Se em sua carreia como curta-metragista Jorge Furtado já mostrava ser muito talentoso, depois de estrear na direção de longas-metragens o cineasta provou que é indubitavelmente uma das mentes mais criativas do atual cinema brasileiro. Isso fica claro logo no início deste
Saneamento Básico: O Filme, quando ele coloca Marina (personagem de Fernanda Torres) falando com os espectadores, esperando eles se ajeitarem nas poltronas do cinema enquanto os patrocinadores do filme vão aparecendo. Poucas vezes essa parte se mostrou tão divertida quanto aqui. E quando a história finalmente começa, Furtado dá início a uma produção que se mostra tão engraçada quanto essa sequência inicial.
Escrito pelo próprio diretor,
Saneamento Básico se passa na pequena vila de Linha Cristal, na serra gaúcha, onde moram muitos descendentes de italianos. Ao lado de seu marido Joaquim (Wagner Moura), Marina monta uma comissão para ir até a prefeitura e conseguir apoio para a construção de uma fossa, já que o tratamento de esgoto no local é terrível. Eles são informados de que existe uma verba de R$ 10 mil para a produção de um filme de ficção, dinheiro este que será devolvido ao governo federal caso não seja usado. Isso faz com que surja a ideia de utilizar a quantia na construção da fossa e na realização de um filme de monstro, no qual Marina ainda terá a ajuda de sua irmã, Silene (Camila Pitanga), e do namorado dela, Fabrício (Bruno Garcia).
Enquanto realiza um exercício muito interessante de metalinguagem, Jorge Furtado faz uma bela crítica ao modo como são tratados os problemas de saneamento básico das cidades, como se os políticos tentassem consertá-los apenas para mostrarem o “bom” trabalho que fazem. Quando a construção da fossa finalmente é aprovada, o prefeito aparece em cena para tentar ganhar créditos junto à imprensa, como se ele fosse uma espécie de salvador da pátria, quando na verdade nem parece ter mexido os pauzinhos para a obra ser iniciada.
Quanto ao “filme dentro do filme”, Jorge Furtado aproveita para fazer brincadeiras divertidíssimas com o processo de desenvolvimento de uma obra audiovisual. Como exemplo há a cena em que Marina, Joaquim, Silene e Fabrício começam a discutir qual deveria ser o nome de um personagem do filme, chegando ao ponto de dizer que isso tem que combinar com a cara do ator que irá interpretar a figura, o que faz pensar se este foi o modo como Furtado escolheu o nome dos personagens da história. Além disso, o diretor mostra as dificuldades de se fazer um filme, principalmente com as limitações que os personagens enfrentam. Em determinado momento, eles se veem na posição de ter apenas uma chance de filmar uma cena, e por isso precisam que tudo dê certo, algo que acontece muito na vida real.
Ao longo de
Saneamento Básico, Jorge Furtado investe em enquadramentos e movimentos de câmera elegantes, como ao usar a câmera subjetiva para deixar clara a visão que Marina tem sobre uma cena. Além disso, o diretor mostra um timing cômico perfeito para as cenas cômicas, sendo que boa parte delas envolvem as filmagens do filme dos personagens. Aliás, isso é algo que faz de
Saneamento Básico um filme diferente de outras comédias da Globo Filmes, como
Se Eu Fosse Você e os recentes
Totalmente Inocentes e
As Aventuras de Agamenon. Afinal, Furtado tem consciência de que está dirigindo um filme de comédia, e não uma reunião de
sketches de televisão ridículos ligados por uma historinha boba.
Vale dizer também que Furtado soube escolher muito bem seu elenco. Fernanda Torres e Wagner Moura surgem carismáticos interpretando Marina e Joaquim, desenvolvendo ainda uma bela química para o casal. Já Camila Pitanga e Bruno Garcia acertam no nível de futilidade de Silene e Fabrício, e não deixa de ser interessante que eles sejam as estrelas do “filme dentro do filme”, como se essa fosse uma pequena alfinetada em algumas celebridades. Enquanto isso, Lázaro Ramos aparece muito divertido como Zico, ao passo que o grande Paulo José dispensa comentários interpretando Otaviano, o pai de Marina. Aliás, é curioso ver que esse é o único personagem que aparece atuando bem no filme que está sendo feito, dando a entender que o veterano ator é tão bom naquilo que faz que não conseguiria atuar mal nem se tentasse.
Inteligente e cativante,
Saneamento Básico: O Filme é mais um brilhante trabalho na riquíssima carreira de seu realizador. Depois de assisti-lo, só resta lamentar que Furtado esteja há cinco anos sem dirigir um filme para o cinema.
Cotação:
Um comentário:
É um longa divertido, com uma história interessante que mistura uma pouco de crítica aos políticos e homenagem aos filmes de baixo orçamento.
O estilo é diferente das atuais comédias idiotas bancadas pela Globo Filmes por ter sido produzido antes da corporação decidirem investir forte no estilo, com o objetivo de levar o público que gosta de novelas para o cinema.
Abraço
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