quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Os Melhores e os Piores Filmes de 2015


Fazer listas como esta de melhores e piores filmes do ano é uma tarefa um tanto árdua. É como organizar todo um ano de Cinema, algo que complica um pouco mais quando a safra de filmes se revela tão interessante como foi em 2015. Mas vamos lá seguir a tradição e tentar fazer isso novamente.

Lembrando que só foram considerados filmes lançados comercialmente nos cinemas brasileiros, um filtro que estou pensando em modificar para 2016. Mas enquanto isso não acontece...

Os dez piores filmes lançados nos cinemas em 2015:


10) Hotel Transilvânia 2 (Hotel Transylvania 2), de Genndy Tartakovsky

Por pior que seja o primeiro Hotel Transilvânia (e é um filme realmente fraco), de vez em quando ele até se mostrava capaz de causar alguns sorrisos. O mesmo não pode ser dito sobre esta continuação, que é um desastre absoluto. Assim como o original, Hotel Transilvânia 2 busca divertir com as figuras icônicas de Drácula, Frankenstein, a Múmia, Lobisomem e o Homem Invisível, mas o máximo que consegue fazer é envergonhá-los, sendo uma animação realizada quase de maneira descerebrada, forçando piadas que não funcionam e que ajudam a formar uma narrativa que, eventualmente, tira o espectador do sério. Por seu diretor ser Genndy Tartakovski (responsável por animações como O Laboratório de Dexter e Samurai Jack, que marcaram a infância de muitos que nasceram na década de 1990), o filme se revela ainda mais decepcionante por não mostrar sinais do talento do animador.


9) Atividade Paranormal: Dimensão Fantasma (Paranormal Activity: The Ghost Dimension), de Gregory Plotkin

Os filmes da série Atividade Paranormal custam tão pouco para serem feitos que logo ao estrearem já são capazes de dar algum lucro de bilheteria a seus realizadores. Só isso explica o fato de ela se manter ativa mesmo caindo de qualidade a cada novo exemplar. Em Atividade Paranormal 4 a franquia já havia chegado ao fundo do poço, e esta continuação, Dimensão Fantasma, em nada muda esse status. Tendo como grande novidade o 3D (porque isso faz muito sentido no formato de found footage), o filme mostra pela primeira vez o inconveniente demônio Toby e, claro, usa ele novamente para assombrar personagens desinteressantes e nos dar os sustos típicos da série. O problema é que a fórmula desses longas já cansou e nada aqui consegue ser inquietante, enquanto que o roteiro busca preencher lacunas inexistentes na história, apenas como desculpa para sua própria existência. A verdade é que ao final do filme fica a esperança de que este seja mesmo o último capítulo da franquia, como foi declarado pelos produtores. Ela já deu o que tinha que dar.


8) Belas e Perseguidas (Hot Pursuit), de Anne Fletcher

De um lado, Reese Witherspoon, atriz talentosa que voltou a se destacar recentemente e faturou sua segunda indicação ao Oscar no início do ano, por seu excelente trabalho em Livre. Do outro, Sofia Vergara, que apesar de não ter grandes papeis no cinema, funciona maravilhosamente na série Modern Family. Considerando a dupla de protagonistas, Belas e Perseguidas talvez pudesse ser minimamente interessante e divertido, mas é lamentável que elas sejam tão mal utilizadas em uma comédia de humor retardado. As piadas que sustentam o filme são tão irritantes quanto as próprias personagens, algo que encontra reflexo na direção displicente e sem qualquer timing cômico de Anne Fletcher, que nem tenta disfarçar os clichês que organizam o desenvolvimento previsível da história, deixando clara a preguiça de seus roteiristas. Os próprios erros de gravação que passam durante os créditos finais tratam de mostrar que todos ali sabem a porcaria que estão fazendo.


7) Exorcistas do Vaticano (The Vatican Tapes), de Mark Neveldine

Primeiro filme em que Mark Neveldine é creditado sem seu parceiro habitual Brian Taylor, Exorcistas do Vaticano prova que se com a dupla os filmes já não eram grandes coisas, com apenas um deles as coisas conseguem ser piores. Como o próprio título indica, o longa é um terror envolvendo possessões demoníacas e exorcismos. O problema é que ele não se esforça nenhum pouco para ser diferente de outros exemplares do tipo, de forma que é inevitável sentir que já vimos o filme antes. E além de genérico, ele ainda é ineficiente na construção da tensão, inserindo uma série de sustos baratos e previsíveis, sem falar do fato de a história ser movida por personagens subdesenvolvidos, para os quais não damos a mínima durante a projeção e que desperdiçam atores interessantes, em especial Michael Peña, completamente perdido como o Padre Lozano.


6) Minions, de Pierre Coffin e Kyle Balda

Os Minions são criaturas engraçadinhas em conceito e visual, mas suas participações pouco cativavam nos dois Meu Malvado Favorito, onde apareciam protagonizando gags bobas e que não contribuíam para tornar aqueles filmes mais suportáveis. E se no modo conta-gotas eles mal funcionavam, o que dizer quando eles ganham seu próprio longa-metragem? Minions expande para 90 minutos as bobagens que os personagens costumavam fazer, apostando em gags que subestimam o público e em momentos que conseguem ser apenas constrangedores (ainda não esqueci a dança dos guardas pelados). Por ser uma prequel, o filme por natureza já deveria buscar ser mais criativo, já que sabemos de antemão o que deve acontecer ao final da trama, mas infelizmente não é o que acontece e o que sobra é um filme carente tanto de diversão quanto de inteligência. Crítica completa.


5) O Sétimo Filho (Seventh Son), de Sergey Bodrov

Representando mais uma tentativa de emplacar outra franquia baseada em livros de fantasia infanto-juvenis, O Sétimo Filho só impressiona por uma coisa: sua pobreza narrativa. O filme é basicamente uma reciclagem de elementos que já vimos em outras produções, organizando tudo em uma história óbvia do início ao fim e que é pincelada com efeitos visuais nada deslumbrantes, sendo que o diretor Sergei Bodrov, por vezes, parece mais interessado na infantilidade de jogar objetos na cara do público para aproveitar o 3D. Nem mesmo o elenco, com nomes como Jeff Bridges, Julianne Moore (em um overacting indigno de seu talento) e Alicia Vikander (um dos grandes destaques de 2015) consegue tornar a narrativa interessante para o público, já que eles têm em mãos personagens unidimensionais e muito aborrecidos. Uma pena vê-los em uma produção desse calibre.


