Em uma cena de O Abutre, a produtora Nina Romina (vivida
por Rene Russo) fala para um colega que iniciará o telejornal da manhã com
imagens pesadas de um homem sendo socorrido após um tiroteio. “Mas [nessa hora]
as pessoas tomam café da manhã”, ele diz. “E elas discutirão a notícia no
trabalho”, ela responde. É uma troca de diálogos que expõe a falta de noção
tanto das emissoras de TV, que não se importam com o quão impróprio é o conteúdo
de certas notícias desde que estas tragam audiência, quanto de grande parte do
público, que de certa forma parece deixar sua natureza autodestrutiva florescer
ao querer ver violência na tela. É um ponto relevante questionado pelo filme, que
explora ao máximo o lado sensacionalista da mídia a partir de uma área pouco
conhecida do jornalismo (a dos cinegrafistas freelancers) e de um protagonista muito interessante.
Escrito e dirigido pelo estreante
Dan Gilroy, O Abutre se concentra em
Louis Bloom (Jake Gyllenhaal), rapaz que está à procura de emprego. Em uma
noite, ele vê o trabalho de Joe Loder (Bill Paxton), que chega ao local de um
acidente de carro e filma os policiais salvando o motorista, tendo como
objetivo vender as imagens para alguma emissora. Louis então monta seu próprio
negócio como freelancer, buscando
sempre eventos violentos, já que estes são os que dão mais audiência e quanto
pior forem mais prestígio podem lhe render diante de Nina (que Russo, aliás,
interpreta com o talento que há tempos não se via em seus trabalhos) e seus
superiores. No entanto, não demora muito até que ele comece a ignorar princípios
éticos e a manipular as coisas para alcançar seus objetivos.
Lidando com um assunto tão intrigante,
Gilroy é hábil na forma em que critica a mídia como produtora de conteúdo e, em
menor escala, o público como consumidor. Sendo assim, o fato de ele ter Louis
como protagonista é bastante apropriado, já que por ele iniciar como um novato
na área, nós conhecemos aquele universo junto com ele e aos poucos identificamos
as coisas que o diretor-roteirista deseja questionar. Dessa forma, é fácil constatar
que para boa parte das emissoras passar uma informação relevante e bem
aprofundada para o público é o que menos importa. O que acaba sendo mais interessante
para eles é tentar ser o primeiro a lançar um conteúdo bombástico na TV para alcançar
grandes números na audiência, e conseguir esse conteúdo é exatamente o que
Louis tenta fazer ao longo do filme.
Mas além de fazer esses bons apontamentos,
O Abutre se apresenta como um thriller, e nesse aspecto o filme não
decepciona. A tensão imposta por Dan Gilroy se faz presente durante quase toda a
narrativa, de maneira que o filme se torna tão instigante que é difícil desviar
o olho da tela. E se Gilroy já mereceria aplausos pelo suspense que cria em
momentos como aquele em que Louis invade uma casa antes da chegada da polícia,
a perseguição de carro que acontece no terceiro ato é a cereja do bolo, levando
a sério a ideia de que a mídia pode fazer da vida real um verdadeiro espetáculo.
Enquanto isso, Jake Gyllenhaal
(um ator que não canso de admirar e que ultimamente tem escolhido lindamente os
projetos nos quais se envolve) mostra-se fascinante como o protagonista. Em uma
daquelas atuações que fazem o intérprete passar por uma grande transformação física,
Gyllenhaal faz de Louis Bloom alguém que beira o autismo, mas de uma forma um
tanto sinistra. Trata-se de um sujeito que até pode parecer ingênuo de vez em
quando, mas a verdade é que ele sempre sabe exatamente o que está fazendo, sendo
uma figura manipuladora por natureza com sua fala rápida e seu olhar atento, algo
que pode ser visto desde momentos mais simples, como quando ele tenta trocar
uma bicicleta por equipamentos, até a relação que ele desenvolve com Rick (Riz
Ahmed), rapaz que ele contrata para ser seu estagiário. Gyllenhaal encarna Louis
com intensidade e determinação impressionantes, deixando mais do que clara a
paixão que ele cria por seu novo trabalho, vendo este como uma verdadeira forma
de arte e não medindo esforços para ser um profissional bem sucedido.
O Abutre busca fazer o público refletir sobre suas questões muito
mais do que o manter entretido em toda sua ação. Felizmente, ele consegue fazer
as duas coisas com inteligência, sendo mais uma obra que merece destaque em
2014.
Nota:
Um comentário:
Jake Gyllenhaal compensa os inúmeros erros no roteiro. Bom filme, mas não essa maravilha que estão vendendo.
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