terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A Invenção de Hugo Cabret

Georges Méliès foi importantíssimo para o cinema. Sem ele, talvez a arte que conhecemos hoje não teria a importância que conquistou. Isso porque ele foi pioneiro em usar o cinema como meio de contar histórias, fazendo filmes que divertem até hoje graças à bela imaginação que o mágico possuia. Apesar de tudo isso, Méliès morreu pobre, mas seu papel no cinema ainda é prestigiado. Quanto a Martin Scorsese, algo que escuto muito é que ele é uma verdadeira enciclopédia sobre o assunto, sabendo tudo sobre a história e das produções de todos os cantos do mundo.
Mas por que abri esta crítica falando um pouco sobre Méliès e Scorsese? Simplesmente porque A Invenção de Hugo Cabret, novo filme do diretor de clássicos como Taxi Driver, Touro Indomável e Os Bons Companheiros, fala muito sobre a história do cinema e como ela se tornou esta arte tão maravilhosa, tendo Méliès como um de seus personagens principais. E quem melhor do que Scorsese para nos dar uma pequena aula? É uma pena, no entanto, que o filme não consiga se tornar mais um clássico do diretor.
Escrito por John Logan, baseado no livro de Brian Selznick, A Invenção de Hugo Cabret nos apresenta ao personagem-título (Asa Butterfield), um menino órfão que mora nas paredes da estação de trem de Paris. Tendo como objetivo consertar um autômato que seu pai pegou em um museu, Hugo se envolve com George Méliès (Ben Kingsley), que o pega roubando suas peças em sua tenda de brinquedos. Junto com a afilhada de Méliès, Isabelle (Chloë Grace Moretz), Hugo embarca em uma aventura para tentar descobrir que mensagem seu pai deixou no autômato.
Estética e tecnicamente, o filme é brilhante. A fotografia de Robert Richardson e o design de produção de Dante Ferretti conquistam desde o primeiro segundo de filme. Investindo em cores quentes e em uma iluminação calorosa, Richardson estabelece muito bem o universo mágico no qual o filme se passa, enquanto que Ferretti faz um trabalho de recriação de época impecável. A direção de arte também se destaca, refletindo muito bem a personalidade de alguns personagens em suas salas. Exemplos disso são a sala do escritor Rene Tabard (Michael Stuhlbarg), que mostra muito bem a admiração que ele sente por Méliès, e a pequena prisão do inspetor da estação (Sacha Baron Cohen), com várias fotos de crianças que ele enviou para o orfanato, e considerando que ele mesmo esteve em um lugar assim e a sala é toda pintada de preto, pode-se deduzir que o personagem não teve uma vida muito fácil. E a montagem de Thelma Schoonmaker (fiel parceira de Scorsese desde Touro Indomável) consegue fazer os flashbacks que aparecem ao longo do filme surgirem de maneira orgânica, não atrapalhando a história.
Scorsese consegue mostrar muito bem a paixão que sente pelo cinema. Em certo momento, Hugo pergunta para Isabelle “Quer ter uma aventura?”. Na cena seguinte eles estão no cinema. “Aventura” é apenas um dos vários modos com quais se pode descrever a experiência de ir ao cinema. Quando sentamos na poltrona da sala, queremos nos sentir envolvidos com a história e ter a oportunidade de vivenciar aquilo que é mostrado na tela, mesmo que seja ficção. Queremos acreditar naquilo. A expressão no rosto de Isabelle representa muito bem o que acontece quando somos surpreendidos positivamente. E como a personagem nunca havia estado em um cinema antes, a sensação certamente foi indescritível. O diretor mostra até a reação do público diante da nova arte, ao mostrar o filme A Chegada do Trem na Estação, dos irmãos Lumière, em que as pessoas achavam que o trem iria mesmo sair da tela.
