A curiosidade é responsável por
boa parte dos grandes passos dados pelo homem em termos tanto de conhecimento
quanto de evolução. É o que nos faz querer explorar o desconhecido, por mais estranho
que este possa parecer, e cada nova descoberta nos deixa naturalmente mais
instigados. Interestelar, novo filme
do diretor britânico Christopher Nolan, apresenta um mundo que precisa urgentemente
deste tipo de curiosidade, e o que vemos na tela é uma jornada que, apesar de não
ser desprovida de problemas, se revela intrigante e tecnicamente brilhante.
Escrito pelo próprio Christopher
Nolan em parceria com seu irmão Jonathan, Interestelar
se passa em um futuro próximo, apresentando um planeta Terra cada vez mais
escasso e que consequentemente está colocando toda a raça humana em risco. Nessa
realidade, entra em cena o engenheiro e ex-piloto Joseph Cooper (Matthew
McConaughey), que descobre que a NASA tem realizado expedições com o propósito
de encontrar outro planeta para ser habitado pelas pessoas, em um projeto
liderado pelo Professor John Brand (Michael Caine). É então que Cooper aceita a
proposta de se juntar a filha de Brand, Amelia (Anne Hathaway), e liderar a
equipe que fará a viagem que explorará os confins do universo, indo além de
buracos negros e “buracos de minhoca” para definir o futuro de todos, mesmo que
isso o faça deixar seus filhos Murph e Tom (Mackenzie Foy e Timothée Chalamet,
respectivamente) para trás sem perspectiva de retorno.
A maior parte da primeira hora de
projeção é dedicada para que Christopher Nolan estabeleça a realidade na qual estamos
embarcando e apresente elementos que, ao longo da narrativa, servirão como uma
espécie de guia para o desenvolvimento das ideias complexas que permeiam a
história, o que é feito de maneira orgânica pelo roteiro ainda que inevitavelmente
renda sua parcela de diálogos expositivos. Dessa forma, ficamos sabendo não só sobre
os planos que John Brand tem para a colonização de outros planetas, mas também que
as pessoas parecem estar meio que em um estado de retrocesso, negando algumas
de suas maiores conquistas, como a chega do homem à lua. Nesse sentido, não
deixa de ser irônico que a aposta para a salvação da humanidade seja exatamente
uma exploração espacial. Para completar, ao mostrar que o ambiente na Terra
fica revestido de pó, o diretor passa a ideia de um lugar ultrapassado, em um
simbolismo curioso e adequado à trama.
É então que a viagem dos
personagens tem início e Nolan passa a montar um filme que faz jus ao gênero de
ficção científica, com seus conceitos investindo ora no existencialismo, ora no
moralismo, passando pela própria natureza humana e trazendo até mesmo o
espaço-tempo como um componente importante de toda a equação. Aliás, a relação que
Interestelar tem com o tempo é um de
seus pontos mais interessantes. O fato de minutos em outro planeta poderem significar
anos na Terra adiciona um triste peso ao arco dramático de Cooper, que se vê
perdendo a chance de ver seus filhos crescerem (quando adultos eles passam a
ser interpretados por Jessica Chastain e Casey Affleck), além de criar uma
tensão muito eficiente considerando que perder tempo é a última coisa que o
protagonista e os membros de sua equipe querem. É um detalhe que torna eletrizante,
por exemplo, a sequência que se passa em um planeta com ondas gigantes.
Tudo isso somado a sua escala
absolutamente grandiosa faz de Interestelar
uma bela experiência cinematográfica, e assisti-lo em uma sala IMAX expande
isso consideravelmente. O design de produção de Nathan Crowley, com o auxílio
dos impressionantes efeitos visuais, dá atenção aos mínimos detalhes das naves,
“buracos de minhoca” e tudo o que vemos no espaço, sendo hábil também ao trazer
certa precariedade a Terra futurista, que ainda assim se mantém como um lugar esteticamente
mais cativante do que os outros planetas que vemos na história. Em meio a isso,
é perceptível a influência que 2001: Uma
Odisseia no Espaço tem no filme, algo que pode ser visto pelo modo como
Christopher Nolan comanda determinadas sequências no espaço, além de elementos
como o robô que ajuda os personagens nas expedições (uma mistura de HAL 9000
com um monólito) e a trilha de Hans Zimmer, que em alguns acordes lembra “Also
Sprach Zarathustra” e dita bem o ritmo da narrativa.
Enquanto isso, o excelente
Matthew McConaughey encarna Cooper com sua competência habitual, criando um
personagem determinado e que tem na relação com os filhos (Murph em especial) seu
lado mais vulnerável, e até por isso a cena em que ele chora ao ver uma
mensagem deles é um momento particularmente tocante do filme. Já Murph é
interpretada por Jessica Chastain com uma compreensível amargura, mas que não a
impede de se manter conectada ao que seu pai está fazendo, vindo a ser uma
pupila do Professor Brand, que tem em Michael Caine um intérprete que estabelece
sua importância e inteligência desde o princípio. E se Anne Hathaway e Casey
Affleck não tem muitas chances para tornar Amelia e Tom interessantes, detalhe
que se deve mais ao modo um tanto raso com que o roteiro os desenvolve, o ator
que interpreta um certo Dr. Mann (e que prefiro não revelar aqui) consegue
subverter bem as expectativas do público considerando os tipos de papeis que
ele costuma aceitar.
Mas mesmo com todas suas
qualidades, Interestelar encontra problemas
que o impedem de ser outra obra-prima do currículo Christopher Nolan. A cena em
que Amelia e Cooper discutem como o amor transcende o espaço-tempo, por
exemplo, não se encaixa direito na trama, talvez por o diretor tratar esse
assunto com muito mais racionalidade do que sensibilidade, o que é uma pena se
levarmos em conta que isso é importante para a narrativa. E apesar de o roteiro
conseguir criar uma lógica interna que faz funcionar coisas absurdas do
terceiro ato, é inegável que algumas delas ainda soam forçadas, caindo até no
bom e velho deus ex machina.
Interestelar não é o melhor filme do ano e muito menos o melhor de
Christopher Nolan, mesmo representando seu trabalho mais ambicioso por tudo o que
explora. Mas no fim ainda é um ponto positivo para o diretor, sendo uma ficção científica
admirável durante suas quase três horas de duração, não ficando no lugar-comum
e se mostrando repleta de grandes momentos.
Nota:
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