domingo, 29 de janeiro de 2017

Passageiros

Ao sair da sessão de Passageiros, me peguei rindo sozinho enquanto gradualmente retornava para a vida normal fora da sala de cinema. Teria sido ótimo se este efeito tivesse sido causado de maneira proposital pelo filme, mas infelizmente não foi o caso. Na verdade, esta mistura de romance com ficção científica se revela tão moralmente absurda que, enquanto processava as duas horas que havia dedicado a ela, preferi seguir o caminho do “rir para não chorar”.

Escrito por Jon Spaihts (de Prometheus e Doutor Estranho), Passageiros tem início em meio a viagem da espaçonave Avalon, que está levando mais de cinco mil pessoas a um novo planeta chamado de Homestead II, em uma viagem que deve durar 120 anos. Mas após a nave passar por uma onda de asteroides, a cápsula de Jim Preston (Chris Pratt) acaba falhando e fazendo-o acordar 90 anos antes de a jornada ser completada, o que o deixa desesperado por não haver uma opção que o permita voltar para a hibernação. É quando ele se encanta por Aurora (Jennifer Lawrence), escritora que ainda está dormindo sem problema algum, mas que ele decide acordar para não ficar sozinho, o que rende uma história de amor enquanto ambos lidam com a perda de suas vidas normais.

Acordar a mulher de seus sonhos em um ambiente onde vocês estão praticamente sozinhos e fazê-la se apaixonar por você sem deixa-la saber que, na verdade, ela só está ali por conta de um ato egoísta de sua parte e que a fez perder toda uma vida que poderia ter. Basicamente, estamos diante de uma daquelas fantasias machistas definitivas, de forma que chega a ser inacreditável que o filme tenha ganhado vida mesmo com um subtexto tão estúpido (e percebam que descrevi apenas a base da ideia, já que a forma como ela é desenvolvida pelo roteiro ao longo da narrativa consegue tornar as coisas piores).

O engraçado é que o próprio filme tem noção de que essa questão está presente na narrativa, mas parece não saber o que fazer com ela. Em vários momentos o roteiro enfatiza que os atos de Jim são sim condenáveis, mas ao mesmo tempo não deixa de tentar justifica-los, possível resultado de sua determinação em fazer com que simpatizemos com o rapaz apesar de tudo. E quando a história dá a impressão de que tomará um rumo mais interessante, encarando o personagem e a relação dele com Aurora como algo digno de desprezo, isso logo é esquecido quando chegamos ao vergonhoso terceiro ato, com todo o altruísmo exibido pela dupla.

No fim das contas, a visão apresentada pelo diretor Morten Tyldum (de longas como Headhunters e o premiado O Jogo da Imitação) é a de que o relacionamento que se desenvolve entre os personagens não tem nada de muito errado, o que não ajuda suas intenções de fazer com que nos importemos com eles, algo que deveria ser importante principalmente a partir da segunda metade da projeção, quando o cineasta se esforça para criar momentos de grande tensão. E nem mesmo atores carismáticos como Jennifer Lawrence e Chris Pratt (outrora a protagonista forte e independente de Jogos Vorazes) conseguem salvar o barco.

Em tempos de obras como Moana e Rogue One, ver um longa com um sexismo tão escancarado como Passageiros chega a ser assustador. E considerando a fama que Lawrence e Pratt conquistaram nos últimos anos (algo do qual o filme certamente tenta se aproveitar), é uma pena que eles tenham se rendido a um projeto como esse.

Nota:

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