4) O Garoto da Casa ao Lado (The Boy Next Door), de Rob Cohen

Constantemente, enquanto assistia a este O Garoto da Casa ao Lado, a palavra “pedestre” me veio à cabeça, provavelmente por ser a que melhor descreva o filme, tamanha falta de imaginação que permeia a narrativa. Com uma história de obsessão que se sustenta em clichês batidos para levar o ato de “stalkear” aos limites da psicopatia (lembrando filmes como Atração Fatal), o longa de Rob Cohen busca ser um thriller tenso, mas ao invés disso se revela uma grande besteira que chega a causar risos involuntários com suas idiotices. Enquanto isso, Jennifer Lopez tem suas curvas exploradas sempre que possível e surge em uma atuação pouco convincente, mas que ainda é digna de prêmios se comparada as de seus insuportáveis colegas de elenco, em especial Ryan Guzman como o aluno obcecado e Kristin Chenoweth como a amiga dela. É um filme que acaba funcionando mais como um teste de paciência, já que não demora muito para mostrar sua ruindade e nos fazer esperar ansiosos pelos créditos finais.


3) Cinquenta Tons de Cinza (Fifty Shades of Grey), de Sam Taylor-Johnson

A ideia por trás de Cinquenta Tons de Cinza já era um pouco assustadora considerando que o livro original de E.L. James nasceu como uma fan fiction da “saga” Crepúsculo. Mas vendo o filme, percebe-se que as coisas são ainda mais impressionantes (e não de um jeito bom). As sacadas envolvendo o romance de Anastasia Steele (Dakota Johnson) e Christian Grey (Jamie Dornan) são tão absurdas em sua misoginia que, ao longo da narrativa, é melhor rir para não chorar (o contrato feito por ele para ditar a vida de sua amada, por exemplo, é algo inacreditável). Enquanto isso, o lado puramente sexual (que polemizou tanto o filme quanto o livro) não poderia ser mais entediante quando surge na tela, até pelo fato de ser difícil criar qualquer ligação com a dupla de protagonistas. No fim, este acaba sendo o início de uma franquia cinematográfica que, provavelmente, será rapidamente esquecida após seu último exemplar, assim como ocorreu com a obra vampiresca que a inspirou. Crítica completa.


2) Super Velozes, Mega Furiosos (Superfast!), de Jason Friedberg e Aaron Seltzer

Jason Friedberg e Aaron Seltzer não sabem fazer paródias. Ninguém deve ter falado isso para eles, mas é a verdade. Seja Uma Comédia Nada Romântica, Deu a Louca em Hollywood, Super Heróis e a Liga da Injustiça ou este Super Velozes, Mega Furiosos, cada filme da dupla prova sua falta de talento de um jeito irritante, buscando sempre brincar com elementos de outras produções, mas apostando em piadas que parecem ter sido boladas por adolescentes imaturos que acham graça em qualquer coisa. Dessa vez, o alvo foi a franquia Velozes e Furiosos, que seria um prato cheio para paródia se os diretores tivessem alguma noção do estão fazendo. Como não é o caso, o filme representa outro trabalho estúpido, no qual Friedberg e Seltzer atiram piadas para todos os lados sem fazer nenhuma funcionar, consequentemente tornando a produção incrivelmente aborrecida (na verdade, se esses caras têm algum talento, este é deixar o espectador com sono). Assistir a qualquer um dos sete Velozes e Furiosos rende uma experiência bem mais divertida do que essa comédia.


1) Voo 7500 (7500), de Takashi Shimizu

Enquanto longas excepcionais como Ex Machina vão direto para as locadoras, este terror desastroso dirigido pelo mesmo cara responsável pela franquia O Grito (tanto os longas originais japoneses quanto os remakes americanos) conseguiu chegar aos nossos cinemas, ainda que esteja há tempos sem uma data de estreia nos Estados Unidos, onde deveria ter ocupado salas há dois anos caso não tivesse sido adiado. Se concentrando em um grupo de personagens estereotipados e desinteressantes, que estão em um voo de Los Angeles a Tóquio e se deparam com uma série de acontecimentos estranhos, o filme falha em seus esforços de criar uma atmosfera tensa e claustrofóbica em pleno ar (se é que podemos dizer que Takashi Shimizu se esforça), além de ser ridículo na forma como insere o sobrenatural em meio à história. Aliás, em termos de trama, o filme parece não notar a própria previsibilidade, além de terminar de um jeito um tanto abrupto, passando a impressão de que o roteiro não sabia o que fazer com que tinha em mãos no fim das contas. Voo 7500 pode ser um filme relativamente curto (menos de 80 minutos), mas que dói de tão mal realizado.

Outros 25 títulos que merecem menção desonrosa (em ordem alfabética):

Os 33 (The 33), de Patrícia Riggen
Annie, de Will Gluck
Bata Antes de Entrar (Knock Knock), de Eli Roth
Busca Implacável 3 (Taken 3), de Olivier Megaton
Cada Um na Sua Casa (Home), de Tim Johnson
Caminhos da Floresta (Into the Woods), de Rob Marshall
A Casa dos Mortos (Demonic), de Will Canon
Férias Frustradas (Vacation), de John Francis Daley e Jonathan M. Goldstein
A Forca (The Gallows), de Travis Cluff e Chris Lofing
O Franco-Atirador (The Gunman), de Pierre Moreal
Hitman: Agente 47 (Hitman: Agent 47), de Alexander Bach
Horas de Desespero (No Escape), de John Erick Dowdle
O Imperador (Outcast), de Nick Powell
Jessabelle: O Passado Nunca Morre (Jessabelle), de Kevin Greutert
Mortdecai: A Arte da Trapaça (Mortdecai), de David Koepp
Uma Noite no Museu 3: O Segredo da Tumba (Night at the Museum: Secret of the Tomb), de Shawn Levy
Os Pinguins de Madagascar (Penguins of Madagascar), de Eric Darnell e Simon J. Smith
Pixels, de Chris Columbus
Quarteto Fantástico (Fantastic Four), de Josh Trank
Renascida do Inferno (The Lazarus Effect), de David Gelb
Um Senhor Estagiário (The Intern), de Nancy Meyers
A Série Divergente: Insurgente (Insurgent), de Robert Schwentke
Sob o Mesmo Céu (Aloha), de Cameron Crowe
Terremoto: A Falha de San Andreas (San Andreas), de Brad Peyton
Victor Frankenstein, de Paul McGuigan

E agora a parte boa...

