quinta-feira, 27 de julho de 2023

Barbie vs. Oppenheimer: O Fenômeno Barbenheimer

Acho que fazia algum tempo desde a última vez que dois filmes assumiram o protagonismo em uma semana de estreia como está ocorrendo com Barbie e Oppenheimer, duas obras totalmente diferentes e que, em qualquer outro momento, possivelmente estreariam com certa distância uma da outra, a fim de não prejudicar seus respectivos resultados de bilheteria. Mas “Barbenheimer” (como esse evento está sendo chamado) acabou fazendo bem para ambos os filmes, possivelmente dando-lhes muito mais atenção do que receberiam normalmente. E apesar do título deste texto apontar para algum tipo de disputa ou comparação, não é isso que pretendo fazer. Até porque os dois filmes me agradaram imensamente e por virtudes completamente diferentes.

Começarei por Oppenheimer porque foi o primeiro que consegui assistir. O longa é um retorno a boa forma para Christopher Nolan, um diretor que admiro, mas que escorregou em sua última empreitada, o medíocre e aborrecido Tenet. No filme, Nolan acompanha a vida de J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy) a partir de duas linhas narrativas: a primeira (em cores) acompanha o protagonista de forma mais subjetiva, seguindo desde seus passos iniciais como físico até a liderança que exerceu no Projeto Manhattan e na criação da bomba atômica, enquanto a segunda (em preto e branco) se passa em meio a Guerra Fria e mostra as divergências que Oppenheimer veio a ter em relação ao uso da arma e os julgamentos aos quais foi submetido, algo que também é mostrado pelo ponto de vista de outros personagens, em especial Lewis Strauss (Robert Downey Jr.), membro do Comitê de Energia Atômica.

Christopher Nolan faz uma cinebiografia que mostra riqueza não só na figura de Robert Oppenheimer, mas também em todas as discussões morais e políticas que a criação e o uso da bomba atômica vieram a trazer para muito além do contexto que todos viviam. Não são discussões que o roteiro traz superficialmente ou martelando respostas fáceis, com Nolan desenvolvendo tudo com inteligência e colocando em xeque até mesmo intenções que podem parecer boas em teoria (“Não sei se nós somos confiáveis com tal arma. Mas sei que os nazistas não são”, diz o protagonista em determinado momento), mas que no fundo não deixam de abrir portas para o caos. Para completar, a narrativa concebida por Nolan é muito consistente, intercalando muito bem os dois pontos da história, de forma que o espectador nunca fica confuso com o desenrolar dos acontecimentos ao mesmo tempo em que o cineasta gera tensão a partir de diversas situações, e nisso é preciso aplaudir também tanto o trabalho da montadora Jennifer Lame quanto a trilha composta por Ludwig Göransson.


Mas seria impossível falar de Oppenheimer sem mencionar o trabalho absolutamente brilhante de Cillian Murphy, que consegue projetar desde a confiança e o narcisismo do personagem-título até a angústia que ele passa a sentir em relação ao que construiu (e seguindo a subjetividade da narrativa, vale dizer que o filme não tenta diminuir a responsabilidade do sujeito nas tragédias de Hiroshima e Nagazaki). Além disso, Murphy ainda conta com um elenco de apoio fabuloso, de forma que se eu for mencionar todo mundo esse texto não irá acabar. Por isso destacarei apenas dois nomes: Emily Blunt e Robert Downey Jr. No papel de Kitty Oppenheimer, esposa do protagonista, Blunt cria uma personagem resiliente e que muitas vezes demonstra ter mais força do que o próprio marido, ao passo que Downey Jr. faz de Lewis Strauss um homem cuja influência política rivaliza com sua aparente inveja e insegurança, o que o torna uma versão de Antonio Salieri frente ao Mozart representado por Robert Oppenheimer (lembrando a obra-prima Amadeus).