A homenagem que Scorsese faz a Méliès é um dos pontos altos de A Invenção de Hugo Cabret. Cinema é uma arte mágica, e é compreensível no filme o porquê de Méliès ter desejado se envolver com o que os irmãos Lumière criaram. Afinal, ele mesmo é um mágico, e sua imaginação e insistência fizeram com que ele realizasse seus sonhos em cada um de seus filmes. Aliás, há uma bela cena em que Méliès fala para um pequeno Rene Tabard “Venha e sonhe comigo!”. Cada magia que ele realizava nas produções fez com que ele ficasse conhecido hoje como o “pai dos efeitos visuais” (o que ele fez em Viagem à Lua, por exemplo, é sensacional considerando a época em que o filme foi feito). Os momentos que mostram alguma referência à carreira de Méliès ou cenas de seus filmes são repletos de nostalgia, praticamente a mesma que se sente durante o espetacular O Artista.
Mas em se tratando de narrativa, A Invenção de Hugo Cabret tem problemas. Scorsese não consegue colocar energia em momento algum do filme. Dessa maneira, uma história que deveria ser de aventura acaba não sendo tão empolgante como poderia (e deveria) ser. Há cenas, como quando Hugo anda por entre as paredes da estação, descendo até mesmo por um escorregador, que servem para dar o caráter aventureiro do filme, mas não conseguem ser envolventes. Nem em cenas mais cômicas Scorsese consegue impor o ritmo necessário, fazendo momentos como quando inspetor da estação fica preso ao trem não ter muita graça, o que é uma pena já que uma das funções de Sacha Baron Cohen é ser o alívio cômico do projeto.
Além disso, o roteiro perde tempo com figuras que nada acrescentam a história, como o casal Madame Emilie (Frances de la Tour) e Monsieur Frick (Richard Griffiths), que tentam ficar juntos sem irritar a cadelinha dela. E o modo como o pai de Hugo é tratado decepciona por ele aparecer pouquíssimo na tela, não dando tempo suficiente para o personagem se tornar uma figura interessante para que nós lamentássemos sua morte, apesar de ser interpretado com grande carisma pelo sempre ótimo Jude Law.
O jovem Asa Butterfield surpreende no papel do personagem título. Com eficiência e determinação, ele mostra muito bem a dor que Hugo sente por não ter mais uma família (seu tio, interpretado por Ray Winstone, mal aparece ao longo do filme e é até descartado pelo roteiro). Enquanto isso, a sempre brilhante Chloë Grace Moretz consegue transformar Isabelle em uma figura carismática e que encanta com seu espírito de aventuras. Mas o destaque absoluto do elenco é o grande Ben Kingsley, que faz de Georges Méliès um homem triste e amargurado por ter investido em algo que deixou sua família pobre, mas não tem ideia do legado que deixou como fonte de inspiração para várias pessoas.
Tendo ainda um dos melhores usos da tecnologia 3D desde que isso entrou na moda, A Invenção de Hugo Cabret é muito eficiente como homenagem. Como filme poderia ser um pouco melhor. Apesar disso, é uma boa excursão pela importante carreira de Georges Méliès.
Cotação:

2 comentários:

Alan Noronha disse...

Concordo em parte. O visual é maravilhoso, sim, mas sobre não ser empolgante...o filme é delicado, sutil, e (felizmente para mim) não aposta nas cenas de ação, e sim na construção dos personagens. As metáforas sobre estar quebrado ou inteiro são preciosas, e os personagens secundários dão o charme parisiense à trama. Para mim, o melhor desta temporada de Oscar, embora tenha gostado bastante do Artista.

PANS disse...

Concordo plenamente com quase tudo. A única parte que discordo foi quando disse que o filme poderia ser um pouco melhor. Ele deveria ser MUITO melhor. A história, na minha opinião, é muito boa, mas não foi bem desenvolvida. Achei tão desinteressante que quase nem me lembro do filme.
O visual do filme é incrível, a construção dos personagens também. Achei que o brilhante Jude Law deveria ter aparecido mais, realmente. Confesso que chorei por sua morte, não pelo personagem em si, mas sim pela dor que o ator que representou Hugo, muito bem inclusive, passou para nós.