Os dez melhores filmes lançados nos cinemas em 2015:


10) Star Wars: O Despertar da Força (Star Wars: The Force Awakens), de J.J. Abrams

Marcando o retorno aos cinemas da grande franquia criada por George Lucas, Star Wars: O Despertar da Força seguiu de perto o que havia sido feito no longa original, Uma Nova Esperança. Um caminho até pouco criativo, mas seguro e que não impede este novo filme de explorar o que há de melhor em um universo tão familiar. O Despertar da Força pode ser só o começo da história que acompanharemos na nova trilogia, e os próximos capítulos deverão se aprofundar mais no que é apresentado aqui, mas o filme já se estabelece como um dos melhores da saga, representando uma experiência fantástica ao lado de personagens que adoramos (como não vibrar nas primeiras cenas de figuras como Han Solo, Chewbacca e Leia?) e de outros que, apesar de novos, já exibem imenso potencial para se tornarem icônicos. Star Wars prova que ainda tem plenas condições de render grandes histórias, e voltar a esta galáxia muito, muito distante já é algo muito aguardado. Crítica completa.


9) Cássia, de Paulo Henrique Fontenelle

Paulo Henrique Fontenelle é um documentarista cada vez mais admirável. Depois de fazer os excepcionais Loki: Arnaldo Baptista e Dossiê Jango, ele encontra um material primoroso na vida da grande Cássia Eller. Se concentrando tanto no lado artista quanto no lado humano da cantora, Fontenelle mostra que por trás da figura rebelde e intensa que tomava o palco e hipnotizava o público havia uma figura sensível e divertidamente tímida, que encantava as pessoas ao seu redor. Conseguindo compactar vários assuntos referentes a Cássia Eller ao longo do filme, passando por eles com fluidez e não permitindo que algum detalhe fique superficial, o diretor consegue fazer um retrato bastante completo da cantora ao mesmo tempo em que a homenageia, fazendo nisso sem tentar ser uma hagiografia. Em suma, é Cássia um filme que faz jus ao legado da artista fascinante que documenta na tela. Crítica completa.


8) O Ano Mais Violento (A Most Violent Year), de J.C. Chandor

Margin Call e Até o Fim já provavam que J.C. Chandor é um dos grandes nomes que surgiram nos últimos anos, e este O Ano Mais Violento reforça isso ainda mais. Aqui, o diretor-roteirista concebe uma obra instigante ao acompanhar Abel Morales (o fantástico Oscar Isaac), dono de uma empresa de combustível na Nova York de 1981 e que tenta manter sua honestidade mesmo diante da corrupção que rege os negócios de seus concorrentes. Chandor demonstra estar determinado a fazer um filme onde as coisas não se classificam de maneira simples, apresentando um universo e personagens moralmente complexos, sendo que o elenco encarna essas figuras com o talento que poderíamos esperar (Jessica Chastain e Albert Brooks são os grandes destaques ao lado de Isaac). Hábil ao criar uma narrativa inquietante a partir desses elementos e das pontuais sequências de ação (aquela em que Abel persegue um de seus caminhões roubados é magnífica), o diretor mostra estar ciente das peças que tem em mãos, conseguindo organiza-las a ponto de render um thriller criminal fabuloso.


7) Mia Madre, de Nanni Moretti

Em determinado momento de Mia Madre, o ator Barry Huggins (interpretado por John Turturro) fala para a cineasta e protagonista do filme, Marguerita (Marguerita Buy), de coisas importantes que perdeu por conta de sua dedicação ao trabalho. É uma cena que de certa forma ajuda a sintetizar o filme de Nanni Moretti, considerando que Marguerita se vê tendo que lidar não só com o longa que está dirigindo, mas também com a saúde debilitada da mãe, Ada (Giulia Lazzarini). É uma história bastante pessoal (vale lembrar que Moretti perdeu a mãe durante as filmagens de seu trabalho anterior, Habemus Papam) e que é contada de maneira leve e delicada, sendo capaz de causar bons risos em alguns momentos (especialmente quando Turturro está em cena) e também tocar o espectador diante do sentimento de perda iminente. Além disso, é muito interessante que Marguerita tente criar em seu filme uma realidade que funcione como ela preferir, algo oposto a imprevisibilidade da própria vida, o que apenas torna mais rico esse maravilhoso trabalho de Moretti.


6) Olmo e a Gaivota (Olmo & the Seagull), de Petra Costa e Lea Glob

Inicialmente, Olmo e a Gaivota parece que será “apenas” (e sejamos bem enfáticos nessas aspas) um documentário que mostrará o impacto da gravidez na vida do casal de atores Olivia Corsini e Serge Nicolai, principalmente, claro, no que diz respeito a ela, que se vê tendo que abrir mão da vida profissional para ficar de repouso e ter uma gestação tranquila, ao contrário do marido. Nisso, a diretora Petra Costa acompanha o quão solitária e até aprisionada Olivia acaba ficando, já que a gravidez é um processo que ela (como todas as mulheres) encara sozinha, ficando meio que refém de seu bebê e não podendo compartilhar sua entrega física com mais ninguém. Mas é então que Costa, pontualmente, passa a interferir nas cenas que está retratando e dirige seus personagens, dando a narrativa camadas inesperadas e fascinantes de ficção em meio a realidade dos eventos da tela, abrindo discussões complexas sobre o que é real e o que não é e fazendo ambos os aspectos se complementarem a fim de potencializar a sensibilidade do que nos é mostrado. O filme anterior da diretora, Elena, já era maravilhoso, e este aqui não fica nenhum pouco atrás.


5) Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) (Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance)), de Alejandro González Iñarritu

Birdman consegue fascinar muito mais do que o plano-sequência simulado ao longo de suas quase duas horas de duração. A forma como o filme conta sua história é sim um exemplo fantástico de precisão técnica e controle de mise-en-scène por parte de Alejandro González Iñarritu e sua equipe (destaque, claro, para o diretor de fotografia Emmanuel Lubezki). Mas de nada isso adiantaria caso o filme não tivesse um conteúdo tão interessante. Enquanto desenvolve o fascinante arco dramático do protagonista Riggan Thomson (Michael Keaton, que deveria ter levado o Oscar para casa), com o qual qualquer um pode se identificar graças a seu desejo de ser reconhecido, o longa exibe belos toques metalinguísticos ao discutir o valor dado a formas de arte, como se algumas fossem menores e sem relevância só por mirarem o entretenimento ao invés de algo mais sério, uma visão que muitas pessoas infelizmente compartilham. O Oscar pode até ter decidido não consagrar a beleza de Boyhood, mas ao menos deixou suas estatuetas em boas mãos.


4) Sicario: Terra de Ninguém (Sicario), de Denis Villeneuve

Considerando as listas de 2013 e 2014, acho que colocar um filme de Denis Villeneuve entre os melhores do ano está virando um clichê de minha parte. Mas seria injusto se isso não ocorresse novamente este ano. Em Sicario, Villeneuve entra de cabeça na guerra contra as drogas, não se desviando da desumanidade que a permeia e de como isso afeta os personagens. Estes, por sua vez, se revelam bastante complexos diante dos conflitos morais que regem seu trabalho, algo que o excelente elenco encarna admiravelmente, merecendo destaque Emily Blunt como a agente idealista Kate Macer e, principalmente, Benicio Del Toro como Alejandro Gillick, certamente o personagem que fica na cabeça do público após o fim da sessão. Como se não bastasse, Villeneuve ainda é hábil ao criar uma atmosfera absurdamente tensa, concebendo uma narrativa que prende atenção do espectador ao mesmo tempo em que o afunda na cadeira. É uma obra exaustiva e impactante, representando mais um trabalho poderoso de seu talentoso diretor. Crítica completa.


3) Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert

Funcionando como um retrato da pirâmide social do Brasil e das mudanças que o país tem sofrido, Que Horas Ela Volta? se estabeleceu rapidamente como um exemplar fascinante do nosso riquíssimo cinema. Apresentando a empregada doméstica Val (vivida pela fantástica Regina Casé) como uma figura que não vê problema em ser tratada como alguém inferior aos patrões (que, vale dizer, não são vilanizados pelo roteiro), o longa aproveita para apontar o quão ultrapassado é esse pensamento, ao passo que a filha de Val, Jessica (personagem da excelente Camila Márdila, uma das revelações do ano), entra no jogo para dar uma espécie de choque de atualidade, tendo uma visão igualitária e mais consciente do potencial humano, aspecto que nenhum status econômico pode medir. Uma pena que o Oscar tenha decidido ignorar novamente um de nossos representantes, mas por sorte a obra de Anna Muylaert, com sua sensibilidade e importância, não precisa de prêmios para ser inesquecível.


2) Divertida Mente (Inside Out), de Pete Docter

Depois do maravilhoso Toy Story 3, a Pixar ficou um tempo realizando produções que em nada lembravam sua imensa força criativa, mas é bom ver isso ser compensado com sobras em Divertida Mente. Ao montar uma história que se concentra em analisar o funcionamento psicológico e emocional de uma criança, o estúdio faz um de seus melhores trabalhos e que pode ser considerada a animação mais ambiciosa de sua respeitável filmografia. Com um roteiro genial, o longa exibe uma sensibilidade profundamente tocante ao acompanhar arco dramático da pequena Riley e suas adoráveis emoções, mostrando no processo como todas estas são importantes para formar aquilo que somos (destaque, claro, para a Tristeza) e concebendo uma aventura deslumbrante. Para completar, o diretor Pete Docter lidera uma equipe que concebe brilhantemente a visão de Riley e a própria mente humana, com este último aspecto sendo bastante inventivo com seu centro de comando e ilhas de personalidades, exemplos de um design de produção primoroso. Divertida Mente traz a Pixar fazendo o que faz de melhor, encantando tanto pela diversão que proporciona quanto pelas lágrimas que causa. Crítica completa.


1) Mad Max: Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road), de George Miller

Se alguém tivesse me falado no início do ano que o primeiro lugar dessa lista ficaria com o quarto exemplar de uma série que esteve parada nos últimos 30 anos, eu honestamente não acreditaria. Mas Mad Max: Estrada da Fúria é absolutamente espetacular. George Miller fez muito mais do que dar um novo gás a série que começou em 1979 com Mel Gibson (substituído aqui pelo excelente Tom Hardy), tendo feito um filme que deveria ser estudado por qualquer realizador que deseje fazer um longa de ação. A expressão “de tirar o fôlego” é muito utilizada para descrever certas produções, mas raramente ela pode ser levada ao pé da letra como em Estrada da Fúria, passando a impressão de que a série guardou uma energia absurda desde o terceiro exemplar e resolveu soltar isso no espectador de uma vez só.  Miller recheia uma história bastante simples com sequências de ação exemplares, numa produção ambiciosa tanto técnica quanto tematicamente, conseguindo explorar maravilhosamente a força das mulheres (a Imperatriz Furiosa interpretada por Charlize Theron foi a grande heroína de ação de 2015) e realizando uma montanha-russa empolgante em níveis impressionantes, algo que no universo insano que toma a tela é considerado um dia adorável. Crítica completa.