Barbie... Bem, adaptando um pouco uma fala de Anton Ego (o maravilhoso crítico de Ratatouille), o filme fez eu pensar que “nem toda obra pode ser excelente, mas uma excelente obra pode vir de qualquer lugar”. Digo isso porque não é particularmente comum ver uma produção baseada numa linha de brinquedos ter tanto a dizer, e se isso ocorre em Barbie acho que Greta Gerwig é a maior responsável. No longa, Barbie (vivida por Margot Robbie) é uma figura que tem uma vida perfeita na Barbielândia ao lado de suas amigas Barbies e vários Kens (o principal deles sendo vivido por Ryan Gosling). E o roteiro coescrito por Gerwig e Noah Baumbach começa a encontrar sua razão de ser quando a personagem-título se vê diante de uma crise existencial, precisando vir com Ken até o nosso mundo a fim de resolver o problema, que parece apenas piorar quando ela se depara com uma realidade essencialmente patriarcal, o oposto da Barbielândia.

Acho que a melhor forma que encontrei para descrever Barbie é que se trata de uma obra muito consciente. Consciente de suas origens, de seu contexto e que sabe trabalhar esses aspectos inteligentemente. O roteiro de Gerwig e Baumbach não tem medo de apontar o dedo para a própria boneca Barbie (e para a Mattel, empresa que a produz) e questionar o quanto ela contribuiu para o desenvolvimento de padrões que até podem se encaixar em uma Barbielândia, mas soam como mentiras no mundo real quando olhamos a desigualdade enfrentada pela parcela feminina da sociedade. Nesse sentido, é impossível não destacar o discurso feito em determinado momento por Gloria (interpretada pela ótima America Ferrera), palavras que além de cumprirem uma função bacana na história ainda escancaram a visão que a sociedade frequentemente tem e impõe às mulheres. E por apresentar dois universos distintos, o filme chama atenção quanto aos paralelos entre eles (principalmente na inversão de papeis na Barbielândia, onde as Barbies reinam e se apoiam enquanto os Kens ou tem pouco espaço, ou não tem tanto valor ou vivem em função das Barbies) e o quanto um é capaz de influenciar o outro, sem falar que Greta Gerwig ainda cria um contraste visual e físico entre os dois mundos que é muito apropriado.


São ideias muito ricas e que vêm embaladas num pacote de fantasia e comédia que envolve o espectador do início ao fim, seja pelas piadas divertidíssimas, pela direção ágil de Gerwig ou pelo elenco encantador liderado por Margot Robbie e Ryan Gosling. Aliás, enquanto Robbie gradualmente imprime personalidade a Barbie, conseguindo ressaltar a humanidade da personagem em cada passo e em cada dúvida que surge ao longo de sua jornada, Gosling usa a falta de personalidade de Ken como um fio condutor do personagem, que assim se torna um receptáculo de imposições patriarcais que mascaram sua insegurança. E ambos os intérpretes surgem em cena repletos de carisma e exibindo um timing cômico impecável.

De um lado, uma grandiosa (em vários sentidos) cinebiografia realizada por um diretor já muito bem estabelecido como um grande nome. Do outro, uma obra surpreendente e prazerosa que mostra que Greta Gerwig é uma cineasta cada vez mais interessante. E enquanto o cinema como indústria agradece o sucesso de ambos os trabalhos, creio que podemos dizer que o espectador também sai feliz por ver que a sessão dupla de “Barbenheimer” no fim das contas envolve dois dos melhores filmes de 2023.

Nota (para os dois filmes):



2 comentários:

Mila disse...

eu não ia ver nenhum deles, mas tem tanta gente falando bem de Barbie que eu acho que vou acabar indo hehe

Bruno Farinon disse...

Cillian Murphy é meu motivo pra querer ver Oppenheimer.

Para querer assitir Barbie tenho dois motivos:
Tua review e o mesmo motivo dessa menina do comentário de cima =P