Quando nos acostumamos com um determinado
estilo de um artista, é uma surpresa quando este resolve seguir uma nova
direção. Isso pode ser aplicado a Jordan Peele. Mesmo sendo mais conhecido por seus
trabalhos na comédia, onde até tem uma parceria com Keegan-Michael Key que
recentemente rendeu no cinema o divertido Keanu,
Peele estreia como diretor com este Corra!,
terror no qual exibe uma segurança admirável na construção da narrativa, ao
mesmo tempo em que mostra um pouco de sua veia cômica e traz comentários
sociais interessantes, quesitos que certamente lhe são caros.
Escrito pelo próprio Jordan Peele,
Corra! tem uma premissa bem simples,
focando o jovem fotógrafo Chris (Daniel Kaluuya), que faz uma viagem com sua
namorada Rose (Allison Williams) a fim de conhecer a família dela, que inclui os
pais, Dean e Missy (Bradley Whitford e Catherine Keener, respectivamente), e o
irmão, Jeremy (Caleb Landry Jones). Isso ganha tons receosos por conta de ele
ser negro, ao contrário deles. Tal receio aumenta à medida que Chris percebe algo
um tanto errado com os empregados negros da casa, passando a desconfiar que a família
talvez não seja o que parece.
Trata-se de uma história que não
deixa de beber um pouco de uma fórmula já utilizada em vários outros longas,
como o clássico Janela Indiscreta, O Suspeito da Rua Arlington e Paranoia, que também trazem protagonistas
que desconfiam da natureza de pessoas ao seu redor. E parte da graça desses filmes
é exatamente ver o suspense se construindo a partir da pulga atrás da orelha
que assombra os personagens, aspecto que Jordan Peele repete eficientemente em Corra!, não nos dando certeza absoluta
de que existe realmente uma ameaça (ao menos durante boa parte do tempo) e
usando essa interrogação para manter o protagonista e, consequentemente, o
espectador inquietos. Nisso, o diretor não só desenvolve uma tensão gradual e constante
na narrativa, mas também cria momentos extremamente angustiantes, merecendo destaque
a cena em que Chris é hipnotizado (o som da colher na xícara de chá é difícil
de esquecer após sair do cinema).
Para completar, Peele consegue
fazer com que a estranheza sentida por Chris funcione também para mostrar o
próprio desconforto dele na situação em que se encontra. Afinal, por mais que os
pais de Rose busquem passar um ar de tranquilidade a ele, o rapaz ainda é o
único negro que não é um empregado subalterno na casa daquela família branca e rica.
Essa questão racial, por sinal, é algo que Peele trata através de breves e
pontuais comentários, fazendo um retrato interessante do famoso racismo velado,
com o fato de os brancos dizerem coisas como “Eu votaria no Obama pela terceira
vez se fosse possível” servindo como tentativas de esconder ou até mesmo negar
isso.
Muito bem estruturado ao ter calma
para apresentar detalhes que terão papel importante mais adiante, além de levar
o espectador ao riso para aliviar um pouco a tensão, ainda que de um jeito mais
escrachado (destaque para uma divertida cena na delegacia), Corra! nos coloca diante de um diretor
que mostra saber exatamente o que está fazendo. No processo, o filme se revela um
exercício de gênero bastante competente e que já se coloca entre as boas
surpresas do ano.
Nota:
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