Outros 34 títulos que merecem menção honrosa:

Acima das Nuvens (Clouds of Sils Maria), de Olivier Assayas
O Agente da U.N.C.L.E. (The Man From U.N.C.L.E.), de Guy Ritchie
Amizade Desfeita (Unfriended), de Leo Gabriadze
Branco Sai, Preto Fica, de Adirley Queirós
Califórnia, de Marina Person
Cinderela (Cinderella), de Kenneth Branagh
A Colina Escarlate (Crimson Peak), de Guillermo del Toro
O Conto da Princesa Kaguya (Kaguyahime no Monogatari), de Isao Takahata
Corações de Ferro (Fury), de David Ayer
Corrente do Mal (It Follows), de David Robert Mitchell
Dois Dias, Uma Noite (Deux Jours, Une Nuit), de Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne
A Entrevista (The Interview), de Evan Goldberg e Seth Rogen
A Espiã Que Sabia de Menos (Spy), de Paul Feig
Eu, Você e a Garota Que Vai Morrer (Me and Earl and the Dying Girl), de Alfonso Gomez-Rejon
O Expresso do Amanhã (Snowpiercer), de Bong Joon-Ho
Força Maior (Turist), de Ruben Östlund
Foxcatcher: Uma História Que Chocou o Mundo (Foxcatcher), de Bennett Miller
Frank, de Lenny Abrahamson
Kingsman: Serviço Secreto (Kingsman: The Secret Service), de Matthew Vaughn
Kurt Cobain: Montage of Heck, de Brett Morgen
Livre (Wild), de Jean-Marc Vallée
Macbeth: Ambição e Guerra (Macbeth), de Justin Kurzel
Magic Mike XXL, de Gregory Jacobs
Missão: Impossível - Nação Secreta (Mission: Impossible - Rogue Nation), de Christopher McQuarrie
No Coração do Mar (In the Heart of the Sea), de Ron Howard
A Pele de Vênus (La Vénus à la Fourrure), de Roman Polanski
Perdido em Marte (The Martian), de Ridley Scott
Ponte dos Espiões (Bridge of Spies), de Steven Spielberg
O Presente (The Gift), de Joel Edgerton
Selma: Uma Luta Pela Igualdade (Selma), de Ava DuVernay
A Travessia (The Walk), de Robert Zemeckis
Vício Inerente (Inherent Vice), de Paul Thomas Anderson
Whiplash: Em Busca da Perfeição (Whiplash), de Damien Chazelle

Para encerrar, quero agradecer a todos por nos seguirem por aqui e, claro, desejar um Feliz Ano Novo. Ouvi dizer que 2016 vai ser legal.

Um grande abraço!

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Kramer vs. Kramer

Nem sempre o Oscar concede seu prêmio de Melhor Filme ao melhor filme. Em algumas ocasiões, na verdade, a Academia consagra uma produção que poderia até ter ficado fora da cerimônia. Mas é possível ficar satisfeito com as decisões da premiação quando um filme excepcional sai agraciado. O Oscar de 1980 foi um exemplo disso. Em um ano que contava com o poderosíssimo Apocalypse Now entre os indicados, o drama familiar Kramer vs. Kramer foi quem saiu por cima. Mas mesmo que a realização de Francis Ford Coppola fosse a melhor, há de se admitir que Robert Benton concebeu uma obra maravilhosa à sua própria maneira.
Com roteiro escrito pelo próprio diretor, a partir do livro de Avery Corman, Kramer vs. Kramer inicia quando Joanna Kramer (Meryl Streep) decide abandonar seu marido, Ted (Dustin Hoffman), após anos de um casamento infeliz, já que ele dá mais atenção ao trabalho do que à própria família, o que inclui o filho deles, Billy (Justin Henry). Assim, Ted fica responsável por todas as tarefas domésticas e, sobretudo, por cuidar do garoto, algo difícil inicialmente graças ao distanciamento entre eles, à rotina do trabalho e à saudade que o menino sente da mãe. Aos poucos os dois se entendem, mas quando isso finalmente acontece Joanna retorna e dá início a uma disputa pela custódia de Billy.
Em Kramer vs. Kramer os relacionamentos entre os personagens são o mais importante, de forma que as motivações de todos e os sentimentos que eles têm precisam ficar sempre muito bem estabelecidos ao longo da narrativa. Olhando o início do filme, por exemplo, é possível entender um pouco o lado de Joana, pois Ted fica mais tempo que o necessário no trabalho. Mais tarde, vê-se o desconforto entre pai e filho, na cena em que eles tentam fazer café da manhã pela primeira vez, resultando num pequeno desastre, indicando a falta que Joanna faz naquele ambiente familiar. Aliás, a passagem propicia uma rima visual belíssima com determinada cena do terceiro ato.
Robert Benton desenvolve de maneira orgânica e sutil a proximidade entre pai e filho. Nas primeiras manhãs em que estão sozinhos, é curioso notar caminhões tirando o lixo da rua, algo que reflete o modo como eles se sentem sem Joanna, como se estivessem passando por uma espécie de reciclagem emocional. E se inicialmente vemos um Ted impaciente e um Billy um tanto desrespeitoso (como quando desafia o pai comendo uma colher de sorvete sem permissão), mais tarde o amor entre eles fica claro, em virtude da dinâmica que passam a ter, evidenciada pelo ótimo design de produção, que inclui desenhos de Billy nas paredes outrora vazias do apartamento e fotos do menino no escritório de Ted.
Mas é claro que as excelentes atuações do elenco são essenciais para que Kramer vs. Kramer seja tão interessante do ponto de vista dramático. Excepcional em como encarna a transformação de Ted de homem distante a pai afetuoso e responsável, Dustin Hoffman mostra uma segurança invejável, que explica muito porque ele é considerado um dos melhores atores de sua geração. A química dele com Justin Henry é nada menos do que perfeita para exibir o crescimento do amor entre seus personagens. Henry, por sua vez, interpreta Billy com uma naturalidade impressionante, tornando-o uma figura vulnerável e graciosa. Já Meryl Streep traz grande sensibilidade a Joanna, que poderia muito bem ser tratada como vilã, mas que, felizmente, é encarada pelo roteiro como uma mulher que fez o que precisava fazer para se reconstruir e voltar ao filho com mais segurança.
Levando tudo isso em conta, é bacana que o filme não tome partido no momento da disputa judicial. É natural que alguns personagens, como a vizinha Margaret (vivida com talento por Jane Alexander), e o próprio público fiquem do lado do pai, já que a relação dele com Billy é que ganha mais foco e cresce durante a história. Mas o carinho existente entre Joana e o filho é tão grande que é preciso apenas uma cena para mostrar como eles se importam um com o outro, sendo esta o emocionante reencontro numa praça, e é perfeito que Benton traga um Ted diminuído no fundo do quadro enquanto o garoto corre para os braços da mãe. Além disso, a disputa em si é a prova definitiva de que Billy é a razão de viver de seus pais, considerando que vemos verdadeiros golpes baixos desferidos, mostrando que vale tudo para vencer o caso.
Kramer vs. Kramer é uma obra que encontra força em sua delicadeza e em seus personagens, sabendo emocionar com naturalidade. Pode até não ter sido o melhor entre os indicados daquele Oscar, mas sem dúvida era um dos melhores, e o prêmio ao menos ficou em boas mãos.
Nota:

