sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Cría Cuervos

(Texto originalmente escrito para a aula de Estudo do Cinema Internacional)
Filmado quando Franco estava em seu leito de morte, Cría Cuervos, do diretor Carlos Saura, faz uma metáfora comparando a infância da protagonista, Ana (interpretada por Ana Torrent), com o regime ditatorial na Espanha que durou de 1939 a 1975. Ao mesmo tempo, o filme tem uma sensibilidade irretocável, algo que faz sua história ser ainda mais interessante.
Cría Cuervos começa com a morte do pai de Ana. Tendo ela e suas irmãs perdido a mãe muito cedo, elas vão morar com sua tia, que mantém a rédea curta quando as meninas querem se divertir (leia-se: ser um pouco mais livres). A partir daí, vemos a Ana adulta (interpretada por Geraldine Chaplin) contar o que aconteceu com ela e suas irmãs na infância.
Uma cena interessantíssima do filme acontece quando a Ana adulta diz que não entende o porquê de algumas pessoas dizerem que a infância é o período mais feliz da vida de alguém. Ela completa com um “Com certeza para mim não foi”. E realmente ela não teve uma infância feliz. Ela viu sua mãe, uma das pessoas mais adoráveis que conheceu, sofrer até a morte por causa de um câncer. Seu pai não dava a mínima atenção para ela e suas irmãs, a ponto de as meninas não saberem nem segurar os talheres direito. Sua tia, apesar de ser uma pessoa mais calma, era uma estraga prazeres. Como ter uma infância feliz, se você não consegue nem se divertir direito?
Ana diz que sua infância foi um “longo e interminável período triste, cheio de medo”. É aí que se vê a metáfora de Carlos Saura. Isso representa o modo como os espanhóis viviam na época do franquismo, ou seja, uma vida cheia de regras e, principalmente, medo. E Saura mostra ser um diretor corajoso por fazer um filme como Cría Cuervos em uma época na qual Franco ainda estava vivo.
Quando Ana, achando que o conteúdo de uma velha caixa que pertencia a sua mãe é veneno, tenta matar sua tia e acabar com as restrições, Saura está mostrando o que várias pessoas gostariam de fazer, mas nunca puderam. E quando o tiro sai pela culatra, é como se o diretor dissesse que, apesar de Franco estar morrendo, seu regime ditatorial será para sempre uma mancha na história da Espanha.
“Parece inacreditável como memórias podem ser tão fortes”, diz a Ana adulta. Bem, se a ditadura de Franco ficará para sempre na história da Espanha, Cría Cuervos está marcado como um dos filmes mais importantes do cinema desse país.

Um comentário:

Hugo disse...

Leio sobre este filme desde os anos oitenta, mas ainda não tive oportunidade de assistir.

Ao que parece o título está ligado a uma frase da cultura espanhola que diz "quem cria corvos, terá por eles os olhos arrancados".

Abraço