domingo, 15 de janeiro de 2023

Babilônia

Em La La Land, o diretor-roteirista Damien Chazelle concebeu um romance com personagens sonhadores e que percorriam uma representação idealizada de Hollywood e da cidade de Los Angeles. Claro, os protagonistas de Emma Stone e Ryan Gosling acabavam tendo que fazer sacrifícios pessoais a fim de realizarem seus sonhos, mas nada que incluísse grandes transgressões ou sujeiras.

Pois bem, tendo isso estabelecido, podemos dizer que Babilônia é a antítese de La La Land, como se Chazelle simplesmente jogasse fora todo o lado gracioso de seu premiado trabalho para mergulhar de cabeça no lado obscuro da indústria do cinema. Se La La Land era o yang, Babilônia é o yin.

Escrito por Chazelle, Babilônia não chega a ter uma história em si, preferindo ser um retrato de uma era, mais especificamente o período entre o final dos anos 1920 e o início dos anos 1930, que em Hollywood marca o fim da era dos filmes mudos, a chegada dos filmes falados e o início de uma certa moralização dos costumes da indústria. Nisso, passamos a acompanhar a jornada de figuras que buscam viver e crescer profissionalmente por ali. A começar por Manny Torres (Diego Calva), imigrante mexicano que faz de tudo um pouco na mansão de um executivo do estúdio Kinoscope, desde servir convidados numa festa orgíaca até transportar um elefante para esta mesma festa. Ele conhece a bela Nellie LaRoy (Margot Robbie), que aspira ser uma atriz famosa e inclusive já age como uma grande estrela. Ambos acabam se conectando com a cantora de cabaré Lady Fay Zhu (Li Jun Li) e o músico de jazz Sidney Palmer (Jovan Adepo), eles próprios buscando ascender com seus talentos. Enquanto isso, o astro Jack Conrad (Brad Pitt) busca manter sua popularidade em meio a casamentos mal sucedidos e a evolução dos filmes.


Damien Chazelle deixa claro já nas cenas iniciais que Babilônia é um filme de excessos, algo que ele faz questão de marcar não só com a grandiosidade do projeto (incluindo suas três horas de duração), mas também com as situações absurdas e, por vezes, escatológicas que retrata. Sendo assim, é difícil não ficar com os olhos arregalados quando Chazelle e seu diretor de fotografia Linus Sandgreen apostam em longos planos para percorrer cenários impressionantes, com centenas (ou seriam milhares?) de figurantes criando um verdadeiro caos visual com seus corpos, em orgias regadas a todos os tipos de drogas. E talvez não seja à toa que Chazelle se sinta confortável para apresentar o título do filme na tela apenas depois desse primeiro ato, o que ocorre após mais de 30 minutos.

E o diretor-roteirista não diminui muito o nível desses excessos ao longo da projeção, fazendo o filme passar por várias situações que ora podem surpreender pelo absurdo (podendo chocar estômagos mais fracos), ora podem divertir com as reações dos personagens. Nesse último caso, um dos melhores momentos do filme vem em uma longa sequência em que acompanhamos uma cena ser filmada várias vezes devido a problemas sonoros. No entanto, ao mesmo tempo em que a grandiosidade do projeto denota sua ambição, tem horas que Damien Chazelle parece confundir isso com preciosismo e autoindulgência, de forma que há momentos em Babilônia que soam redundantes, como a confusão envolvendo uma cobra ou um confronto com um mafioso (vivido por um caricatural Tobey Maguire). São sequências que além de incharem a trama ainda atrapalham o ritmo da narrativa, que acaba ficando um pouco mais irregular a partir da segunda metade da projeção.

Já os personagens servem para ilustrar as opressões que tomam conta dos ambientes por onde eles passam, já que para terem alguma carreira eles se veem abrindo mão de muito do que os define como seres humanos. Diego Calva (em seu primeiro papel fora de terras mexicanas) interpreta Manny Torres como uma figura constantemente inquieta, tentando controlar coisas que, muitas vezes, estão além de seu controle (nesse sentido, talvez não haja muita diferença entre o transporte de um elefante em um carro que não o suporta e os problemas de um set de filmagem ou de um estúdio). Já Margot Robbie encarna Nellie LaRoy como uma imparável força da natureza, exibindo uma energia capaz de alavanca-la ou de destruí-la, ao passo que Brad Pitt traz um charme natural para Jack Conrad, buscando imprimir no personagem uma segurança mesmo que esta não se encaixe em sua realidade, que é jogada em sua cara pela jornalista Elinor St. John, vivida pela sempre ótima Jean Smart. Para completar, Li Jun Li e Jovan Adepo se destacam quando aparecem como Lady Fay Zhu e Sidney Palmer, sendo uma pena que os dois personagens sejam mais periféricos no filme, não tendo tanto espaço quanto os outros três citados mesmo mostrando mais personalidade.

Mas ainda que por vezes acabe tropeçando em seus exageros, no fim Damien Chazelle mostra com propriedade em Babilônia que Hollywood e a arte cinematográfica de modo geral podem realizar mágicas encantadoras, cujo efeito é diferente em cada espectador. Mas muitas vezes essas mágicas podem surtir de uma certa toxicidade, em um ambiente onde o progresso de uns pode ser a derrocada de outros.


Nota:

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