quinta-feira, 9 de julho de 2020

O Diabo Veste Azul

Revisitar personagens é um costume que Denzel Washington quase não cultivou ao longo de sua brilhante carreira. Seja por decisão própria ou por não ter tido oportunidades para isso, Washington acabou montando seu caminho investindo seus talentos em coisas novas (por enquanto, a única continuação em seu currículo é O Protetor 2). Porém, há certos personagens que se mostram tão interessantes em suas mãos que acabam deixando uma vontade de vê-los mais vezes. É o que ocorre, por exemplo, com o Ezekiel Rawlins deste O Diabo Veste Azul, de 1995.

Baseado no primeiro livro da série escrita por Walter Mosley, o filme se passa na Los Angeles do fim dos anos 40, quando o veterano de guerra Ezekiel, também conhecido como Easy, está desempregado e à procura de dinheiro. É quando DeWitt Albright (Tom Sizemore), surge repentinamente em seu caminho, querendo contratá-lo para encontrar Daphne Monet (Jennifer Beals), uma mulher branca que pode estar se escondendo na comunidade afro-americana. Easy aceita o serviço, sem imaginar que está entrando em uma história complexa e que envolve figuras poderosas da cidade.

O Diabo Veste Azul é um neo-noir clássico, que faz jus às melhores histórias de detetive, com sua trama parecendo uma bola de neve ao gradualmente desenvolver vários pontos narrativos ao longo da investigação de Easy, como um verdadeiro quebra-cabeça. O personagem, aliás, conquista o espectador com sua inteligência e sua cautela, características que o tornam competente em seu serviço apesar de nunca ter feito algo do tipo antes. E é claro que muito do nosso envolvimento emocional com ele se deve também a Denzel Washington, que traz para o papel seu carisma e sua presença magnética, contribuindo para que fiquemos investidos na narrativa do início ao fim. Além de Washington, vale destacar também os trabalhos de Tom Sizemore, Jennifer Beals e Don Cheadle, sendo que este último praticamente rouba o filme interpretando o impulsivo Mouse, um velho conhecido do protagonista (não à toa, Cheadle foi indicado a alguns prêmios na época mesmo tendo poucos minutos de tela).

Acompanhar o desenrolar desses pontos talvez fosse suficiente para fazer de O Diabo Veste Azul um filme satisfatório, mas o diretor-roteirista Carl Franklin ainda mostra ter outros objetivos. Franklin é hábil ao usar a história de detetive que tem em mãos para desenvolver temas sociais relevantes, principalmente no que diz respeito a racismo e as relações raciais na sociedade (e acho que é bom destacar aqui a importância de se ter um realizador negro no comando da narrativa). É algo que podemos ver quando Easy é intimado violentamente por policiais ou no relacionamento de um casal interracial, que tem receio do que as pessoas pensarão de sua união. Em elementos como esses, O Diabo Veste Azul trata com força a imoralidade de um mundo segregacionista controlado majoritariamente pelos brancos, algo que resulta em uma série de injustiças. E considerando que o filme se passa nos anos 40, foi lançado há 25 anos e ainda assim se mostra atual em seus temas revela como ainda temos muito a evoluir como sociedade.

Infelizmente, O Diabo Veste Azul fracassou nas bilheterias, acabando com quaisquer planos de trazer Denzel Washington em outras adaptações de livros protagonizados por Easy Rawlins. Mas isso nada tem a ver com a qualidade do filme, que conseguiu deixar sua marca como um neo-noir de destaque.

Nota:



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