não ter peso
algum mesmo quando ocorre momentos mais doces entre os personagens. Mesmo
assim, Two Heads Creek ao menos causa um bom número de risos, rendendo
uma experiência satisfatória.
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Lembrando que o XVI Fantaspoa está acontecendo online e gratuitamente na plataforma de streaming Darkflix.
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