sábado, 12 de julho de 2014

Miss Violence

Angeliki está completando 11 anos. Ela parece um anjo e recebe da família todos os cumprimentos de felicidade possíveis. Mesmo assim, não está muito feliz. É então que se afasta sorrateiramente de todos, em um momento em que as atenções estão em outras coisas em meio à festa de aniversário. Angeliki se pendura na sacada, sorri sutilmente para o espectador e pula. A câmera, em uma panorâmica, mira lentamente para baixo, passando por três andares até focar o corpo ensanguentado da garota na fachada do prédio. Uma imagem que choca todos ao seu redor (e podemos nos incluir nesse grupo).

Essa é a sequência de abertura de Miss Violence, drama comandado por Alexandros Avranas que fez muito sucesso no circuito de festivais em 2013, chegando a levar o prêmio de Melhor Direção em Veneza. Sem dúvida é uma passagem impactante, que estabelece logo de cara o tom pesado que o filme exibirá ao longo da história, ao acompanhar o modo como a família de Angelik lida com o incidente, ao mesmo tempo em que mostra gradualmente o porquê da menina acabar com a própria vida. Nisso, vale dizer, desde o início podemos ver que há algo errado (ou ao menos estranho) na vida daqueles personagens.
Alexandros Avranas é hábil ao criar uma atmosfera opressiva e angustiante para a história. Para isso, ele tem a ajuda do design de produção e da bela fotografia de Olympia Mytilinaiou, que ao utilizarem tons opacos tiram muito da vida que existe na tela. É algo que não só passa eficientemente o sentimento de depressão que toma conta de todos os envolvidos, atingindo principalmente o avô (Themis Panou) e a mãe, Eleni (Eleni Roussinou), mas também a própria natureza das coisas que acontecem por ali. Por sinal, ainda que o amor possa existir naquela família, isso não condiz e nem se equipara ao modo infeliz e apático como todos agem, como se convivessem uns com os outros por obrigação, ao invés de prazer. E é difícil não sentir um soco no estômago quando os segredos obscuros são revelados. Afinal, eles conseguem chocar mesmo que seja possível prevê-los em determinados momentos.
Enquanto isso, o elenco se revela irrepreensível. Interpretando o patriarca da família, Themis Panou se destaca com uma presença em cena que torna o avô uma figura temível, ainda que ocasionalmente mostre atos de carinho (um beijo no neto, por exemplo). Já Sissy Toumasi, como Myrto, a jovem tia de Angelik, surge como a única que dá sinais de alguma indignação com relação ao que vive. E se Eleni Roussinou faz de Eleni uma figura que é claramente controlada pelo pai, aparecendo sempre retraída em cena, como se não pudesse se expressar, Reni Pittaki, no papel da avó, cria uma figura imprevisível com poucas falas e gestos, atos que se revelam alguns dos mais surpreendentes do filme.
Assim, Miss Violence se estabelece como um grande exemplar do cinema grego, mas que também é o tipo de filme que, mesmo com todos seus méritos, seria difícil assistir de novo. Afinal, a sensação de desconforto que passa é tão grande que é preferível não senti-la novamente.
Nota:

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Amor Fora da Lei

A base da história de Amor Fora da Lei não é particularmente original. Depois de ficar alguns anos na cadeia, Bob Muldoon (Casey Affleck) foge para reencontrar sua esposa, Ruth Guthrie (Rooney Mara), e a filha que não viu nascer. Enquanto isso, o policial Patrick Wheeler (Ben Foster) se aproxima das duas, tentando ajuda-las ao mesmo tempo em que tenta encontrar Bob e prendê-lo novamente. É um tipo de triângulo amoroso que já vimos em outros filmes, mas é bom ver que o diretor David Lowery (em seu segundo longa-metragem) consegue fazer com esse clichê funcione de forma que ele quase soa como algo novo ao longo da projeção.

Trazendo como ambientação o Texas da década de 1970, Lowery mostra ter uma visão bastante contemplativa com relação ao lugar em determinados momentos, aproveitando muito bem sua simplicidade para criar uma atmosfera melancólica, que ganha belos traços a partir da excelente fotografia de Bradford Young e da trilha de Daniel Hart. É um aspecto que atinge em cheio os três personagens principais, que ganham grande peso dramático graças a seus talentosos intérpretes. Se Casey Affleck surge com determinação como Bob, Rooney Mara traz uma força admirável para Ruth, ao passo que Ben Foster encarna Patrick com uma sensibilidade por vezes tocante. Em parte, o filme se mostra bastante envolvente exatamente por os personagens serem tão bons.

