Hoje infelizmente não tenho uma grande introdução em mãos ou uma brincadeira para fazer. Sinais de que minha criatividade tem limite. Mas vejam pelo lado bom: podemos ir direto comentar mais cinco filmes assistidos nessa Mostra de São Paulo.
Sob o Silêncio das Água (He bian de cuo wu, 2023), de Wei Shujun:
Em
1995, o policial Ma Zhe (Zhu Yilong) se depara com uma série de assassinatos
pela cidade. Apesar de as suspeitas caírem em cima do filho adotivo de uma das
vítimas, Ma Zhe começa uma investigação que o faz questionar até sua noção de
realidade, ao mesmo tempo que ele lida com a gravidez de sua esposa.
Sob
o Silêncio das Águas não sai muito do lugar-comum, percorrendo caminhos que
outros thrillers policiais já percorreram de maneira melhor, além de não ser tão
misterioso quanto gostaria. Há bons momentos, como a cena em que a polícia
testa várias armas brancas para descobrir qual delas pode ter sido responsável
pelos crimes, mas são raros e não são o bastante pra envolver o espectador.
Além disso, o protagonista se revela muito desinteressante, interpretado por Zhu
Yilong de maneira inexpressiva.
Nota:
Até Que a Música Pare (2023), de Cristiane Oliveira:
Se há
algo que fica evidente na filmografia de Cristiane Oliveira como diretora é o
carinho que ela tem por seus personagens. E isso não é diferente neste seu novo
longa, Até Que a Música Pare, cuja história se passa na Serra Gaúcha e boa
parte é falada no idioma italian. No filme somos apresentados a Chiara (Cibele Tedesco),
uma senhora que se vê em uma rotina solitária. Ela então decide acompanhar o
marido, Alfredo (Hugo Lorensatti), nas entregas que ele realiza em mercados,
sendo que eles ainda estão lidando com a perda de um de seus filhos.
Ao
longo do filme Cristiane Oliveira busca tratar de temas muito humanos e até
mesmo atuais, mostrando como parte do luto vivido pelo casal vem pelo
afastamento do filho causado pela polarização que a política trouxe a muitas
famílias. Mas esse tema em específico surge no filme superficialmente,
especialmente se comparado com outros dois que sustentam bem a narrativa: o uso
da religião como um conforto para quem deseja manter uma conexão com um ente
querido após a morte, e a sensação de abandono que atinge tantas pessoas
idosas, que assim convivem com um certo descaso dos filhos.
São
temas desenvolvidos com muita sensibilidade e até bom humor por Cristiane
Oliveira, sendo que ela ainda conta com uma atuação cheia de ternura de Cibele Tedesco.
Nota:
Mambar Pierrette (2023), de Rosine Mfetgo Mbakam:
Mambar
Pierrete é um retrato de perseverança. Focando na personagem-título, uma
costureira na cidade de Douala, o longa mostra o cotidiano dela e como ela
encara diversos infortúnios, buscando dribla-los para se manter e poder cuidar
de seus filhos e de sua mãe.
Mais
conhecida por seu trabalho em documentários, a diretora Rosine Mfetgo Mbakam traz
um pouco dessa linguagem para o que constrói aqui, acompanhando de maneira
bastante próxima sua protagonista e apostando em uma dinâmica bastante natural
entre ela e outros personagens, o que rende um tom realista muito apropriado.
Aliás, logo de cara Mambar já conquista a simpatia do público, com o filme trazendo
cenas em que ela cuida com paciência de sua mãe e sendo afetuosa com um de seus
filhos, o que faz nós torcermos por ela frente a todo e qualquer obstáculo que
apareça em seu caminho, seja tal obstáculo algo simples ou mais complicado.
Nota:
Não Espere Muito do Fim do Mundo (Nu aştepta prea mult de la sfârşitul lumii, 2023), de Radu Jude:
Novo
trabalho de Radu Jude e candidato da Romênia para tentar uma das vagas entre os
indicados ao Oscar de Melhor Filme Internacional, Não Espere Muito do Fim do
Mundo nos apresenta a assistente de produção Angela (Ilinca Manolache)
enquanto ela dirige de ponto em ponto por Bucareste. Sua tarefa é entrevistar pessoas
para um vídeo de segurança no trabalho, projeto ordenado por uma grande
empresa. Pontualmente, ainda vemos inserções de cenas do filme Angela Vai em
Frente (de 1981), que também traz uma mulher dirigindo a trabalho pela
cidade.
Radu
Jude então faz um retrato cheio de ironia e humor ácido de uma sociedade que,
mesmo tendo evoluído nos últimos 40 anos, ainda parece manter muitas pessoas à beira
do colapso profissionalmente. Ao longo filme vemos Angela viver uma jornada de
trabalho absurda por horas e horas, e creio que as pausas que a personagem faz
para encarnar seu alter ego satírico Bobita (uma figura bizarra, misógina e,
por ser uma sátira, hilária) sirvam como uma manifestação da raiva que ela
acumula. Raiva esta que no fim se direciona a líderes e corporações poderosas,
que mantém as pessoas sempre sobrecarregadas de alguma forma e, quando algo dá
errado, culpam as próprias pessoas pelo ocorrido (como é ilustrado na longa e
excelente cena em que o vídeo de segurança é gravado).
Aqui
e ali Não Espere Muito do Fim do Mundo soa um tanto autoindulgente, mas de
modo geral Radu Jude faz um dos filmes mais estranhamente engraçados do ano.
Nota:
Paraíso em Chamas (Paradiset brinner, 2023), de Mika Gustafson:
Primeiro
longa de ficção da diretora sueca Mika Gustafson, Paraíso em Chamas
conta a história das jovens irmãs Laura, Mira e Steffi (vividas respectivamente
por Bianca Delbravo, Dilvin Asaad e Safira Mossberg), que há um bom tempo se
encontram abandonadas pela mãe e vivem sozinhas cuidando umas das outras.
Laura, por ser a mais velha, acaba servindo como a matriarca das irmãs, mas a
preocupação surge quando a assistência social entra em contato querendo falar
com a mãe delas, o que faz a garota tentar encontrar alguém que se passe por esse
papel e impeça o trio de ser separado.
Paraíso
em Chamas coloca adolescentes precisando assumir papéis de adultas, mas sem
ter qualquer preparo para exercer tal papel, uma ideia que não é nova, mas que aqui
ainda funciona bem. A rotina das irmãs, por exemplo, é uma verdadeira bagunça,
e Gustafson mescla isso com peripécias ilegais que as garotas fazem e que
parecem gerar um divertimento que elas precisam a fim de não pensar muito em
como vivem.
O
filme também se beneficia da dinâmica entre as três atrizes, com Bianca
Delbravo merecendo destaque especial por fazer de Laura uma figura mais impaciente
e raivosa, talvez por estar em um papel que não gostaria, o que não a impede de
se divertir com as irmãs diante da vida sem muita responsabilidade que elas têm.
É uma pena que Paraíso em Chamas desenvolva alguns pontos da trama de maneira
previsível (como a relação entre Laura e Hanna, interpretada por Ida Engvoll) e
não se resolva tão bem, mas ainda assim é um drama eficaz.
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