sábado, 17 de março de 2012

Irreversível

É incrível como o formato em que um filme é feito pode fazer uma história simples tornar-se tão surpreendente e arrebatadora. Em Irreversível, Gaspar Noé consegue fazer uma crítica social ao mesmo tempo em que nos faz acompanhar uma história triste e trágica, contada de trás para frente, mesma técnica usada no sensacional Amnésia. Ao longo do filme, o cineasta mostra o nosso mundo da maneira mais crua possível, ou seja, como um lugar onde uma pessoa comum pode ser levada a querer matar alguém.
Escrito pelo próprio Gaspar Noé, Irreversível nos apresenta ao trio Alexandra (Monica Bellucci), seu ex-namorado, Pierre (Albert Dupontel), e o atual parceiro dela, Marcus (Vincent Cassel). Em uma noite, Alex está voltando para casa, mas acaba sendo estuprada e surrada, o que a faz entrar em coma. Marcus e Pierre vão atrás do responsável e se vingam brutalmente.
Quando escrevo que Marcus e Pierre conseguem se vingar do estuprador de Alex não estou dando spoiler algum. Com a história sendo contada de trás para frente, toda a sequência da vingança é mostrada logo no início do filme. Nesse primeiro ato, Noé faz com que julguemos os personagens, mais especificamente Marcus, que surgem revoltados. Quando eles procuram pelo estuprador, Marcus mostra ser um homem capaz de passar por cima de qualquer um que esteja em seu caminho. Isso nos faz pensar que ele é uma pessoa violenta por natureza. Mas ao longo do filme, Noé faz com que repensemos essa ideia, já que Marcus mostra ser uma pessoa comum, que foi levado àquele estado de extrema raiva pelas circunstâncias. É aí que percebemos o quanto a sociedade, de modo geral, é injusta ao definir uma pessoa pela primeira impressão que ela passar. Vincent Cassel é brilhante ao conseguir retratar esses dois momentos do personagem, nos fazendo simpatizar com ele ao longo da projeção. A revelação feita pelo roteiro no terceiro ato do filme é algo que faz a história ser ainda mais trágica, além de tornar as ações de Marcus mais compreensíveis. É difícil dizer o que uma pessoa faria estando na situação na qual ele se encontra.
Gaspar Noé mostra em Irreversível uma realidade brutal. O diretor não hesita em nenhum momento esconder o que acontece nas cenas mais violentas, mostrando as ações dos personagens e seus horríveis resultados, sendo uma das cenas mais marcantes do filme aquela em que um homem tem seu rosto destruído por pancadas feitas com um extintor de incêndio. Outro exemplo é a cena do estupro de Alex, feita em um longo plano sequência. Aliás, a atuação de Monica Bellucci nessa cena é esplêndida, com a atriz conseguindo retratar muito bem o desespero e a impotência da personagem. É até importante que Noé não tenha censurado essas cenas, já que a violência é algo que infelizmente faz parte de nossa realidade e corrói cada vez mais as nossas ruas. Mostrar essas cenas é uma tentativa interessante do diretor de tentar dar um tapa na cara dos espectadores e fazê-los acordarem e verem o que acontece ao seu redor.
O início do filme é bastante incompreensível, com Gaspar Noé movimentando a câmera rapidamente, mas nunca focando em um objeto específico. É uma representação perfeita do quanto os personagens estão confusos em cena, sem saber o que fazer. O filme ainda é repleto de longos planos sequência, além de contar sempre com o uso da câmera na mão. São elementos que ajudam o filme a ganhar tons mais reais, já que este movimento de câmera é algo muito usado em documentários, enquanto que os planos sequência mostram a vida como ela é: sem cortes, com os segundos passando ininterruptamente. Mesmo quando há cortes (por exemplo, entre a cena da vingança e o momento em que Pierre e Marcus estão em um táxi procurando o bar no qual o estuprador se encontra), a montagem do filme faz com que eles passem despercebidos, dando a ideia de que continuamos em determinada cena quando, na verdade, já avançamos (ou retrocedemos) na história.
Devo dizer que Irreversível acabou comigo, e até me fez compreender o porquê de algumas pessoas terem saído no meio da sessão na época de seu lançamento. Mas azar o delas, que perderam de assistir a um filme que tem em suas cenas mais chocantes o retrato do quanto nosso mundo pode ser cruel.
Cotação:

Um comentário:

Hugo disse...

Thomás, concordo com sua opinião, apesar da polêmica cena de estupro, o resultado é um filmaço.

Grandes desempenhos do trio Bellucci, Cassell e Dupontel.

Abraço