domingo, 22 de outubro de 2023

47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo - 2ª Parte

A Mostra recém começou e o crítico que vos fala... já conseguiu ir e voltar das sessões de metrô (uma vitória para o bolso) e ainda soube ajudar alguém que pediu direções na rua. Mais uns dias e serei um nativo de São Paulo.

Mas brincadeiras à parte, hoje temos mais cinco filmes para comentar.

Sonhando e Morrendo (Dreaming & Dying, 2023), de Nelson Yeo:

Focado no reencontro entre três amigos (interpretados por Peter Yu, Doreen Toh e Kelvin Ho) após muitos anos sem se verem, o filme do diretor Nelson Yeo procura ser um conto sobre desejos reprimidos. Quando a reunião dos amigos ocorre, tais sentimentos vêm a tona e dão início a um triângulo amoroso com toques fantásticos.

Ao longo de Sonhando e Morrendo, Nelson Yeo intercala os momentos do trio principal com cenas que recriam passagens de um livro, obra que reflete os sentimentos dos personagens. Inicialmente ambos os pontos da narrativa até se complementam, mas não demora muito para que se misturem, fazendo a história como um todo ficar redundante. Além disso, em determinados momentos o longa procura fazer comentários sobre o meio ambiente e refletir sobre a finitude da vida, mas são coisas que não saem muito do óbvio e superficial.

Nota:


Afire (Rotter Himmel), de Christian Petzold:

O jovem escritor Leon (Thomas Schubert) vai com seu amigo Felix (Langston Uibel) até uma casa de praia no Mar Báltico, onde espera se concentrar melhor em seu novo romance. Chegando lá a dupla se depara com Nadja (Paula Beer), cuja presença acaba se revelando distrativa principalmente para Leon, que passa então a se esforçar muito para não dar voz a seus sentimentos, enquanto que incêndios florestais atingem a região e limitam os arredores dos personagens.

Coincidência ou não, tematicamente Afire lembra o primeiro filme deste post, com o diretor alemão Christian Petzold construindo uma narrativa sobre desejos reprimidos e de como eles são capazes de nos atrasar. Mas ao contrário do que ocorre em Sonhando e Morrendo, Petzold conta uma história muito mais sólida, desenvolvendo seus temas com propriedade, com os incêndios servindo como um reflexo interessante das limitações que o protagonista impõe a si próprio. Os personagens de Afire, aliás, se revelam muito ricos e contam com intérpretes que fazem jus a essa riqueza, merecendo destaque Thomas Schubert, que exibe uma segurança admirável encarnando a introspecção de Leon, e Paula Beer, que praticamente rouba o filme com seu carisma e personalidade, fazendo de Nadja uma mulher absolutamente encantadora (o que até justifica os sentimentos conturbados do protagonista).

Sabendo causar risos sem que estes tirem o peso dramático da narrativa (que fica maior principalmente no terceiro ato), Afire é um belo filme de um diretor cada vez mais aclamado.

Nota:


She Came to Me (2023), de Rebecca Miller:

Novo filme de Rebecca Miller, She Came to Me nos apresenta a Steven Lauddem (Peter Dinklage), um renomado compositor que agora enfrenta um sério bloqueio criativo. Casado com a psicóloga Patricia (Anne Hathaway), ele um dia resolve seguir as dicas dela e se distrair, conhecendo no processo a rebocadora Katrina (Marisa Tomei), que fica obcecada por ele. Ao mesmo tempo ainda acompanhamos o romance adolescente entre o filho de Patricia, Julian (Evan Elisson), e Tereza (Harlow Jane), filha de Magdalena e Trey (Joanna Kulig e Bryan d’Arcy James, respectivamente).

Apesar de contar com um elenco talentoso, o filme se revela bem decepcionante. O roteiro escrito pela própria Rebecca Miller tenta desenvolver tantas coisas na trama sem que nada tenha muita graça, sendo que a partir de determinado momento a cineasta parece nem saber no que focar. Sim, há momentos divertidos envolvendo Peter Dinklage, Anne Hathaway e Marisa Tomei, mas tais momentos não compensam a bobagem bagunçada que o filme acaba sendo.

Acho que o maior elogio que posso fazer a She Came to Me é que pelo menos seus créditos finais são embalados por uma canção original do grande Bruce Springsteen.

Nota:


Caixa-Preta (Black Box, 2023), Asli Özge:

Produzido pelos irmãos Dardenne, Caixa-Preta se passa em um condomínio que é gerado pelo investidor Johannes Horn (Felix Kramer), cujas decisões e modo de gerir estão desagradando alguns moradores, principalmente Erik Behr (Christian Berkel). E as coisas ficam ainda mais à flor da pele quando repentinamente a polícia faz um cordão de isolamento ao redor do condomínio, não permitindo que ninguém entre ou saia dali. O motivo? Bom, é um mistério.

Esse mistério ajuda o diretor Asli Özge a captar a atenção do espectador, ainda que o interesse do realizador esteja menos em explorar essa incógnita e mais em fazer um comentário sócio-político a partir dos embates entre os inquilinos e o investidor. Johannes Horn, por exemplo, não é muito diferente de líderes autoritários que fazem o que querem enquanto tentam calar opositores e destratar figuras que pareçam “suspeitas” (leia-se: minorias). E ao redor disso, inquilinos como Erik lidam não só com tal liderança, mas também com quem é conivente com tudo o que ocorre no condomínio, figuras que chegam a elogiar Horn apenas por ele fazer o básico de sua função como gestor.

O maior problema de Caixa-Preta é que se trata de um filme bastante monótono na maior parte do tempo, não chegando a aproveitar muito a intensidade proporcionada pelas limitações de seu espaço. A exceção quanto a isso é o terceiro ato, quando as coisas fogem um pouco mais do controle. Mas ainda assim Asli Özge concebe um bom thriller.

Nota:


Névoa Prateada (Silver Haze, 2023), de Sasha Polak:

Franky (vivida por Vicky Knight) é uma jovem enfermeira que convive há anos com um desejo de se vingar de quem causou o incêndio que desfigurou parte de seu corpo. Uma raiva constante que afeta até seus relacionamentos. Quando ela conhece Florence (Esme Creed-Miles), ela passa a ter contato com sentimentos mais afetuosos que podem tornar sua percepção de vida menos raivosa.

Névoa Prateada acaba sendo um grande palco para o talento de Vicky Knight, cuja vida inspirou grande parte da concepção de sua personagem (a atriz realmente esteve em um incêndio quando criança e carrega as cicatrizes desde então). Acompanhar o arco dramático de Franky pelas mãos de Knight é fascinante, com a atriz merecendo destaque pela sutileza e pela segurança com a qual encara tudo pelo que a protagonista passa. Nisso, os melhores momentos do filme são exatamente aqueles de maior leveza, como quando Franky está com sua irmã ou com a família de Florence, cenas que são conduzidas com sensibilidade pela diretora Sasha Polak. Não é a toa que a narrativa perde um pouco da força quando se concentra na instabilidade de Florence, mas mesmo isso ainda agrega ao belo arco percorrido pela protagonista.

Nota:



Outros posts da cobertura:

1a parte

Um comentário:

Bruno Farinon disse...

Baaaah, eu tava bem interessado naquele com o Peter Dinklage e a Anne Hathaway =/