quinta-feira, 23 de junho de 2011

Meia-Noite em Paris

Woody Allen parece nunca ter ouvido falar na palavra “férias”. O diretor-roteirista-ator (ele não atua desde Scoop: O Grande Furo, mas já confirmou presença no seu próximo filme) lançou nada menos do que 41 longas-metragens nos últimos 45 anos, sendo que ele não faz um intervalo desde 1982. Atualmente, alguns de seus melhores trabalhos têm sido produzidos longe da cidade que ele tanto adora: Nova York, palco de filmes como Noivo Neurótico, Noiva Nervosa e Poderosa Afrodite. Allen foi para Londres em Match Point: Ponto Final, para Barcelona em Vicky Cristina Barcelona e, agora, para Paris neste Meia-Noite em Paris, filme no qual ele mostra mais uma vez seu grande talento para contar histórias.
Gil Pender (Owen Wilson) é um ex-roteirista de Hollywood que agora tenta ganhar a vida como escritor. Fã de escritores renomados como Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald, Gil pensa que a época em que seus ídolos viveram era a Idade de Ouro. Em viajem a Paris com sua noiva Inez (Rachel McAdams), ele descobre que a cidade pode lhe proporcionar momentos especiais que podem lhe devolver a inspiração para escrever: todos os dias, à meia-noite, Gil pode viajar no tempo e encontrar seus ídolos (e outras figuras conhecidas) em sua época favorita.
Allen começa o filme de uma forma que eu ainda não havia visto (consegui assistir a apenas uma parte dos filmes dele). Antes dos tradicionais créditos iniciais, o diretor coloca uma sequência que mostra vários lugares que identificam a Cidade-Luz, como o Museu do Louvre, o Moulin Rouge e a Torre Eiffel. Dessa forma, ele nos diz que o protagonista do filme é a própria Paris, enquanto que Gil Pender é o protagonista da história que Meia-Noite em Paris conta. Aliás, a capital francesa é tratada como um lugar literalmente mágico, como mostram as várias “viagens no tempo” que Gil faz ao longo do filme. Allen faz um belíssimo tour por Paris, não só com planos gerais, mas também usando os personagens, que na maior parte do tempo aparecem caminhando pelas ruas da cidade ou visitando museus e monumentos.
O roteiro conta com diálogos divertidos e inteligentes. Quando Gil entrega o manuscrito de seu livro para Hemingway, pedindo para que este o leia, o “veterano” responde de forma hilária e genial: “Não vou ler. Se for ruim, vou detestar. Se for bom, vou ficar com inveja e detestarei ainda mais”. Outro grande momento do filme é a divertida conversa de Gil com o fotógrafo Man Ray, o cineasta Luis Buñuel e o pintor Salvador Dalí, figuras conhecidas do surrealismo. O fato de Allen trazer caras famosas para o filme é uma grande sacada, já que o brilhantismo deles cria um belo contraste com a insegurança de Gil. Meia-Noite em Paris perde um pouco de força quando a história se afasta das “celebridades”, já que elas divertem bastante, mas Gil Pender é um personagem muito bacana, fazendo com que tal falha seja esquecida pouco depois.
Gil Pender poderia ser interpretado pelo próprio Woody Allen se este estivesse nos seus 30 ou 40 anos. Um cara inseguro que procura evitar qualquer atividade que sabe que o deixarão desconfortável (como passear com os amigos de Inez), Gil é muito parecido com vários personagens que Allen interpretou ao longo de sua carreira, como o Lenny Weintraub de Poderosa Afrodite ou o Kleinman de Neblina e Sombras. Isso fica ainda mais óbvio na atuação de Owen Wilson, que interpreta o personagem com os trejeitos que são marca registrada de Allen. Wilson aparece em cena atrapalhado, tanto com as palavras quanto com as pessoas ao seu redor. O ator não decepciona ao ser um substituto de Woody Allen, trazendo ainda um enorme carisma para o personagem. Outro detalhe interessante sobre Gil Pender é que seus sentimentos são muito bem mostrados através de suas roupas. Quando está no presente, Gil usa camisas lisas ou xadrez, algo que ressalta sua vida entediante. Já quando está no passado com seus ídolos, ele aparece mais arrumado, usando suéteres ou até mesmo um terno.
Entre os coadjuvantes, Marion Cotillard aparece adorável como Adriana, mulher que Gil conhece em suas aventuras pelo passado, enquanto que Corey Stoll aparece brilhante como Ernest Hemingway, quase roubando a cena de Owen Wilson. Rachel McAdams se sai bem como Inez, personagem muito mais preocupada com seu bem-estar. Outros atores também conseguem se destacar apesar de aparecerem pouco. Michael Sheen consegue deixar suas marcas com um personagem inteligente, que muda de humor rapidamente quando vê estar errado sobre alguma coisa. E Adrien Brody diverte em sua única cena como Salvador Dalí.
Meia-Noite em Paris é mais um exemplo de que Woody Allen ainda tem capacidade para fazer grandes filmes. Se ele continuar assim, espero que não entre de férias tão cedo.
Cotação:

4 comentários:

Clenio disse...

Belíssimo filme. Woody Allen dos melhores, com um roteiro brilhante e um romantismo delicioso.

Abraços
Clênio
www.lennysmind.blogspot.com.br
www.clenio-umfilmepordia.blogspot.com.br

Unknown disse...

E notou os "soft focus" nos closes da Adriana (Marion Cotillard)?

Alan Noronha disse...

Voltei ao cinema depois de meses, e justamente com este filme maravilhoso. Gostei muito da discussão sobre uma suposta "era de ouro" na qual tudo seria melhor. O velho Allen ainda sabe criar magia como ninguém.

David Cotos disse...

Excelente película.