sexta-feira, 24 de maio de 2013

Santiago

Em 1992, o cineasta João Moreira Salles havia desenvolvido o projeto de um documentário sobre Santiago, o mordomo argentino que trabalhou para sua família durante 30 anos. Na época, Salles filmou depoimentos de Santiago, além de outras cenas gravadas em estúdio e na mansão onde ele cresceu. Mas, infelizmente, o diretor não soube organizar o material na sala de montagem, o que o fez abandonar o filme sem finalizá-lo. No entanto, isso deve ter perseguido o diretor desde então, porque treze anos depois ele voltou a mexer nesse material. Como resultado, ele obteve este Santiago, que tem um foco diferente daquele pensado originalmente. Ao invés de centrar mais no mordomo, Salles fez um documentário sobre o filme que ele não havia conseguido terminar.
Começando o filme com pequenos zooms em três quadros diferentes, João Moreira Salles mostra como queria ter iniciado o documentário na época em que iniciou o projeto. É então que ele começa uma introdução, que percorre os dez minutos iniciais, na qual ele diz quem Santiago era e como realizou as filmagens. E quando ele retorna ao quadro que mostrou inicialmente, o diretor deixa mais do que claro que o que veremos é uma espécie de recomeço, além de uma nova tentativa de terminar o filme de alguma forma.
Ao longo da projeção, fica evidente o porquê de João Moreira Salles ter pensado em fazer um filme sobre Santiago, já que este mostra ser uma pessoa realmente fascinante, sendo alguém que claramente tem algo a compartilhar, sejam histórias ou sua própria experiência de vida, além de ser uma figura muito carismática. É interessante ver Santiago rezando em latim ou falando das páginas que reuniu sobre as mais diversas dinastias da História. E quando Joãozinho (como o diretor é chamado em determinado momento) comenta sobre coisas que aprendeu com o mordomo quando criança, isso resulta em belas cenas no filme, como quando ele fala sobre o dia em que viu Santiago usando um fraque enquanto tocava Beethoven no piano.
No entanto, o modo como Salles conduziu certas coisas no filme deixam um pouco a desejar, e o mais interessante é que ele percebeu isso mais tarde, como é evidenciado em sua narração em off (que na verdade foi realizada por seu irmão, Fernando Moreira Salles, que tem uma voz imponente, da qual é difícil não prestar a atenção), que acaba apontando o que ele gostaria de ter feito diferente. As entrevistas, por exemplo, eram feitas com um pouco de pressa (os rolos de filmes eram uma limitação) e o diretor mostrava estar um tanto impaciente em alguns momentos. O próprio Santiago às vezes não sabia o que dizer. Além disso, Salles gravou tudo sempre com a câmera distante de Santiago, impedindo que ele próprio e o espectador se aproximassem mais do personagem. No caso do cineasta, essa distância se torna ainda mais estranha considerando que ele parece ter um carinho e um respeito muito grande pelo mordomo. Dessa forma, é bastante compreensível como que ele não conseguiu finalizar seu documentário treze anos antes.
Mas algo curioso em Santiago é o fato de João Moreira Salles ainda aproveitar para comentar a realização de documentários de modo geral, mais especificamente o que é causado pelo diretor e o que é captado espontaneamente. Salles chega a falar para o espectador questionar tudo o que vê. Nesse sentido, ele mostra um plano que gravou da piscina de sua casa com algumas folhas caindo por ali de repente, e depois mostra um momento no qual ele passa instruções a Santiago quanto aos gestos que este deve fazer durante seu depoimento. Assim, fica claro que por mais que os documentários possam capturar a realidade como ela é, os diretores ainda podem tentar causar um efeito no espectador de alguma maneira, o que pode nem ser um ato de desonestidade, mas sim um jeito que eles encontram para passar sua visão quanto ao assunto que estão tratando.
Santiago foi lançado em 2007, e desde então João Moreira Salles não voltou a dirigir nenhum outro filme, trabalhando apenas como produtor em outros projetos (como alguns documentários de Eduardo Coutinho). Isso acaba sendo uma pena considerando que ele é um cineasta muito talentoso. Esperemos que ele volte a fazer filmes em breve.
Cotação:

Um comentário:

Hugo disse...

Apesar das boas críticas desde que foi lançado, é um documentário em que o tema não me chamou atenção.

Seu texto me deixou um pouco mais curioso.

Abraço