Caso existisse no mundo real, Jasmine French dificilmente estaria no meu círculo de amizades. Fútil, esnobe e arrogante, ela com certeza é uma das personagens mais desagradáveis em toda a filmografia de Woody Allen. Mas de certa forma, são exatamente essas características que a tornam uma das melhores criações do cineasta, que consegue fazer com que fiquemos envolvidos na história da personagem a ponto de lamentarmos todas as tristezas que acontecem a ela ao longo deste
Blue Jasmine, seu mais novo e belo trabalho.
Interpretada por Cate Blanchett, Jasmine é uma ricaça de Nova York, que vive dentro das melhores condições possíveis e que prefere estar cercada apenas de pessoas que sejam de sua classe social. Mas tudo isso muda quando seu marido, Hal (Alec Badwin), é preso por organizar negócios fraudulentos, o que a faz perder tudo o que tinha. Constantemente perturbada por colapsos nervosos, ela é obrigada a voltar para São Francisco e ficar um tempo na casa de sua irmã, Ginger (Sally Hawkins), enquanto sofre para levar uma vida simples, sem nenhuma das regalias com as quais estava acostumada.
Logo nas primeiras cenas, Woody Allen já apresenta sua protagonista e o contraste entre ela e o universo no qual está prestes a entrar, como quando ela aparece tendo um ataque de pânico em frente à casa da irmã. Os figurinos e o próprio modo de agir e falar da personagem evidenciam que ela simplesmente não se encaixa em meio a pessoas de uma classe social tão diferente, o que inclui não só Ginger, mas também o ex-marido dela, Augie (Andrew Dice Clay), além de seu atual namorado, Chili (Bobby Cannavale). Mas o que acaba sendo interessante é o fato dessas pessoas vistas como pobres por Jasmine na verdade mostrarem ser muito mais ricas do que ela, ao menos em termos de espírito e experiência de vida, já que se tratam de figuras que têm que lutar todo dia pela própria felicidade, algo que Jasmine demonstra nunca ter precisado fazer.
Há de se ressaltar também que, a princípio, o roteiro de Woody Allen parece colocar
Blue Jasmine em direção a uma trama meio formuláica e previsível. Mas ele decide por conduzir sua narrativa pelos caminhos mais difíceis, o que significa fazer sua protagonista sofrer. É aí que Allen faz com que criemos certa empatia por Jasmine, já que as situações em que ele a coloca se revelam enlouquecedoras, como nas cenas em que ela precisa lidar com os clientes pouco cooperativos do Dr. Flicker (Michael Stuhlbarg), dentista para o qual passa a trabalhar. Aliás, nas cenas em que Jasmine está tendo seus ataques, o diretor é inteligente ao aproximar a câmera do rosto dela, criando um ambiente claustrofóbico mais do que apropriado. E ao adotar uma estrutura não linear, Allen consegue desenvolver um pouco melhor a história e sua protagonista, inserindo flashbacks que mostram como Jasmine chegou em sua atual situação. O único problema nesse aspecto é o fato de em alguns momentos a montagem de Alisa Lepselter não colocar esses flashbacks muito organicamente na narrativa, o que quase compromete o ritmo do longa.
No entanto, se Jasmine fosse interpretada por uma atriz menos talentosa do que Cate Blanchett, o filme certamente não seria tão cativante. Em uma das melhores atuações de sua carreira (talvez até a melhor), Blanchett compõe sua personagem de maneira muito rica e sem exageros, seja nos ataques de pânico ou na espécie de TOC que Jasmine parece ter ao evitar contato físico com certas pessoas, o que inclusive rende algumas risadas. É um trabalho digno de prêmios, e será uma grande injustiça caso a atriz não seja indicada ao Oscar.
Mas ainda que Blanchett domine o filme, vale dizer que o elenco de coadjuvantes também se mostra muito eficiente. A talentosa Sally Hawkins faz de Ginger uma mulher cuja personalidade é completamente oposta a da irmã, sendo uma das poucas pessoas dispostas a ajuda-la. Já Bobby Cannavale e Andrew Dice Clay estabelecem Chili e Augie como tipos ignorantes e grosseiros, mas ainda assim sensíveis e infinitamente mais confiáveis do que o Hal de Alec Baldwin, que deixa claro desde o início o jeito vigarista de seu personagem. E Louis C.K. e Peter Sarsgaard conseguem se destacar mesmo com um tempo de tela menor interpretando Al e Dwight, figuras que se envolvem com Ginger e Jasmine.
Blue Jasmine é um filme com contornos trágicos, tratando de uma mulher que tenta contar sua história para estranhos que não se importam em ouvi-la, sendo que ela nem imagina que isso interessa para muitas outras pessoas. Mas infelizmente para ela, essas pessoas não fazem parte de seu universo e se encontram em uma sala de cinema.
2 comentários:
É mais um dos filmes que listei para assistir.
Está na fila por enquanto.
Abraço
adorei a sinopse
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