segunda-feira, 1 de abril de 2013

Ônibus 174

O sequestro do ônibus 174 no dia 12 de junho de 2000 é um dos eventos mais trágicos que aconteceram no Brasil na última década. Virou apenas mais um exemplo de como a violência esta impregnada na sociedade, enquanto ficamos sem fazer nada para mudar esse quadro (às vezes por impotência, outras por pura negligência). Mas por que jovens como Sandro do Nascimento (responsável pelo sequestro) caem em uma vida de crimes? Por que tragédias como a do ônibus 174 acabam acontecendo? E mais, há como impedir que elas aconteçam? José Padilha (hoje conhecido como o diretor dos excelentes Tropa de Elite 1 e 2) toca nessas questões de maneira impactante neste seu filme de estreia, o documentário Ônibus 174.
Quando alguém aparece assaltando um ônibus e mantendo vários reféns, a primeira coisa que a grande maioria da população faz é classificar o indivíduo como um monstro, uma figura que merece morrer por fazer pessoas sofrerem durante horas e horas. São poucos os que chegam a pensar em como alguém como Sandro entrou naquela situação. Sendo assim, Padilha é inteligente ao estruturar seu filme de maneira que possamos acompanhar o assalto ao mesmo tempo em que a história de Sandro é contada, intercalando depoimentos tanto de reféns e policiais que estiveram presentes no caso quanto de pessoas que conheceram o jovem (e a montagem de Felipe Lacerda merece créditos por amarrar muito bem o filme, nunca quebrando seu ritmo envolvente).
É então que conhecemos um garoto que teve sua mãe degolada na sua frente quando ele era criança, sobreviveu à chacina da Candelária em 1993 (quando policiais militares executaram meninos que dormiam próximo a Igreja da Candelária), e viveu nas ruas sem maiores cuidados, nunca tendo chances de realmente construir uma vida. Tudo isso somado a desigualdade social e ao preconceito da sociedade acaba fazendo o garoto estourar de alguma forma. No caso de Sandro, estourou para o lado do crime, e ao sequestrar aquele ônibus ele deixou de ser uma figura “invisível” e se tornou o protagonista da história.
Padilha mostra em Ônibus 174 que Sandro é, no fim, algo que a própria sociedade ajudou a criar. E não deixa de ser triste ver um rapaz que dizia que ia ser conhecido no mundo inteiro (o que é revelado em um depoimento da tia dele) alcançar esse objetivo de maneira tão implacável. O sequestro foi transmitido ao vivo por várias emissoras, inclusive pela CNN. Isso de certa forma impediu algumas ações da polícia, que teve medo de fazer alguma coisa contra Sandro em plena rede nacional, o que poderia salvar os reféns, inclusive a professora Geísa Gonçalves, que no final da história foi morta junto com o sequestrador. Mas vale ressaltar que essas imagens de arquivo se tornam um material precioso nas mãos de Padilha, que assim consegue retratar eficientemente toda a tensão em volta do ônibus nos mínimos detalhes. Em determinado momento, por exemplo, vemos uma ação do Capitão André Batista (do BOPE) ao mesmo tempo em que ele explica o que exatamente estava fazendo.
Já que mencionei a polícia, José Padilha faz questão de mostrar o despreparo desses homens para casos extremos como esse. Aliás, não só o despreparo, mas também as limitações que eles enfrentavam, já que a falta de certos equipamentos (como rádios para comunicação) os prejudicou muito, e sempre que o comandante estava prestes a dar uma ordem importante ele era parado por uma pessoa em um cargo superior. Quando finalmente alguém fez alguma coisa, foi de maneira precipitada, o que custou vidas. Mas o que é bastante decepcionante é ver que mesmo depois de uma situação como essa, tal despreparo ainda existe, como podemos ver no caso em que a jovem Eloá Cristina foi mantida presa em seu apartamento pelo namorado, sendo assassinada por ele após a polícia invadir o local de maneira extremamente displicente.
Em 2008, a história de Sandro do Nascimento rendeu um filme de ficção, Última Parada 174, dirigido por Bruno Barreto. Mas aquela produção não chega aos pés do que José Padilha faz em Ônibus 174. No final desse documentário, é muito triste constatar que ele continua sendo incrivelmente atual, mostrando que o Brasil parece ter parado no tempo. A violência se mantém como uma praga incontrolável, enquanto vários jovens continuam caindo na criminalidade.
Cotação:

Um comentário:

Hugo disse...

O documentário é sensacional, pena que seja baseado numa terrível história real, que contém erros absurdos de todos os lados.

Como vc bem citou, o despreparo de policiais e das autoridades fica clara no acontecimento.

Abraço