Amor Fora da Lei pode até ser uma produção pequena em termos de escala, mas o interesse que cria ao longo de sua sensível história é bem grande. Um belo filme, sem dúvida.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Os Muppets na Ilha do Tesouro

Algo que os responsáveis pelos Muppets gostam de fazer, de vez em quando, é inseri-los em determinada história clássica, criando assim uma versão própria da mesma. Logo no início da década de 1990, O Conto de Natal dos Muppets foi bem sucedido dentro desse modelo ao colocar os personagens em Um Conto de Natal, famoso livro de Charles Dickens já adaptado várias vezes para o cinema (a última foi em Os Fantasmas de Scrooge, de Robert Zemeckis). Sendo assim, os produtores decidiram repetir a fórmula no filme seguinte da franquia, Os Muppets na Ilha do Tesouro, que, por sua vez, se utiliza de "A Ilha do Tesouro", clássico de Robert Louis Stevenson. E, novamente, o resultado alcançado não decepciona.

Com roteiro escrito por Jerry Juhl e Kirk R. Thatcher, em parceria com James V. Vart, Os Muppets na Ilha do Tesouro se concentra no jovem órfão Jim Hawkins (Kevin Bishop), que fica sabendo através do pirata Billy Bones (Billy Connolly) da existência de um valioso tesouro. Durante um ataque de piratas, Jim e seus amigos Gonzo e Rizzo pegam o mapa de Bones e se juntam à tripulação comandada pelo Capitão Abraham Smollett (no caso, o sapo Kermit) para tentar encontrar a riqueza. É então que o garoto conhece Long John Silver (Tim Curry), cozinheiro do navio, que passa a protegê-lo das figuras que querem roubar o mapa. Mas Silver também mostra não ser uma figura particularmente confiável.
Assim como acontecia no filme anterior, os Muppets viram coadjuvantes, enquanto os personagens humanos ganham mais importância. Mas isso não muda o espírito “muppetiano” da produção, responsável ao longo da trama pelas típicas brincadeiras que vemos em qualquer aventura desses personagens. Sendo assim, o filme diverte com o jeito meio bobo e ingênuo deles (como na cena em que Gonzo é dolorosamente esticado, mas acha ótimo por ficar mais alto) e com as gags metalinguísticas que surgem ocasionalmente na narrativa (“Ele está morto? Mas este deveria ser um filme infantil! ”, diz Rizzo em dado momento).
Se essa parte é caprichada, o mesmo pode ser dito sobre a escala épica do longa, que o diretor Brian Henson (filho do próprio Jim Henson) conduz muito bem. Utilizando desde a bela fotografia com tons sépia de John Fenner até a trilha grandiosa composta por Hans Zimmer, Henson consegue impor um ritmo que combina perfeitamente com a história. O cineasta também se sai bem nas divertidas cenas de batalha, que ajudam a tornar o terceiro ato um dos melhores momentos do filme. Além disso, o design de produção faz um ótimo trabalho, criando cenários típicos dos Muppets, como o pequeno reino comandado por Benjamina Gunn (ou Miss Piggy, como estamos acostumados).
Já o elenco de carne e osso merece crédito por conquistar a simpatia do espectador. O jovem Kevin Bishop surpreende com seu carisma, algo absolutamente necessário para Jim Hawkins. Ele ainda desenvolve com Tim Curry uma dinâmica interessante de pai e filho, sobretudo pela afeição mútua parecer genuína, tanto que a cena final entre eles acaba muito eficaz e até mesmo tocante. Curry, por sinal, se destaca ao encarnar Long John Silver como um sujeito merecedor de nossa desconfiança constante, e o ator claramente se diverte com essa composição, o que de certa forma acaba sendo um bônus.
Embalado ainda por ótimas canções (destaque para “Shiver My Timbers” e “Sailling For Adventure”), Os Muppets na Ilha do Tesouro se revela uma aventura tão simpática e divertida quanto seus personagens. Em uma cena, Statler e Waldorf (os velhinhos rabugentos da turma) dizem que pior que ficar preso na proa do navio é ficar preso na plateia. No entanto, ver os Muppets em ação em um bom filme é sempre um deleite. A criança que existe dentro de nós agradece.
Nota:

