sábado, 28 de outubro de 2023

47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo - 5ª Parte


Maratonar filmes é divertido, mas maratonar filmes durante um dos principais festivais do país,  correndo de um cinema a outro, é incomparável.

E vamos lá para os comentários sobre mais cinco filmes conferidos na Mostra de São Paulo.

Devagar (Tu man nieko neprimeni, 2023), de Marija Kavtaradzé:

Candidato da Lituânia ao Oscar de Melhor Filme Internacional, Devagar apresenta a dançarina Elena (Greta Grineviĉiūté) e o intérprete de linguagem de sinais Dovydas (Kęstutis Cicénas). Após se conhecerem em um trabalho, os dois iniciam um romance. No entanto, Dovydas desde o princípio deixa claro ser assexual, algo que com o tempo vira um entrave para o casal.

Acompanhamos, então, um romance que se destaca pela honestidade. Ainda que possamos prever os tipos de conflito que irão surgir em algum momento entre os personagens, a conexão do casal é forte desde o início, muito por eles se abrirem totalmente um para o outro, em um relacionamento sensível e tratado com delicadeza pela diretora Marija Kavtaradzé. E as atuações de Greta Grineviĉiūté e Kęstutis Cicénas merecem vastos elogios, já que a dupla não só tem carisma e uma química em cena invejável, mas também faz de Elena e Dovydas figuras incrivelmente humanas.

Nota:


Todos Amam Jeanne (Tout le monde aime Jeanne, 2023), de Céline Devaux:

Jeanne (Blanche Gardin) é uma mulher muito admirada, mas no momento se sente no fundo do poço quando vê seu projeto de sustentabilidade ir, literalmente, por água abaixo. Humilhada e falida, ela vai a Lisboa com a ideia de vender o apartamento deixado por sua falecida mãe, encontrando no caminho um antigo colega, Jean (Laurent Lafitte), que passa a ser uma presença frequente em seu dia-a-dia.

Todos Amam Jeanne é um tanto formulário e, por isso, acaba sendo previsível em vários pontos de sua trama e no arco de sua protagonista. Mas é um filme no qual a diretora Céline Devaux mostra presar muito pelo bom humor, concebendo uma narrativa leve e que diverte ora com os personagens, ora com certas sacadas do roteiro. As inserções animadas que representam os pensamentos de Jeanne, por exemplo, arrancam boas risadas, mesmo que à vezes surjam exageradamente. Já Blanche Gardin carrega o filme com segurança interpretando a protagonista, mesmo que seja um pouco ofuscada por Laurent Lafitte e o jeito totalmente cara de pau de seu Jean.

Nota:


Pedágio (2023), de Carolina Markowics:

Tem sido comum os jornais trazerem notícias de pessoas homoafetivas que tiram a própria vida após se submeterem a algum processo de “cura”, geralmente propagado por pastores cujo maior interesse está no dinheiro que recebem e não no bem-estar do próximo. Pedágio parte exatamente dessa ideia de “cura” para desenvolver a história de uma mãe e seu filho.

No filme, a diretora Carolina Markowicz nos apresenta a Suellen (Maeve Jinkings), que trabalha em um pedágio e é mãe de Tiquinho (Kauan Alvarenga), rapaz homossexual e que não tem vergonha de sua natureza. Mas a mãe infelizmente tem, e resolve enviá-lo para o tratamento de um pastor estrangeiro que está sendo promovido por uma igreja. Mas para poder pagar por isso, ela entra em negócios ilícitos com o namorado (Thomas Aquino).

Uma das coisas bacanas de Pedágio é que, ao mesmo tempo em que ridiculariza tudo o que envolve o tal tratamento de cura, Carolina Markowicz faz questão de cutucar a hipocrisia daqueles que geralmente vendem essa ideia como algo válido, indivíduos que quando analisados de perto não têm nada de santos e puros, mas ainda assim adoram condenar o outro apenas por sua sexualidade. Além disso, a relação entre mãe e filho no filme é retratada delicadamente, já que tratam-se de pessoas que claramente se amam e se importam uma com a outra, apesar de a mãe não aceitar a natureza do filho. E Maeve Jinkings e Kauan Alvarenga dão vida a essa dinâmica com a sensibilidade necessária.

Nota:


Ervas Secas (Kuru Otlar Üstüne, 2023), de Nuri Bilge Ceylan:

Logo após as mais três horas de duração deste Ervas Secas, pairou em minha cabeça a dúvida quanto ao número de páginas que o roteiro do filme teria. Não por conta da duração, mas sim por ele contar com diálogos, diálogos, diálogos e mais diálogos (respondendo a dúvida, aparentemente o roteiro tinha mais de 500 páginas). Mas apesar de parecer, isso que falei está bem longe de ser uma crítica, já que o diretor Nuri Bilge Ceylan faz dos diálogos um dos pontos fortes do filme.

A história mostra o professor Samet (Deniz Celiloğlu), que mora junto com seu colega Kenan (Musab Ekici) e dá aula em uma escola em Anatolia, tendo como objetivo se transferir de volta para Istambul. Mas as coisas passam a não dar muito certo quando duas alunas acusam os sujeitos de terem abusado delas. Ao mesmo tempo, Samet e Kenan conhecem Nuray (Merve Dizdar), professora que sobreviveu a um ataque terrorista e pela qual ambos passam a se interessar.

Pela base da trama, Ervas Secas parece que será um filme que colocará seus personagens rumo a algum julgamento, mesmo que seja um julgamento do próprio público. Mas a verdade é que Nuri Bilge Ceylan usa isso mais como ponto de partida para o longa, que tem interesse maior em trazer Samet, Kenan e Nuray discutindo política, filosofia, suas visões de mundo, seus desejos e até sua própria existência, com os dramas pessoais dos personagens funcionando para mostrar como tudo isso se molda e pode mudar a partir de nossas vivências. E talvez Ervas Secas pudesse ser uma experiência maçante (afinal, grande parte do filme é composta por longos planos de personagens conversando), mas Nuri Bilge Ceylan consegue dar dinamismo a narrativa, ao passo que os diálogos se revelam brilhantes e universais.

Nota:


Tiger Stripes (2023), de Amanda Nell Eu:

Candidato da Malásia ao Oscar de Melhor Filme Internacional, o longa de estreia de Amanda Nell Eu apresenta a jovem Zaffan (Zafreen Zairizal), que está começando a passar pelas mudanças causadas pela puberdade. Mas aos poucos as mudanças se revelam diferentes, chegando a níveis sobrenaturais.

Sutileza é algo que não faz parte da narrativa de Tiger Stripes, e ao longo da trama o filme usa as transformações de Zaffan como uma alegoria referente a forma como ela se sente na realidade conservadora que vive. Uma realidade na qual até mesmo fazer vídeos para as redes sociais soa como desafio a autoridades (ao menos quando meninas fazem). Mas apesar de lidar com uma temática séria e montar uma narrativa que flerta muito com o terror, Amanda Nell Eu faz um filme caloroso e que diverte, principalmente quando resolve abraçar um lado mais trash (como ocorre no terceiro ato), ainda que no fim isso tire qualquer peso que a obra poderia ter.

Nota:


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