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

The Ridiculous 6

O investimento que a Netflix tem feito em conteúdo original tem rendido frutos riquíssimos, e não à toa o serviço de streaming vem ganhando uma popularidade cada vez maior. Enquanto produções como House of Cards e Orange is the New Black estão entre as melhores séries da atualidade, o recente Beasts of No Nation representou um excelente primeiro passo da empresa na realização de filmes. Mas é lamentável que já no segundo longa a Netflix dê um tiro no pé. Marcando o início da parceria com Adam Sandler, The Ridiculous 6 é uma comédia típica de seu grande astro. E a menos que você seja fã do ator, isso dificilmente representa algo suportável.
Com roteiro do próprio Sandler ao lado de Tim Herlihy, The Ridiculous 6 nos apresenta a Tommy (Sandler, em uma atuação monótona e sonolenta), sujeito que foi criado por índios depois da morte da mãe, ficando conhecido como “Faca Branca”. Quando seu pai, o ladrão Frank Stockburn (Nick Nolte), é sequestrado por uma gangue logo depois de encontrá-lo, Tommy parte em uma missão para conseguir o dinheiro que o salvará. O que não esperava era cruzar no caminho com outros cinco homens que, coincidentemente, também são filhos de Stockburn: o fazendeiro mexicano Ramon (Rob Schneider), o jovem retardado Lil’ Pete (Taylor Lautner), o corpulento de fala incompreensível Herm (Jorge Garcia), o ex-segurança Danny (Luke Wilson) e o pianista Chico (Terry Crews). E todos passam a se ajudar para salvar o pai.
Talvez Sandler e companhia quisessem fazer uma comédia de faroeste que fosse lembrada como algo do mesmo nível de Banzé no Oeste, mas o que alcançam aqui fica no polo oposto ao da obra memorável de Mel Brooks. Apostando numa história fraca e cuja premissa é explicada sempre que Tommy encontra um de seus irmãos, o filme é um daqueles trabalhos que subestima constantemente a inteligência do público e ainda monta uma narrativa que não poderia ser mais enrolada, de maneira que as duas horas de duração (repito: duas horas!) parecem intermináveis. O roteiro basicamente cria uma série de cenas desconexas e sem a menor graça, que servem como obstáculos não só para os personagens chegarem a seu objetivo, mas também para o público atingir o final do longa, já que várias delas apenas acrescentam minutos desnecessários à trama. Exemplo disso é a sequência do jogo de beisebol, que parece ter sido desenvolvida apenas para que John Turturro tivesse o que fazer.
Assim, The Ridiculous 6 acaba sendo uma grande tentativa de tirar leite de pedra, tarefa difícil quando não há nenhum sinal de talento. O diretor Frank Coraci (em seu quinto filme estrelado por Sandler) comanda uma narrativa aborrecida, que não foge da obviedade e constrange com piadas abestadas e estereótipos estúpidos (o que dizer dos nomes dos índios, que vão de “Sem Sutiã” a “Bafo de Castor”?). Além disso, nem mesmo a dinâmica do elenco se mostra cativante a ponto de sustentar a história, algo incrível considerando que Sandler chamou quase todos seus amigos para virem brincar (a única ausência talvez tenha sido Kevin James, que não fez falta alguma de qualquer forma).
Não há como saber o que o pessoal da Netflix tinha na cabeça ao fazer um acordo com Adam Sandler, considerando que o histórico dele não é muito animador. O que se sabe é que The Ridiculous 6 é o primeiro de quatro filmes desta parceria, e resta torcer para que as próximas produções tenham um pouco mais de piedade dos espectadores.

Nota:

sábado, 19 de dezembro de 2015

Star Wars: O Despertar da Força

Quando a Disney comprou a Lucasfilm e anunciou uma nova trilogia de Star Wars, a curiosidade com relação ao que viria a ser feito veio com certa facilidade, mas não sem um pouco de receio considerando que a última vez em que a saga esteve tão badalada foi antes de A Ameaça Fantasma, que decepcionou a maior parte dos fãs. No entanto, este tão aguardado sétimo exemplar, O Despertar da Força, faz com que quaisquer receios fiquem de lado durante suas pouco mais de duas horas de duração. Mesmo sem o envolvimento de George Lucas, que passa o bastão para J.J. Abrams, o filme rende uma experiência que faz jus ao que a série tem de melhor, além de colocar à prova o carinho que ela conquistou por parte do público ao longo dos anos.

Com roteiro escrito pelo próprio Abrams e Lawrence Kasdan (veterano da franquia, tendo escrito o melhor episódio, O Império Contra-Ataca) em parceria com Michael Arndt, O Despertar da Força tem uma trama bem simples. Tanto a Resistência liderada por Leia Organa (Carrie Fisher) quanto os membros da Primeira Ordem, que surgiu das cinzas do Império e ameaça a paz na galáxia (consequentemente anulando o final feliz de O Retorno de Jedi), estão à procura de Luke Skywalker (Mark Hamill). O dróide BB-8 é quem carrega a informação sobre onde estaria o Jedi, e ele tem a ajuda da jovem Rey (Daisy Ridley) e do stormtrooper desertor Finn (John Boyega) para chegar até a Resistência, arrastando a dupla para o meio do conflito intergaláctico.

