(Obs.: Texto referente aos dois
primeiros episódios da nova temporada. Ao contrário das críticas habituais aqui
do blog, ele contém alguns SPOILERS. Estão avisados.)
Quando séries de TV são
canceladas precocemente, o sentimento de decepção é mais do que natural. Mas acho
que é seguro dizer que poucas vezes a decepção foi tão grande quanto a proporcionada
pelo cancelamento de Twin Peaks em
1991. Famosa por criar um dos maiores mistérios da TV americana (“Quem matou
Laura Palmer?”), a série criada por David Lynch e Mark Frost apresentava um
universo que fascinava com sua atipicidade, uma hora parecendo algo calcado na
realidade apenas para depois passar a exibir toques oníricos, surreais e
sobrenaturais, ao mesmo tempo em que nos colocava diante de uma galeria incomum
de personagens, que nos guiavam por uma narrativa ambiciosa e inteligente, evitando
caminhos fáceis. Seu ciclo na televisão se encerrou com um cliffhanger de deixar os cabelos em pé e que nunca viu uma
resolução, o que não poderia ser mais frustrante em se tratando de uma produção
como essa, que influenciou várias outras obras televisivas desde então.
Por tudo isso, é difícil não
abrir um sorriso ao ver a série receber uma nova chance para explorar seu
material e, no processo, instigar o espectador com o que mostra na tela, o que
finalmente ocorre nesta nova temporada produzida pelo canal Showtime e cuja
exibição no Brasil ficou a cargo da Netflix. E é ainda melhor que isso acontece
mantendo o espírito original da série.
Mesmo que já faça 25 anos desde
que o universo de Twin Peaks foi
visitado pela última vez (o cancelamento foi em 1991, mas David Lynch lançou o
filme Os Últimos Dias de Laura Palmer
em 1992) e o público provavelmente esteja com saudades de tudo que a série
proporcionou, esse retorno não começa querendo acatar desejos nostálgicos de
revisitar logo de cara tudo o que conhecemos anteriormente. Sim, reencontramos alguns
personagens e voltamos a locais famosos como a delegacia e o Great Northern
Hotel, mas ainda são poucas coisas perto de tudo que já faz parte da mitologia
da produção. Ao invés de se focar nisso, Lynch prefere já enfiar o pé na porta
e apresentar gradualmente peças novas e antigas que devem mover a trama da vez
(novamente aviso: se não quiser saber detalhes dessa nova temporada, retorne a este
texto após assistir aos dois episódios), mostrando que o agente do FBI Dale
Cooper (Kyle MacLachlan) passou todos esses anos preso na Black Lodge, onde
ficou ao final da 2ª temporada. Enquanto isso, seu doppelgänger (ou réplica) do
mal faz serviços sujos com pessoas igualmente mal encaradas, ao passo que uma estranha
caixa de vidro é vigiada em Nova York e a polícia de South Dakota começa a
investigar o assassinato brutal de uma bibliotecária.
David Lynch e Mark Frost podem
até reabrir as portas para aquele mesmo universo que criaram, mas nunca este se
mostrou tão estranho, o que se deve principalmente à atmosfera imposta por
Lynch nos episódios (toda a temporada foi comandada por ele, diga-se de
passagem). O que encontramos aqui é um mundo que se aproxima bastante de um
pesadelo, até lembrando Cidade dos
Sonhos e Império dos Sonhos, os últimos
longas que Lynch dirigiu. Sendo assim, os dois episódios iniciais dessa
temporada se revelam inquietantes e passam uma constante sensação de
desconforto, que cresce em determinados momentos graças ao talento do diretor
para criar imagens assustadoras, como o ataque sofrido por um casal, o espírito
visto em uma cela de prisão ou o corpo da bibliotecária sendo encontrado pela
polícia. E se as imagens em si já deixam o público com os olhos arregalados, a
excelente trilha de Angelo Badalamenti trata de ressaltar a tensão ainda mais.
Não que o humor da série esteja ausente, pois retorna pontualmente com suas
excentricidades e provando que ainda é capaz de divertir, como quando Lucy (Kimmy
Robertson) recepciona um agente de seguros ou as cenas com a vizinha da bibliotecária,
ainda que esta acabe esticando momentos que poderiam ser mais objetivos. Mas ao
menos nesse início trata-se de um detalhe que fica um pouco de lado diante dos
outros elementos.
Apresentando questões que são
capazes de deixar o público zonzo de tão perdido enquanto se pergunta o que
diabos está acontecendo, algo que provavelmente renderá discussões e teorias até
a chegada do novo episódio na semana seguinte (o que é a caixa de vidro? E as
pistas mencionadas pelo Gigante? Como Dale escapará da Black Lodge? Que viagem foi
aquela do personagem pela caixa?), esse início de Twin Peaks aponta que a nova jornada não será um quebra-cabeça de
fácil resolução. Mas o que ela traz por enquanto já nos deixa intrigados pelo
que vem por aí. Basicamente, a série voltou sendo aquilo que costumava ser. E
se a placa na entrada da cidade-título nos dá boas-vindas àquele universo, não
custa nada devolver a gentileza: Bem-vinda de volta, Twin Peaks!
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