É raro um filme terminar deixando
o espectador com uma sensação de ter carregado um grande peso nos ombros
durante toda a projeção, mas foi assim que saí de Ao Cair da Noite, segundo longa-metragem de Trey Edward Shults (o
mesmo do ótimo Krisha, de 2015). Ao
longo de sua uma hora e meia de duração, este terror traz uma atmosfera de tensão
incrivelmente densa e angustiante, de forma que podemos até sentir algum alívio
quando os créditos finais começam a rolar, nos livrando gradualmente desse
peso. Tudo isso é o resultado perfeito de uma narrativa que explora com
inteligência o lado sombrio de seus personagens, o que ocorre sem perder de
vista a humanidade deles.
Escrito pelo próprio Trey Edward
Shults, Ao Cair da Noite nos coloca
diante de um mundo com claros tons pós-apocalípticos, no qual uma doença fatal
está afligindo as pessoas, liquidando-as uma a uma. É nesse contexto que
conhecemos Paul (Joel Edgerton), sua esposa Sarah (Carmen Ejogo) e o filho
deles, Travis (Kelvin Harrison Jr.), família que vive praticamente isolada em
sua casa e faz o possível para se proteger de quaisquer ameaças. É então que
eles se deparam com Will (Christopher Abbott), que lhes pede para ajudar a ele
e sua família. Mas apesar de eles entrarem em um acordo com relação a isso, as
atuais circunstâncias ainda mantém uma constante inquietação entre todos.
Como o mundo entrou nesse estado
trágico em que somos inseridos nunca fica claro, assim como não temos grandes explicações
sobre a doença e como exatamente ela é transmitida, se pelo ar ou por contato
físico. Mas essas questões não chegam a ser um problema, já que as informações apresentadas
são o suficiente para colocar a narrativa nos trilhos dentro daquilo que Trey
Edward Shults deseja fazer. E isso se resume basicamente a desenvolver os personagens
e as relações entre eles naquele universo para que, a partir desses elementos, ele
possa extrair a maior tensão possível.
Nisso, é fascinante ver o
cineasta evitar caminhos simplistas para conceber aquele universo e os
personagens. Desde o início, Shults deixa claro que todos ali são figuras
desesperadas, e é exatamente por isso que as coisas acabam se revelando complexas
ao longo da história. Por um lado, compreendemos como eles ficam felizes e mais
tranquilos quando encontram um grupo de pessoas que podem ajuda-los em meio a
toda dificuldade que vivem. Mas por outro, não deixamos de notar certa amargura
nisso tudo, porque as circunstâncias fazem cada um defender seus interesses,
impedindo que uma relação de confiança se crie por ali, de forma que qualquer
passo em falso feito por parte de alguém deixa a atmosfera imediatamente mais
pesada.
O ambiente inóspito do filme,
aliás, é construído admiravelmente por Trey Edward Shults, sendo que para isso
ele conta com o auxílio da ótima fotografia de Drew Daniels. Enquanto as cenas
externas são pintadas com tons acinzentados, as internas situadas na casa de
Paul e sua família são predominantemente escuras, geralmente trazendo apenas
uma luminária como fonte de iluminação, detalhes que contribuem para
estabelecer uma atmosfera que consegue ser melancólica ao mesmo tempo em que é
extremamente opressiva e claustrofóbica. Além do mais, isso também não deixa de
estabelecer o próprio estado de espírito dos personagens, que já pararam de
agir de acordo com o que é certo há muito tempo, dando mais atenção para aquilo
que é necessário para sobreviverem, o que consequentemente faz eles abraçarem o
que há de mais condenável em si mesmos. E Shults sabe aproveitar esses pontos
para criar momentos de pura tensão, como o primeiro encontro entre Paul e Will
ou toda a sequência do terceiro ato, sendo que essa tensão ainda é realçada sutilmente
pela trilha de Brian McOmber.
Contando também um elenco
talentoso que cria personagens multidimensionais com os quais nos importamos (o
cada vez mais admirável Joel Edgerton, em especial, impressiona com a
intensidade que traz a Paul), Ao Cair da
Noite é um exercício de gênero fabuloso e que consegue extrair o melhor de
sua premissa do início ao fim. Trey Edward Shults inclusive encerra o longa com
aquele que é desde já um dos planos mais desoladores que o cinema produzirá
este ano. Um final digno de um grande filme, sem dúvida.
Nota:
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