E
chegamos ao nosso último post da cobertura dessa 47ª Mostra Internacional de Cinema
de São Paulo. Nos oito dias que fiquei na cidade, assisti a 30 filmes e consegui
produzir conteúdo sobre todos. No processo, creio ter conseguido bater de
frente com inseguranças que costumo ter em relação tanto ao meu trabalho quanto
a mim mesmo, o que faz eu pensar que essa cobertura foi uma das experiências
mais enriquecedoras que já tive.
Espero
que tenham curtido os comentários tanto quanto eu curti assistir aos filmes e
escrever sobre eles. Foi um trabalho cansativo, mas certamente prazeroso e que
espero repetir mais vezes no futuro próximo.
Bom,
vamos aos últimos quatro filmes que conferi.
Uma Revolução em Quadros (A Revolution on Canvas, 2023), de Sara Nodjoumi e Till Schauder:
Documentário
produzido pela HBO, Uma Revolução em Quadros foca no pintor iraniano
Nicky Nodjoumi, que em 1980 se exilou nos Estados Unidos durante a Revolução
Islâmica por conta de ameaças e acusações de traição, já que ele era crítico do
regime do Irã na época. A fuga ocorreu antes de uma exibição que ele iria
fazer, de forma que ele deixou para trás todas as obras que seriam expostas. O
documentário, codirigido pela filha de Nicky, Sara Nodjoumi, investiga o
paradeiro dessas obras e os esforços do artista e de sua família para
recuperá-los, ao mesmo tempo em que conhecemos o artista e vemos o quanto seu
ativismo afetou sua vida pessoal.
Seja
pela história de Nicky Nodjoumi e sua família ou pela investigação sobre suas
obras, Uma Revolução em Quadros se revela muito rico. Estabelecendo bem
o contexto do exílio do artista e fazendo um retrato eficaz do autoritarismo
que domina seu país, o filme é envolvente em sua investigação, que se revela
nada simples e bastante arriscada, a ponto de Sara Nodjoumi e Till Schauder
(marido dela e codiretor do filme) terem que censurar até os nomes das pessoas
que os ajudam. Além disso, o longa fala com propriedade sobre sacrifícios que
são feitos em nome de algo maior, o que faz a história de Nicky e a relação
dele com sua família render momentos muito tocantes.
Nota:
O
estilo non sense de Taika Waititi se mistura com todos os clichê
possíveis neste Quem Fizer Ganha. No longa, que se passa em 2011, acompanhamos
a seleção de futebol da Samoa Americana, na época a última colocada no ranking
de seleções da FIFA e conhecida por uma derrota histórica de 31 a 0 para a
Austrália. É então que o técnico Thomas Rongen (Michael Fassbender) é
contratado para tentar fazer o time dar a volta por cima, o que na verdade
significa apenas marcar um gol, pouco importando os resultados.
É
natural sentir simpatia pela história que é contada, já que se trata do
clássico “Davi contra Golias” em que torcemos para figuras pouco afortunadas
terem sucesso. Mas mesmo assim, é preciso reconhecer que Taika Waititi faz um
filme formuláico, previsível e por vezes maniqueísta demais. Somando isso ao non
sense totalmente sem controle do diretor, Quem Fizer Ganha acaba se
tornando uma experiência mais irritante do que propriamente engraçada, sendo
que Waititi ainda retrata o povo da Samoa Americana como figuras estereotipadas
e engraçadinhas que nunca soam realmente humanas.
Nota:
O Livro das Soluções (Le Livre des solutions, 2023), de Michel Gondry:
Acho
que O Livro das Soluções foi uma das minhas grandes frustrações entre os
longas que assisti na Mostra. Gosto do estilo e do senso de humor de Michel
Gondry, que se fazem presentes neste novo trabalho, mas acabam auxiliando uma
narrativa sem foco e protagonizada por um sujeito que beira o insuportável.
