Usando a era de Daniel Craig no
papel de James Bond para marcar uma espécie de recomeço para a história do
personagem, a série 007 tem conseguido fazer uma releitura interessante de si
mesma, rendendo em Cassino Royale e Operação Skyfall dois longas que se
revelaram memoráveis entre àqueles protagonizados pelo espião (o segundo
capítulo, Quantum of Solace, é
esquecível perto deles). James Bond ganhou um novo fôlego e considerando que essa
ideia de recomeço agora está completa, de forma que até o tiro em direção à
câmera voltou para o lugar certo, é compreensível que Sam Mendes (retornando
como diretor após o sucesso de Operação
Skyfall) e os outros envolvidos na série tenham sentido segurança para
explorar ares familiares ao universo desenvolvido ao longo de mais de cinco
décadas, e é isso que acontece neste 007
Contra Spectre.
O próprio título já estabelece a
história que acompanharemos. Depois dos eventos de Operação Skyfall, James Bond agora investiga os passos da misteriosa
organização terrorista SPECTRE, que não aparecia oficialmente nos filmes desde Os Diamantes São Eternos, há 44 anos. As
pistas acabam colocando o espião diante de um velho conhecido, Franz Oberhauser
(Christoph Waltz), que ele achava estar morto. Enquanto isso, o novo M (Ralph
Fiennes) tem que lidar com a presença de Max Denbigh (Andrew Scott), que ameaça
dar um fim ao programa “00” ao questionar sua eficiência e a relevância do MI6,
o que obriga Bond a seguir sua missão por baixo dos panos.
Trata-se de outro filme no qual
James Bond tem que lidar com uma missão de teor pessoal, algo comum na série e que
aqui é interessante ao explorar um pouco mais o passado do personagem, assim como aconteceu
em Operação Skyfall. Nisso, o
roteiro é até corajoso na forma como desenvolve a trama, principalmente no que
diz respeito à relação entre o herói e o vilão, dando a ela camadas que a
tornam mais complexa. Além disso, durante a longa investigação feita
por Bond, o filme reaproveita orgânica e inteligentemente vários elementos apresentados
nos três exemplares anteriores, mostrando ser o resultado natural deles ao
mesmo tempo em que faz o protagonista encarar feridas mal cicatrizadas, o que dá um
peso maior à narrativa.
Tudo isso é conduzido com calma e
segurança por Sam Mendes, ainda que ocasionalmente o cineasta não consiga
impedir o filme de ter alguns problemas de ritmo. Mas ele compensa isso ao mais
uma vez mostrar ser um diretor de ação formidável, construindo sequências intensas,
empolgantes e divertidas, como uma perseguição no ambiente gélido da Áustria e a
luta que acontece em um trem, sendo que ambas envolvem Hinx (interpretado pelo
imponente Dave Bautista), capanga típico da série, que troca suas falas por socos
e pontapés. Aliás, essa sequência no trem possivelmente referencia numa tacada
só as lutas de Moscou Contra 007, Com 007 Viva e Deixe Morrer e O Espião Que Me Amava, comprovando o
tom mais à moda antiga adotado pela produção. É uma pena, no entanto, que nenhuma
delas se equipare àquela que abre o filme, iniciada com um belíssimo
plano-sequência reapresentando o protagonista em meio a sua missão na Cidade do
México, durante o Dia dos Mortos, e finalizada de maneira tensa e eletrizante
em um helicóptero.
Interpretando James Bond pela
quarta vez, Daniel Craig já revela ser capaz de encarnar a frieza e a exaustão
do personagem mesmo parecendo estar no piloto automático, fazendo isso sem
sacrificar seu senso de humor (como já falei outras vezes, Sean Connery pode
ser o melhor Bond da série, mas Craig vem logo atrás). Já Léa Seydoux exibe
força no papel da bond girl Madeleine
Swann, tendo uma boa dinâmica com Craig, ainda que os sentimentos entre os
personagens acabem soando esquemáticos graças às necessidades do roteiro. E se
Monica Bellucci mal tem tempo de tela como Lucia Sciarra, Ralph Fiennes, Naomie
Harris e Ben Whishaw dão personalidade aos conhecidos papeis de M, Moneypenny e
Q. Finalmente, Christoph Waltz encarna maravilhosamente o sadismo de Franz
Oberhauser, um vilão clássico por natureza e com motivações pessoais que lhe
proporcionam maior aprofundamento, enquanto que o mistério feito em cima de sua
identidade funciona apenas para apresentá-lo com calma e fazer uma rima dentro
da franquia, já que se trata de algo óbvio desde o princípio.
007 Contra Spectre é admirável ao utilizar as peças que tem à disposição
para montar uma narrativa que mantém o atual vigor da série enquanto dialoga
com o que ela era antigamente. Em um ano como 2015, no qual vários filmes de
espionagem se destacaram (como Missão Impossível 5, O Agente da U.N.C.L.E.
e Kingsman), é bom ver que James
Bond não decepcionou.
Nota:
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