quinta-feira, 12 de julho de 2012

Na Estrada

O projeto de transformar On The Road, o livro de Jack Kerouac (que não pude ler ainda), em filme existia desde a época de seu lançamento, ou seja, há mais de cinquenta anos. Desde então, houve várias tentativas de levá-lo para as telonas, principalmente a partir de 1980, quando Francis Ford Coppola comprou os direitos de adaptação da obra. Sendo a história um verdadeiro road movie, a escolha de Walter Salles para a direção não é nenhum pouco estranha. Afinal, estamos falando de um diretor que fez Central do Brasil e Diários de Motocicleta, dois filmes absolutamente maravilhosos neste estilo. Na Estrada não chega a ser tão bom quanto os filmes citados, mas também está longe de ser uma decepção.
Escrito por Jose Rivera, Na Estrada acompanha Sal Paradise (Sam Riley), um jovem escritor que não consegue escrever seu livro por causa de um bloqueio criativo. Ao conhecer Dean Moriarty (Garrett Hedlund), Sal inicia uma bela amizade formada graças à admiração mútua que os dois sentem um pelo outro. Enquanto Sal admira o lado selvagem e irresponsável de Dean, este aprecia a paixão que o outro tem em escrever. Eles começam a viajar sem rumo pelos Estados Unidos ao lado de Marylou (Kristen Stewart), uma amante de Dean, procurando aproveitar o máximo que podem de suas vidas.
A amizade entre Sal e Dean é bem construída pelo roteiro, o que é fundamental para o funcionamento da história. Os dois personagens têm personalidades muito diferentes. Se Dean faz o tipo que fica com todas as garotas, sem ter vergonha ou muita consciência daquilo que faz, Sal é um rapaz mais “pé no chão”. Claramente eles se completam de alguma maneira, e a viagem que fazem juntos é uma maneira de fugir de problemas e responsabilidades que podem prendê-los eternamente. Dean foge de seu casamento com Camille (Kirsten Dunst, ótima), enquanto que Sal tenta escapar de seu bloqueio. Para ele, uma página em branco é como uma estrada sem fim, algo ressaltado em um pequeno (e inspirado) momento da montagem de François Gédigier. Já Marylou tenta aproveitar o que pode antes que seu noivo retorne da Marinha. Não é à toa que sempre que a palavra “casa” entra em alguma conversa, os personagens mostram certo desconforto, porque sabem o que os estará esperando.
Mas Na Estrada não é um filme apenas sobre a viagem e a amizade dos personagens da história. É também um filme que mostra muito bem que, querendo ou não, o período da juventude tem um limite. Ao longo da história, Sal e Dean aproveitam ao máximo as coisas que aparecem em seu caminho. Mas não importa o quanto eles (ou nós, já que é muito fácil nos identificarmos com a situação de alguma maneira) tentem ignorar, suas responsabilidades fazem questão de estar grudadas em suas vidas. Se um deles percebe isso e aceita seu destino como deve ser, o outro se torna dependente da vida de aventuras, praticamente da mesma forma que alguém fica viciado em uma droga.
Com sua competência habitual, Walter Salles explora bem todas as experiências pelas quais Sal, Dean e Marylou passam durante a viagem. Ainda que a montagem seja um tanto episódica (um risco que muitos road movies correm), o diretor consegue fazer a narrativa fluir bem. Além disso, a opção de investir em vários cortes rápidos nos momentos em que os personagens estão no meio da agitação de uma festa ou usando drogas se mostra mais do acertada, já que passa muito bem a sensação energética que eles sentem. E a narração em off de Sal não é mal utilizada, nos mostrando o que o personagem pensa ou está sentindo diante de tudo o que acontece ao seu redor. No entanto, Salles não consegue situar muito bem o passar do tempo no filme, que desenrola rapidamente. A história começa em 1940, mas só a partir de 1950 é que o tempo volta a ficar bem estabelecido, quando o diretor começa a colocar os anos nos letreiros que aparecem na tela, que até então informavam apenas os locais pelos quais os personagens passam.
É uma pena que o roteiro falhe com relação a algumas figuras que aparecem ao longo filme. O saxofonista Walter (Terrence Howard), por exemplo, além de não acrescentar nada realmente importante ao filme, é esquecido logo depois de sua breve participação no início. Outra personagem que é praticamente abandonada depois de sua aparição, apesar de ser um pouco mais marcante, é Terry (Alice Braga), mulher que Sal encontra quando está viajando sozinho como um andarilho. Já o casal Old Bull Lee (Viggo Mortensen) e Jane (Amy Adams) ganha mais atenção, tornando-se as figuras mais interessantes que Sal, Dean e Marylou encontram na viagem, sendo que boa parte disso se deve pela excentricidade deles. O fato de os atores estarem muito bem nos papéis (principalmente Viggo Mortensen, que rouba a cena em seu pouco tempo de tela) é algo que torna esse problema ainda mais lamentável.
Sam Riley e Garrett Hedlund surpreendem com suas atuações, conseguindo mostrar que Sal e Dean tem um carinho muito grande um pelo outro, ainda que eles saibam que não são nada parecidos e queiram coisas diferentes para si mesmos. O abraço que eles dão ao se encontrarem depois de um tempo sem se ver é o retrato perfeito de duas pessoas que se veem como irmãos. Hedlund, aliás, chega a se destacar até mais do que Riley, já que seu personagem é uma pessoa triste devido ao seu medo de encarar a vida que tem, e o ator mostra isso muito bem. Enquanto isso, Kristen Stewart finalmente se livra de sua persona de Bella Swan (algo que se viu não só em Crepúsculo, mas também no fraquíssimo Branca de Neve e o Caçador), deixando claro que quando tem uma personagem interessante em mãos, ela pode sim ter uma boa atuação, como foi no início de sua carreira quando apareceu tão promissora em Quarto do Pânico.
Depois de tantos anos na espera para ir aos cinemas, Na Estrada pode não ser perfeito, mas consegue ser um filme interessante do início ao fim. Apesar de ainda não ter lido o livro, acredito que Jack Kerouac ficaria satisfeito com a transição de sua obra para a tela grande.
Cotação:

Um comentário:

Marcelo disse...

Thomás , eu gostei da sua crítica de modo geral, só acho que houve algumas falhas de entendimento , própias de quem ainda havia lido o romance antes de assistir ao filme. Por isso peço licença para fazer algumas consideraçoes.

1)o filme captou exatamente a sensação de frenesi do livro e o fato e o fato de alguns momentos não terem sido datados você verá que até no livro acontece um pouco disso no inicio do livro, reflexo da forma como foi escrito, o que faz que os leitores fiquem perdidos no inicio. 2) personagens como a terry , o saxofonista e o Old Bull Lee cumprem seus papeis , o roteiro do Rivera foi fidelíssima ao livro do kerouac.