domingo, 13 de dezembro de 2015

20.000 Léguas Submarinas

(Crítica originalmente publicada no Papo de Cinema)
Passar por cada uma das páginas de 20.000 Léguas Submarinas é uma experiência fascinante. Clássico da literatura mundial, o livro de Jules Verne apresenta uma viagem detalhista e brilhante pelas maravilhas da natureza submarina, mostrando o que ela pode proporcionar, usando seus icônicos personagens não só como guias por um universo rico, mas também para tratar do medo contido na reação da humanidade diante de descobertas que estão à frente de seu tempo. É um material irretocável e com grande potencial cinematográfico, algo que Walt Disney explorou em 1954 ao produzir esta adaptação dirigida por Richard Fleisher. A escala de superprodução ajuda a construir um filme que não faz feio diante da obra original.
Com roteiro de Earl Felton, 20.000 Léguas Submarinas começa em 1868, quando surge entre marinheiros o rumor de que um monstro está atacando os navios em pleno mar. Para investigar isso, o professor francês Pierre Aronnax (Paul Lukas), ao lado de seu fiel escudeiro Conseil (Peter Lorre), é chamado pelo governo norte-americano, juntando-se à tripulação de um navio que tem como objetivo abater o animal, tendo no arpoador Ned Land (Kirk Douglas) uma chance ímpar de cumprir essa missão. Mas ao baterem de frente com o monstro, este revela se tratar, na verdade, de um submarino tecnologicamente avançado chamado Nautilus, comandado pelo misterioso Capitão Nemo (James Mason), homem que há muito cortou relações com a humanidade, preferindo fazer sua vida no fundo dos mares e levando agora Aronnax, Conseil e Land em suas jornadas.
Iniciando com um zoom que entra nas páginas do livro original, 20.000 Léguas Submarinas abraça sem medo suas origens, e o que se vê ao longo da narrativa é um esforço em contar essa história de maneira vivaz e ágil. Sendo assim, visualmente o filme já merece destaque. Richard Fleischer, com a ajuda da fotografia de Franz Planer, aposta em cores quentes na maior parte do tempo para pincelar a tela, dando grande expressividade às imagens, ao passo que o design de produção faz um belo trabalho de recriação de época e brilha, principalmente, na concepção do Nautilus. Aqui temos um espaço impressionante tanto por sua beleza quanto por representar um feito tecnológico e científico intimidador. Intimidação esta que não deixa de ser um reflexo da própria personalidade do Capitão Nemo.
Enquanto isso, o espírito aventureiro das palavras de Jules Verne se faz presente notavelmente na narrativa. O filme mantém o espectador constantemente entretido, seja pela energia imposta por Richard Fleischer ou pela própria leveza de certos momentos, como o número musical protagonizado por Ned Land ou as aparições da foca Esmeralda, elementos que não vêm do livro e que certamente não estariam presentes caso a produção fosse de outro estúdio. Além do mais, Fleischer conduz eficientemente as cenas de ação, merecendo óbvio destaque a sequência em que um polvo ataca o Nautilus, momento que impressiona mesmo depois de 60 anos por sua tensão e pela convincente concepção do animal. Para completar, o diretor merece créditos por exibir um bem-vindo senso de admiração diante do universo submarino, filmando as expedições feitas pelos personagens de maneira bastante contemplativa, ideal para apresentar o público às maravilhas dos lugares.
No papel do Professor Aronnax, Paul Lukas é o mais próximo que o filme tem de uma bússola moral e de uma âncora emocional para o espectador, cumprindo essas funções muito bem ao emprestar carisma para o personagem e ao encarnar sua integridade com a segurança que se esperaria de um ator como ele. Já Peter Lorre fica sempre à sombra de seus colegas, não conseguindo muito destaque como Conseil, enquanto o ótimo Kirk Douglas diverte ao interpretar o jeito arrogante e viril de Ned Land com a energia que marcou sua imagem nas telonas. Mas é James Mason quem acaba sendo o grande nome de 20.000 Léguas Submarinas, até por ter em mãos o personagem mais interessante do projeto. Numa atuação em que o mero tom de voz já revela uma força admirável, o ator cria um Capitão Nemo cortês e inteligente, cuja impaciência com os seres humanos esconde suas feridas mais profundas. Não é nada difícil compreender seu ponto de vista em relação à humanidade e o porquê dele não querer compartilhar as descobertas que deram vida a seu submarino, já que nossas falhas como espécie parecem sempre ofuscar nossas maiores virtudes.
Funcionando como entretenimento, sem para isso sacrificar os temas mais sérios que ajudaram o livro de Jules Verne a ser tão marcante, 20.000 Léguas Submarinas enfatiza as palavras de seu Capitão Nemo, “Há esperança para o futuro”, indicando que seus conhecimentos talvez sejam compartilhados quando estivermos prontos. Mas considerando que ainda nutrimos certo gosto pela autodestruição e pelo ódio, fica a pergunta: estaremos prontos algum dia?
Nota:

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