Em meio ao susto com o tamanho de São Paulo, ansiedade e pensamentos de “O que diabos estou fazendo aqui?”, finalmente dei início a essa aguardada cobertura da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Um início bem leve com apenas três filmes, servindo como uma espécie de aquecimento para a correria que esses dias prometem ser.
Sem
mais delongas, esses são os três primeiros filmes que conferi:
Portavoz (Passe-parole, 2023), de Mario Valero:
Situado
entre as cidades de Paris, Marselha e Bruxelas entre 2019 e 2020, Portavoz
mistura ficção e imagens documentais para fazer um retrato de um grupo de
amigos, principalmente o casal Pierre e Mila (Hugues Perrot e Elise Vilain-Gosselin,
respectivamente), enquanto vivem cotidianos bastante comuns com seus trabalhos,
ideias e relacionamentos.
Partindo
disso, o filme tem um ou outro momento interessante, como a cena em que duas
mulheres cantam a música que surge pontualmente ao longo da história. Mas a
mistura entre ficção e documentário, que é curiosa como ideia, cria um problema
difícil de ignorar, já que infelizmente o diretor Mario Valero não consegue
usar o recurso para que ambos os aspectos da narrativa se potencializem, de
forma que o documental artificializa o ficcional. Sem falar que os personagens
não se mostram tão cativantes, mesmo levando rotinas com as quais poderíamos
nos identificar.
Nota:
Gamodi (2023), de Felix Kalmenson:
Outro
filme que se constrói no meio da pandemia, dessa vez em Tiblissi (capital da Geórgia), Gamodi foca sua narrativa em
Victor (Matta Shally), uma drag queen que faz sucesso na TV, e no adolescente
sem teto Tarzan. Ambos buscam lidar como podem com realidades bastante sombrias
e que parecem piorar devido ao isolamento imposto pelo contexto do mundo, tendo
como principal cenário um prédio que aparenta ou ser uma obra inacabada ou estar
apenas caindo aos pedaços.
Dirigido
por Felix Kalmenson, Gamodi praticamente não conta com diálogos ao longo
da trama, mas ainda demonstra ter algo a dizer com sua narrativa, fazendo de
certa forma uma reflexão em cima de ilusões que criamos e a realidade que encaramos.
É algo bem ilustrado em uma longa cena em que vemos o programa de Victor na
televisão, repleto de cores quentes e animação, enquanto ele fuma no canto de
uma sala escura e sem vida, ou quando Tarzan encontra o projeto do prédio,
mostrando como aquele lugar foi imaginado e o quão longe isso está da
realidade.
É
uma pena, porém, que tudo o que o diretor tem a dizer com essas reflexões já
fique dito na metade do filme, fazendo a segunda metade da projeção se estender
mais do que precisava enquanto a história fica sem ter muito pra onde ir, o que tira
um pouco da força do que vinha sendo construído.
Nota:
The Royal Hotel (2023), de Kitty Green:
Filme
que reúne a diretora Kitty Green e a atriz Julia Garner após elas terem feito A
Assistente, The Royal Hotel é um thriller que busca criar tensão ao
jogar suas protagonistas no meio de um cenário dominado pela masculinidade.
Inspirado pelo documentário Hotel Coolgardie (que não assisti), o filme
nos apresenta a Hanna e Liv (vividas por Garner e Jessica Henwick,
respectivamente), duas jovens que estão fazendo um mochilão pela Austrália. Mas
quando se veem absolutamente sem dinheiro, elas acabando aceitando ir trabalhar
como garçonetes no Royal Hotel, um bar no meio do nada, movimentado no pior
sentido da palavra e habitado majoritariamente por homens que claramente não inspiram
confiança – isso quando não são abertamente babacas.
E
trata-se de um longa eficaz naquilo que se propõe, com Kitty Green usando a
bagunça do estabelecimento e os abusos que ali ocorrem para criar uma atmosfera
inquietante que percorre a narrativa praticamente o tempo inteiro. O grande
mérito do filme, aliás, é passar para o público a impressão de que algo
horrível está prestes a acontecer a qualquer momento, de maneira que é difícil
não sentir alguma coisa errada naquela situação mesmo quando estamos diante de
algo tranquilo como um banho em uma cachoeira.
Contribui
muito para isso também o trabalho de Julia Garner e Jessica Henwick, cujas
personagens não conhecemos de maneira muito aprofundada ao longo da história, mas
têm personalidades completamente diferentes e que se chocam quando menos
esperamos. Garner em particular se destaca ao fazer de Hanna uma figura que,
mesmo frágil, mostra um grande esforço para se impor diante dos homens nojentos
que ficam ao seu redor.
The
Royal Hotel pode frustrar com algumas soluções da trama, que não chegam a
ser tão catárticas, mas ainda assim a apreensão que sentimos pelas personagens
acaba valendo o filme.
Nota:
2 comentários:
Bah, quando vi a Julia Garner no poster do filme, soube que não poderia ser ruim. Ansioso pelas próximas reviews.
Excelente! Irei acompanhar a mostra por aqui e pelo Instagram. O bom da crítica é nos ajudar a não gastar com filme ruim. Focarei nos melhores.
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