Estruturalmente O Despertar da Força em vários momentos apenas repete o que foi feito em Uma Nova Esperança, como se os roteiristas tivessem pegado a fórmula usada naquele filme e decidido tocar em cada um de seus pontos principais. Por um lado, isso mostra uma certa falta de criatividade, mas por outro não deixa de ser uma maneira segura de nos reintroduzir naquele universo e dar partida na história que acompanharemos nessa nova trilogia. De um jeito ou de outro, felizmente J.J. Abrams (um diretor que vem se especializando em dar novo gás a franquias já estabelecidas, vide Missão Impossível e Star Trek) consegue fazer com que a fórmula funcione novamente. O filme jamais deixa de ser cativante e envolvente, já que o que ele apresenta e desenvolve durante a trama não só é interessante como também tem um peso dramático admirável e, por vezes, surpreendente, expandindo maravilhosamente o universo que conhecíamos.

Por sinal, em termos de elementos que são apresentados, é impossível não destacar os novos personagens. Partindo da forte dupla central formada por Rey e Finn (vividos com carisma e segurança por Daisy Ridley e John Boyega), passando pelo piloto Poe Dameron (que Oscar Isaac encarna com o grande talento que tem mostrado nos últimos anos), pelo complexo vilão Kylo Ren (o excelente Adam Driver), pelo diabólico General Hux (o ótimo Domhnall Gleeson) e chegando finalmente a figuras menores como Maz Kanata (Lupita Nyong’o) e o adorável BB-8, todos mostram potencial para se tornarem tão icônicos quanto Luke, Leia, Han Solo, Obi-Wan Kenobi, Darth Vader, Yoda e vários outros. E um dos pontos fortes de O Despertar da Força é exatamente a forma como eles interagem com os personagens clássicos, sendo ótimo que estes retornem por serem importantes para a trama e para o crescimento dessas novas figuras. O próprio filme tem noção da força desses personagens, exibindo um enorme respeito por eles, e revê-los traz sim arrepios inevitáveis, como quando Han Solo e Chewbacca entram na Millennium Falcon ou a primeira aparição de Leia (e é bacana ver intérpretes como Harrison Ford e Carrie Fisher voltarem confortavelmente aos papeis que marcaram/alavancaram suas carreiras).

Com uma série de sacadas divertidas (a resposta de BB-8 a Finn em determinado momento é hilária) e sequências de ação espetaculares, conduzidas com energia por Abrams, O Despertar da Força é irrepreensível quando o assunto é manter o público entretido. E vale dizer que isso é feito sem prejudicar a sensibilidade de momentos mais impactantes, e uma cena específica acaba chamando mais atenção nesse aspecto. Para completar, como todo exemplar de Star Wars, o filme é tecnicamente impecável. Enquanto o design de produção de Rick Carter e Darren Gilford é hábil na recriação desse universo e na concepção de novos cenários (como o escasso planeta Jakku e a sede da Primeira Ordem), a montagem da dupla Maryann Brandon e Mary Jo Markey mantém um ritmo ágil durante toda a narrativa, além de trazer as transições de cena típicas da saga, ao passo que a belíssima trilha de John Williams é praticamente a cereja do bolo para que o longa tenha o espírito da franquia.

Assim como Uma Nova Esperança e A Ameaça Fantasma, O Despertar da Força solta só uma faísca com relação ao que pretende contar ao longo de sua trilogia, servindo basicamente para apresentar peças que certamente ganharão maior aprofundamento nos próximos filmes. Mas é uma faísca empolgante, encantadora e tocante, que prova que a saga ainda tem condições de contar belas histórias mesmo depois de quase 40 anos, de forma que rever esses personagens e saber o que o destino lhes reserva é algo que mal posso esperar.

Nota:


domingo, 13 de dezembro de 2015

20.000 Léguas Submarinas

(Crítica originalmente publicada no Papo de Cinema)
Passar por cada uma das páginas de 20.000 Léguas Submarinas é uma experiência fascinante. Clássico da literatura mundial, o livro de Jules Verne apresenta uma viagem detalhista e brilhante pelas maravilhas da natureza submarina, mostrando o que ela pode proporcionar, usando seus icônicos personagens não só como guias por um universo rico, mas também para tratar do medo contido na reação da humanidade diante de descobertas que estão à frente de seu tempo. É um material irretocável e com grande potencial cinematográfico, algo que Walt Disney explorou em 1954 ao produzir esta adaptação dirigida por Richard Fleisher. A escala de superprodução ajuda a construir um filme que não faz feio diante da obra original.
Com roteiro de Earl Felton, 20.000 Léguas Submarinas começa em 1868, quando surge entre marinheiros o rumor de que um monstro está atacando os navios em pleno mar. Para investigar isso, o professor francês Pierre Aronnax (Paul Lukas), ao lado de seu fiel escudeiro Conseil (Peter Lorre), é chamado pelo governo norte-americano, juntando-se à tripulação de um navio que tem como objetivo abater o animal, tendo no arpoador Ned Land (Kirk Douglas) uma chance ímpar de cumprir essa missão. Mas ao baterem de frente com o monstro, este revela se tratar, na verdade, de um submarino tecnologicamente avançado chamado Nautilus, comandado pelo misterioso Capitão Nemo (James Mason), homem que há muito cortou relações com a humanidade, preferindo fazer sua vida no fundo dos mares e levando agora Aronnax, Conseil e Land em suas jornadas.
Iniciando com um zoom que entra nas páginas do livro original, 20.000 Léguas Submarinas abraça sem medo suas origens, e o que se vê ao longo da narrativa é um esforço em contar essa história de maneira vivaz e ágil. Sendo assim, visualmente o filme já merece destaque. Richard Fleischer, com a ajuda da fotografia de Franz Planer, aposta em cores quentes na maior parte do tempo para pincelar a tela, dando grande expressividade às imagens, ao passo que o design de produção faz um belo trabalho de recriação de época e brilha, principalmente, na concepção do Nautilus. Aqui temos um espaço impressionante tanto por sua beleza quanto por representar um feito tecnológico e científico intimidador. Intimidação esta que não deixa de ser um reflexo da própria personalidade do Capitão Nemo.
Enquanto isso, o espírito aventureiro das palavras de Jules Verne se faz presente notavelmente na narrativa. O filme mantém o espectador constantemente entretido, seja pela energia imposta por Richard Fleischer ou pela própria leveza de certos momentos, como o número musical protagonizado por Ned Land ou as aparições da foca Esmeralda, elementos que não vêm do livro e que certamente não estariam presentes caso a produção fosse de outro estúdio. Além do mais, Fleischer conduz eficientemente as cenas de ação, merecendo óbvio destaque a sequência em que um polvo ataca o Nautilus, momento que impressiona mesmo depois de 60 anos por sua tensão e pela convincente concepção do animal. Para completar, o diretor merece créditos por exibir um bem-vindo senso de admiração diante do universo submarino, filmando as expedições feitas pelos personagens de maneira bastante contemplativa, ideal para apresentar o público às maravilhas dos lugares.
No papel do Professor Aronnax, Paul Lukas é o mais próximo que o filme tem de uma bússola moral e de uma âncora emocional para o espectador, cumprindo essas funções muito bem ao emprestar carisma para o personagem e ao encarnar sua integridade com a segurança que se esperaria de um ator como ele. Já Peter Lorre fica sempre à sombra de seus colegas, não conseguindo muito destaque como Conseil, enquanto o ótimo Kirk Douglas diverte ao interpretar o jeito arrogante e viril de Ned Land com a energia que marcou sua imagem nas telonas. Mas é James Mason quem acaba sendo o grande nome de 20.000 Léguas Submarinas, até por ter em mãos o personagem mais interessante do projeto. Numa atuação em que o mero tom de voz já revela uma força admirável, o ator cria um Capitão Nemo cortês e inteligente, cuja impaciência com os seres humanos esconde suas feridas mais profundas. Não é nada difícil compreender seu ponto de vista em relação à humanidade e o porquê dele não querer compartilhar as descobertas que deram vida a seu submarino, já que nossas falhas como espécie parecem sempre ofuscar nossas maiores virtudes.
Funcionando como entretenimento, sem para isso sacrificar os temas mais sérios que ajudaram o livro de Jules Verne a ser tão marcante, 20.000 Léguas Submarinas enfatiza as palavras de seu Capitão Nemo, “Há esperança para o futuro”, indicando que seus conhecimentos talvez sejam compartilhados quando estivermos prontos. Mas considerando que ainda nutrimos certo gosto pela autodestruição e pelo ódio, fica a pergunta: estaremos prontos algum dia?
Nota:

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

No Coração do Mar

Em 1820, numa época em que o óleo de baleias era uma mercadoria valiosa, o navio Essex partiu com sua tripulação em uma longa jornada para encher o maior número possível de barris com o produto. O que os homens a bordo não imaginavam era que iriam bater de frente com uma cachalote que arrasou o navio e os deixou perdidos no mar durante meses, obrigando-os a cometer atos horríveis para manterem-se vivos. O evento veio a ser uma das principais influências do autor Herman Melville na concepção do clássico literário Moby Dick e foi o foco de No Coração do Mar, livro de Nathaniel Philbrick que agora ganha uma adaptação para o cinema pelas mãos de Ron Howard, rendendo uma produção eficiente ao retratar com propriedade a tensão e o desespero que aqueles homens enfrentaram.

No Coração do Mar começa em 1850, mostrando o próprio Herman Melville (Ben Whishaw) tentando falar com Thomas Nickerson (Brendan Gleeson), último membro vivo da tripulação do Essex e atormentado pelas memórias da tragédia que vivenciou. A partir dos relatos de Nickerson, vamos para 1820, quando ele era apenas um garoto (vivido por Tom Holland) em sua primeira experiência no mar, estando sob o comando do capitão George Pollard (Benjamin Walker) e do primeiro imediato Owen Chase (Chris Hemsworth), que iniciam uma grande rivalidade. Mas o que deveria ser uma jornada de trabalho tranquila vira um caos depois que o navio chega a uma região arriscada.

Ao longo do filme, Ron Howard se esforça para contar a história de forma que ela tenha o peso que merece, e é bom ver que esses esforços têm resultado na tela. O diretor não desvia o olhar de detalhes mais desconfortáveis da trama, seja nos obstáculos viscerais enfrentados pelos personagens ou no trabalho deles tirando o óleo das baleias, aspecto no qual é possível ver a boa dinâmica da tripulação do Essex e um curioso senso de humor (a cena em que o jovem Thomas Nickerson entra em uma baleia é exemplo perfeito disso). Além disso, Howard exibe segurança ao conduzir os embates envolvendo o cachalote, conseguindo impor tensão de maneira ágil, ainda que o fraco 3D prejudique um pouco as cenas.

Mas é nas consequências dos ataques do animal ao navio que No Coração do Mar encontra maiores forças. São detalhes que obviamente acabam sendo muito mais impactantes, e Ron Howard merece créditos por retratar eficientemente a desolação sentida pelos personagens, que se veem em uma situação que fica mais aterrorizante e vulnerável a cada dia que passa. No entanto, vale dizer que o fato de o roteiro dedicar boa parte do tempo para desenvolver aqueles indivíduos, de forma que sejam um pouco mais do que meros pedaços de carne unidimensionais, facilita a identificação do público com eles, ao passo que o bom elenco não só ajuda a torna-los interessantes como também encarna convincentemente seu desgaste gradual.

Trazendo um design de produção impecável e um ótimo trabalho de montagem, que intercala com naturalidade o passado de 1820 com o presente de 1850, No Coração do Mar é o segundo acerto seguido de Ron Howard (o outro sendo Rush), dando um bom respiro a sua filmografia. Ao explorar sem medo o fato de que a humanidade às vezes não é nada diante de outras espécies que habitam esse mundo (algo sintetizado em um diálogo entre Owen Chase e George Pollard), Howard faz uma obra admirável e que não se segura exclusivamente em sua escala espetacular para manter o público envolvido em sua história marcante.

Nota: