Entre 1972 e 1987, o diretor Werner Herzog
e o ator Klaus Kinski trabalharam juntos em cinco filmes, alguns
reconhecidos como verdadeiros clássicos do cinema. Muitos pensariam que
esta é uma parceria entre grandes amigos, assim como acontece com Martin Scorsese e Robert De Niro, ou Tim Burton e Johnny Depp. Mas a verdade é que a relação de Herzog
com Kinski era um tanto conturbada. Se em um momento poderiam conversar
amigavelmente, no instante seguinte poderiam querer se matar. É até uma
surpresa que tenham conseguido trabalhar juntos por tanto tempo. Essa
relação de amor e ódio foi retratada por Herzog neste Meu Melhor Inimigo, documentário lançado em 1999.
Visitando as locações dos filmes que fez com Kinski, Herzog refaz os passos que deu ao lado do ator durante a prolífica parceria que tiveram, ao mesmo tempo em que relata certas situações ocorridas e conversa com pessoas que estiveram nos sets de filmagem com eles, como as atrizes Eva Matter e Claudia Cardinale (que estrelaram Woyseck e Fitzcarraldo, respectivamente). Assim, o diretor constroi um retrato interessante de seu antigo colaborador e do modo como lidava com sua personalidade explosiva.
Mantendo um diálogo com o espectador ao longo da maior parte dos 95 minutos de duração do filme, Werner Herzog fala sobre Klaus Kinski de um jeito empolgado, o que denota que apesar das desavenças entre eles (e não foram coisas leves, como será falado mais adiante), o cineasta se lembra do astro com admiração e, principalmente, respeito. Na verdade, é difícil não reconhecer o grande artista que Kinski era, por mais insano que pudesse ser, pois trazia uma intensidade para seus papeis que certamente contribuiu para que estes causassem algum impacto. Herzog, inclusive, ilustra isso muito bem ao mostrar duas versões de uma cena do citado Fitzcarraldo. A primeira é com Jason Robards (que precisou abandonar o filme ao ficar doente) e a outra com Kinski, cuja atuação chega a mudar o tom da cena, que fica mais agitada em comparação com o que seria originalmente.
No entanto, mesmo com todo o respeito que existia entre ator e diretor, isso não os impedia de protagonizarem momentos de tensão durante as produções que trabalharam juntos. Com relação a isso, o modo como Herzog conta as histórias de bastidores chega a ser até engraçado, como quando fala do dia em que ameaçou atirar em Kinski caso ele abandonasse o set de Aguirre: A Cólera dos Deuses (“Eu disse a ele que tinha um rifle e que quando ele chegasse à curva do rio teria oito balas em sua cabeça, e a nona seria na minha”, conta o diretor). Ou quando os índios de Fitzcarraldo se ofereceram para matar o ator caso ele quisesse. Em outro momento, mostra Kinski discutindo enlouquecidamente com um chefe de produção, ao que o realizador se refere como um ataque mais “calmo”, nos fazendo apenas imaginar como seriam os mais agressivos. Mas em meio a tudo isso, o diretor abre espaço para mostrar que por baixo do temperamento complicado o ator ainda era um homem com qualidades, seja sua inteligência ao encarnar um personagem, seu profissionalismo ou seu calor humano, mesmo que estas pudessem sumir assim que o ator se irritasse.
Werner Herzog, sem dúvida, é uma das pessoas que melhor poderia falar sobre Klaus Kinski. Afinal, como ele mesmo diz em determinado momento deste documentário, eles se completavam de alguma forma. Talvez seja exatamente por isso que a parceria entre eles tenha dado tão certo. Dessa forma, Meu Melhor Inimigo não deixa de ser também uma bela homenagem do diretor ao artista que pode ter lhe dado muitas dores de cabeça, mas compensava isso brilhantemente em frente às câmeras.
Nota:
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