Escrito
pelo próprio Gondry, O Livro das Soluções reflete a relação que o
diretor teve com produtores em alguns de seus projetos. Aqui, Marc (Pierre
Niney) é um jovem cineasta em meio a realização de seu mais novo filme. Mas
quando os produtores detestam uma versão não-finalizada da obra e resolvem tirá-la
de suas mãos, o diretor decide pegar todo o material filmado e finalizá-lo na
casa de sua tia Denise (Françoise Lebrun), tendo a ajuda da montadora Charlotte
(Blanche Gardin) e de sua assistente Sylvia (Frankie Wallach).
Seria
o filme uma crítica a como estúdios tratam a liberdade criativa de seus
diretores? Estaria Michel Gondry querendo compartilhar com as pessoas
(principalmente artistas em potencial) o que sabe sobre o processo de
realização de uma obra de arte? Ou ele quer tratar das ansiedades resultantes
de um processo criativo? No fim, Michel Gondry parece querer falar sobre muitas
coisas ao longo de O Livro das Soluções, mas acaba não falando sobre
nada.
Muito
se deve também a aleatoriedade que toma conta da cabeça do protagonista, que muitas
vezes não sabe o que quer fazer primeiro. E isso é apenas uma das coisas que
tornam Marc um teste de paciência para o espectador, já que sua bipolaridade e egocentrismo
se mostram irritantes e ele chega a ser até abusivo em determinados momentos com
quem quer apenas ajudá-lo.
Nota:
Maestro (2023), de Bradley Cooper:
Aguardada
cinebiografia do maestro e músico Leonard Bernstein dirigida por Bradley Cooper,
Maestro segue a vida de Bernstein (vivido pelo próprio Cooper) ao longo de
50 anos, mostrando o sucesso dele desde cedo como condutor de grandes orquestras,
sua sexualidade e seu casamento com Felicia Montealegre (Carey Mulligan).
Como
ator, Bradley Cooper faz um bom trabalho encarnando a segurança de Leonard Bernstein
como artista, algo que só aumenta e se torna mais sutil com o passar dos anos, sendo
que o ator ainda mantém grande expressividade mesmo quando por baixo de toda a excelente
maquiagem que utiliza quando o personagem fica mais velho. Já a ótima Carey
Mulligan traz força e resiliência a Felicia, uma mulher que se recusa a viver na
sombra do marido mesmo quando isso parece inevitável. E por mais conturbado que
seja o casamento dos personagens, seus intérpretes conseguem mostrar bem o afeto
entre eles.
No entanto,
enquanto o roteiro escrito por Cooper e Josh Singer faz um belo retrato da relação
entre Bernstein e Montealegre, outras coisas parecem ser jogadas na tela apenas
para que o filme possa dizer que as incluiu, como o uso de drogas por parte do protagonista
e os namoros dele com outros homens (em especial Tom Cothran), que mais parecem
devaneios do que propriamente relacionamentos. Este último quesito é até curioso
considerando que o filme trata a sexualidade de Leonard Bernstein abertamente, de
forma que talvez tenha faltado um pouco de coragem a Cooper e sua equipe para se
aprofundar mais nesse aspecto.
Já na
direção, há sacadas interessantes de Bradley Cooper. A lógica visual do filme, por
exemplo, é primorosa, iniciando com uma razão de aspecto 1.33:1 em preto e branco,
para então adicionar cores na segunda fase da vida do protagonista e aumentando
a razão de aspecto para o habitual 1.85:1 apenas quando chega na fase final, o que
sinaliza como uma passagem se soma a outra. Além disso, Cooper é hábil ao usar uma
maior profundidade de campo para retratar o modo que Felicia fica, por vezes, relegada
na vida do protagonista, ao passo que planos mais longos trazem uma maior naturalidade
a determinadas cenas. Porém, há vários outros momentos em que Cooper parece apenas
querer se exibir, usando travellings que viajam pelos cenários e um extenso número
de raccords (transições de cena que mantêm a continuidade entre um plano
e outro), recursos que acabam chamando atenção demais para seu diretor.
Maestro
no fim se equilibra entre altos e baixos, conseguindo até ser eficaz como filme,
ainda que não tão brilhante como a figura que retrata na tela.
Nota:
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