sexta-feira, 27 de junho de 2014

A Grande Farra dos Muppets

Com o enorme sucesso que faziam na TV, os Muppets ganharam uma oportunidade para divertir o público no cinema em Muppets: O Filme, longa que contém brilhantemente todo o humor e o carisma de Kermit, Miss Piggy e companhia. Mas as aventuras dos personagens em película não pararam por aí, afinal a primeira empreitada foi tão bem sucedida que produzir um novo filme foi inevitável. Seu criador, Jim Henson, os levou novamente às telonas neste A Grande Farra dos Muppets que, apesar de ser um pouco inferior ao antecessor, ainda se mostra um belo exemplar dentro da franquia.

Escrito por Tom Patchett e Jay Tarses, em parceria com Jerry Juhl e Jack Rose, A Grande Farra dos Muppets traz Kermit, o urso Fozzie e Gonzo como repórteres. No entanto, o trio não é muito bom no trabalho, considerando que enquanto a notícia do momento é o roubo das joias de Lady Holiday (Diana Rigg), a designer de moda mais famosa de Londres, eles preferem dar atenção aos gêmeos que integraram a redação de seu jornal, ou seja, os próprios Kermit e Fozzie. Mas, de qualquer maneira, eles decidem ir a Londres para entrevistar Lady Holiday e acabam confundindo-a com sua secretária, Miss Piggy, por quem Kermit obviamente se apaixona. É então que o ladrão, Nick Holiday (Charles Grodin), rouba a designer (sua irmã) novamente.
Desde o início, o roteiro utiliza várias marcas registradas do universo Muppets, sendo que as mais evidentes são a ingenuidade dos personagens e o uso da metalinguagem. É fácil, por exemplo, rir nos momentos em que todos demonstram a noção de participar de um filme (a cena em que Kermit aponta o exagero na atuação de Miss Piggy é uma sacada particularmente inspirada, assim como quando Kermit, Fozzie e Gonzo acham que terão comida no precário Hotel da Felicidade). Jim Henson - na única vez em que assumiu a cadeira de diretor num filme de suas criaturas - conduz a narrativa com um timing cômico perfeito, já que as piadas, principalmente as metalinguísticas, surgem de maneira orgânica. Contudo, às vezes o roteiro falha ao repetir em demasia algumas gags (mais especificamente aquela em que os personagens são prensados na parede por uma cama), mas nem isso se revela suficiente para atrapalhar a diversão.
Diversão esta que é alimentada, ainda, por números musicais típicos dos Muppets, com canções que colocam um sorriso no rosto do público facilmente, como “Hey A Movie!”, que abre o filme, e“Happiness Hotel”. Méritos de Joe Raposo, que escreveu as letras de todas elas. Isso torna quase perdoável que alguns dos números em si não sejam tão interessantes, como aquele em que Kermit deixa claro estar apaixonado por Miss Piggy. Enquanto isso, em termos de história, A Grande Farra dos Muppets é um pouco previsível, algo que acaba em segundo plano, por conta do entretenimento que o filme proporciona.
Com ótimas participações especiais de atores famosos (John Cleese, por exemplo, aparece em uma das sequências mais engraçadas do filme), A Grande Farra dos Muppets faz jus aos seus adoráveis personagens e a todo o universo do qual eles fazem parte. É uma produção carregada por uma doce sensação de nostalgia que apenas figuras como os Muppets poderiam nos dar.
Nota:

domingo, 22 de junho de 2014

Se Meu Apartamento Falasse

Ao longo da carreira, Billy Wilder trabalhou com gêneros bem diferentes, passando por drama, thriller e comédia, este, aliás, ao qual ele dedicou boa parte de sua filmografia, com uma série de obras memoráveis. Após ter realizado o brilhante Quanto Mais Quente Melhor, que trouxe Jack Lemmon em um dos papeis principais, Wilder decidiu continuar na comédia e colocar o ator outra vez como protagonista. A nova parceria resultou neste maravilhoso Se Meu Apartamento Falasse, que também contou com a presença de Shirley MacLaine, na época uma atriz já merecedora de muita atenção.

Escrito por Wilder em parceria com I.A.L. Diamond (um de seus colaboradores mais assíduos), Se Meu Apartamento Falasse traz Lemmon interpretando C.C. Baxter, homem solitário que trabalha em uma empresa de seguros e é cheio de sorrisos para Fran Kubelik (Shirley MacLaine), uma operadora de elevadores no local. Ele tem um esquema visando rápida promoção: seus superiores pegam a chave de seu apartamento para “pular a cerca”, algo que em várias ocasiões o obriga a ficar trabalhando até tarde. Tal situação faz com que seu vizinho, o Dr. Dreyfuss (o divertido Jack Kruschen), passe a ter uma impressão errada sobre ele. É então que o diretor da empresa, Jeff Sheldrake (Fred MacMurray), descobre o que está acontecendo e resolve aproveitar. A mulher com quem Sheldrake está envolvido é exatamente Fran, e o apaixonado Baxter acaba cuidando da garota depois das decepções com o chefe mau-caráter.
Baxter e Fran são personagens com as quais o público se identifica rapidamente, pois figuras em busca de coisas que completem suas vidas, como qualquer outra pessoa. Curiosamente, Sheldrake está diretamente relacionado com os sonhos de ambos, já que enquanto Baxter tenta ser promovido, Fran gostaria de ficar com o homem que ama, mesmo ele sendo casado. Não à toa o roteiro de Wilder e Diamond coloca o nome de “Consolidated Life” (“Vida Consolidada”) na empresa de seguros comandada por Sheldrake, em uma das ótimas sacadas do filme. Quanto mais a dupla principal vai desenvolvendo sua relação e descobrindo que seus sonhos talvez não sejam tão interessantes quanto pensavam, mais confortáveis eles ficam na presença um do outro.
Vividos com carisma arrebatador por Lemmon e MacLaine (ambos indicados ao Oscar), C.C. Baxter e Fran Kubelik formam um daqueles casais pelos quais é difícil não torcer. Ele mostra ser um homem tímido e cortês, totalmente diferente da canalhice do Jeff Sheldrake de Fred MacMurray, o que consequentemente nos faz indignados quando alguns o confundem com alguém que brinca com as mulheres e festeja todas as noites. Já ela se revela uma mulher sensível e absolutamente adorável, ainda que corra atrás do homem errado e tome medidas extremas com relação às suas decepções. Assim, não surpreende constatar que é exatamente a dinâmica de Lemmon com MacLaine a responsável por boa parte da eficiência do filme.
Apesar de ser uma comédia, Se Meu Apartamento Falasse tem alguns toques sérios. No entanto, isso não faz sê-lo menos cativante, considerando que Billy Wilder é hábil ao dosar momentos divertidos e dramáticos. O cineasta insere sequências como aquela em que Baxter remarca os dias disponíveis para seus chefes no apartamento (que causa bons risos, por aproveitar muito bem o talento cômico de Jack Lemmon), mas de forma que elas não tirem o peso de cenas como aquela na qual Fran aparece desacordada. 
Se Meu Apartamento Falasse confirmou ainda mais Billy Wilder como um grande nome. Tal sucesso acabou refletindo no Oscar de 1961, premiação da qual ele saiu como grande vencedor. Foi o segundo filme de Wilder a conquistar as estatuetas de Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Roteiro, sendo Farrapo Humano o primeiro. É um trabalho memorável, até hoje reconhecido como uma das melhores comédias já feitas. Posição merecida, sem dúvida.
Nota:

sábado, 21 de junho de 2014

Como Treinar o Seu Dragão 2

Apresentando personagens absolutamente adoráveis em uma história que divertia, emocionava e empolgava em medidas iguais, Como Treinar o Seu Dragão é uma das melhores animações realizadas pela Dreamworks. É então que o estúdio faz aquilo que sempre acontece com filmes bem sucedidos: produz uma continuação para firmar uma franquia. Mas diferente de sequências que parecem não se preocupar muito em desenvolver algo interessante, achando que nosso apego pelos personagens será o suficiente para entreter (alô, Rio 2!), Como Treinar o Seu Dragão 2 mostra realmente ter outra boa história para contar envolvendo Soluço e Banguela, conseguindo ser uma agradável surpresa.

Escrito e dirigido por Dean DeBlois (que dessa vez assume sozinho as rédeas da trama, já que seu parceiro Chris Sanders preferiu se dedicar ao ótimo Os Croods), Como Treinar o Seu Dragão 2 se passa cinco anos após os eventos no filme anterior, com a harmonia entre humanos e dragões crescendo a cada dia. Nesse contexto, Soluço explora novos territórios ao lado de Banguela enquanto precisa lidar com a vontade de seu pai, Stoico, de vê-lo tomar seu lugar como chefe na ilha de Berk. No entanto, o rapaz descobre que nem todos os humanos veem os dragões como seres dóceis, encontrando um grupo de caçadores que tenta capturar os bichos a mando de Drago, um velho conhecido de Stoico que quer domar todos eles. Enquanto tenta descobrir uma forma de manter a paz, Soluço encontra ajuda em uma misteriosa domadora, que revela ser Valka, a mãe que ele achava ter perdido ainda bebê e que passou todos os anos longe da família salvando os dragões das mãos de Drago.

Ao longo da história, Como Treinar o seu Dragão 2 busca expandir o que havíamos conhecido no filme anterior, o que é comum em boa parte das continuações. Nisso, o design de produção volta a fazer um trabalho impecável na concepção dos vários tipos de dragões, além de mostrar a grandiosidade daquele universo com novos e belos cenários, cujo visual ora tende para tons mais escuros, como o céu nublado por onde Soluço e Banguela passam, ora para algo colorido e cheio de vida, como o ninho onde Valka reside com seus dragões e que conta com detalhes em gelo que remetem a criatura que domina o local. Aliás, o fato de os créditos finais trazerem o nome do excepcional diretor de fotografia Roger Deakins como consultor visual mostra o quanto os envolvidos no filme se preocuparam com esse aspecto.

Já que mencionei Valka, vale ressaltar que o retorno dela a sua antiga realidade, que se inicia quando ela reencontra Soluço, é tratado com uma sensibilidade admirável por Dean DeBlois, que acerta ao desenvolver o relacionamento entre ela e o filho com calma ao invés de inserir um conflito bobo (e é bom ver que ela é uma mulher forte, não temendo os obstáculos que precisa enfrentar para salvar os animais que tanto aprendeu a amar). Na verdade, a relação familiar entre os personagens é um dos pontos altos da produção, sendo curioso notar que por mais que Soluço não queira ser o novo chefe de seu povo, ele discute com seu pai com o espírito de um líder, demonstrando uma segurança que aponta o quanto ele amadureceu desde o filme anterior.

Tal amadurecimento também pode ser visto na própria trama, que em determinados pontos é mais sombria do aquela vista no primeiro filme, que já tinha alguns pontos corajosos para uma animação voltada para o público infantil. Porém, se antes havíamos ficado surpresos em ver Soluço perdendo um pé, dessa vez Dean DeBlois se arrisca um pouco mais e traz momentos particularmente impactantes, que resultam a partir dos atos do vilão, cujos motivos são muito bem estabelecidos. Por sinal, Drago se revela um belo contraponto a Soluço, considerando que enquanto ele doma as criaturas através do medo, o protagonista o faz através do carinho que eles merecem.

Não que o filme tenha esses tons sombrios o tempo todo. Muito pelo contrário. Como Treinar o Seu Dragão 2 consegue entreter com seus ótimos personagens, ainda que às vezes invista em coisas pouco interessantes, como a subtrama romântica envolvendo Cabeçaquente, amiga de Soluço, e Eret, capanga de Drago. Mesmo assim, se em um momento o filme diverte, por exemplo, com a corrida de dragões (uma espécie de quadribol viking), em outro fascina com as cenas em que Soluço voa ao lado de Banguela. Para completar, Dean DeBlois conduz eficientemente as sequências de batalha que aparecem ocasionalmente, sendo que a excelente trilha de John Powell dá toques épicos bastante apropriados.

Contando com alguns elementos um tanto previsíveis nos arcos dramáticos de determinados personagens, mas que apesar disso são capazes de encantar e emocionar pela forma como o roteiro chega até eles, Como Treinar o Seu Dragão 2 consegue ser tão bom quanto seu antecessor. Dessa forma, o filme acaba entrando fácil na lista de animações de destaque do ano.

domingo, 15 de junho de 2014

A Montanha dos Sete Abutres

“Diga a verdade”. Estas três simples palavras aparecem emolduradas na parede da redação de um jornal, no início de A Montanha dos Sete Abutres, décimo filme dirigido por Billy Wilder. Considerando que a obra traz no centro da narrativa um repórter capaz até de mentir para emplacar grandes histórias nos jornais, tais palavras representam praticamente um aviso com relação ao que veremos. Afinal, é isto que esperamos que jornalistas façam: mantenham as pessoas informadas sem apelar para manipulações que encubram a verdade, não prejudicando ou beneficiando alguém injustamente. À medida que a história se desenrola, Billy Wilder mostra como envolver o público, pela maneira como aborda tais questões.

Escrito pelo próprio diretor em parceria com Lesser Samuels e Walter Newman, A Montanha dos Sete Abutres acompanha Chuck Tatum (Kirk Douglas), repórter que está apenas em busca do próprio sucesso, principalmente depois de ser demitido de um jornal de prestígio em Nova York. Aceitando trabalhar quase de graça em uma publicação pequena de Albuquerque, Tatum logo fica impaciente com a falta de grandes eventos para cobrir. Isso até o dia em que encontra Leo Minosa (Richard Benedict), homem preso embaixo dos escombros de uma velha montanha, local cuja história envolve uma espécie de maldição. Tatum então vê a oportunidade que tanto esperava, tornando o ocorrido o centro das atenções da mídia e fazendo com que o resgate a Leo demore mais que o planejado, já que assim poderá explorar ao máximo a notícia do momento.
Billy Wilder faz de A Montanha dos Sete Abutres um conto sobre ética jornalística e sensacionalismo midiático, explorando o lado ruim de tudo isso, algo que diferencia a produção de outras similares, como a também obra-prima Todos os Homens do Presidente. À primeira vista poderíamos admirar o fato de Chuck Tatum trazer repercussão gigantesca para um acontecimento que poderia ser ignorado. Mas por isso ser feito puramente em benefício próprio, com ele manipulando a informação que tem em mãos, bem como as pessoas ao seu redor, para aproveitar cada vez mais o que ocorre com Leo, o filme acaba sendo interessante na dimensão das consequências. Além disso, o roteiro faz um belo retrato das pessoas que gostam de servir-se desse jornalismo corrupto, e não deixa de ser ideal que elas também apareçam tirando vantagem da situação.
Mas A Montanha dos Sete Abutres também é um ótimo estudo de personagem. Vivido com segurança absoluta pelo magnífico Kirk Douglas, Chuck Tatum é uma figura cuja ambição é ofuscada pelos próprios egoísmo e arrogância. Ele não mede esforços para que a notícia funcione perfeitamente conforme seus interesses, como bem podemos ver na cena em que a esposa de Leo, Lorraine (Jan Sterling), interessada sexualmente por ele, apanha para aparentar tristeza. E mesmo quando o personagem mostra um pouco de sensibilidade por Leo, é fruto de uma preocupação primeira consigo. Para completar, é bacana ver como Billy Wilder estabelece a personalidade do protagonista através da roupa. Em boa parte do filme, Tatum aparece com uma camisa preta, o que cria um contraste com o figurino mais claro dos repórteres de pouco sucesso do jornal em Albuquerque, além de estabelecer a influência que o protagonista tem no novato Herbie Cook (Robert Arthur), que o segue ao longo de toda a história e passa a usar a mesma roupa mais tarde.
Apesar de ter recebido uma indicação ao Oscar de Melhor Roteiro, A Montanha dos Sete Abutres não foi muito bem recebido na época de seu lançamento, tendo ainda fracassado nas bilheterias. Mas o cinema constantemente concede novas chances para determinados filmes, e com o passar do tempo a obra de Wilder teve suas qualidades reconhecidas, tornando-se outro clássico na carreira do cineasta. O que é um alívio, já que este trabalho certamente não merece ser esquecido.
Nota: