Uma das coisas bacanas da Arte é
a possibilidade de interpretar as intenções por trás das obras. Falando de
Cinema, nem todos os filmes são interessantes chamam atenção até nos detalhes
mínimos, mas uma grande parte deles é, mesmo aqueles dos quais poderíamos não
esperar nada além de um entretenimento eficaz. E sentimos uma sensação gostosa
quando percebemos coisas pequenas, mas que são capazes de enriquecer ainda mais
a narrativa. Hoje, vou usar Quatro Irmãos, thriller de ação de 2005 e
dirigido por John Singleton, como exemplo disso.
No filme, Mark Wahlberg vive
Bobby Mercer, cuja mãe adotiva Evelyn (Fionnula Flanagan) é assassinada durante
um assalto, o que faz ele retornar à cidade onde cresceu. Se deixando levar
pelo instinto de vingança, ele investiga o crime ao lado de seus irmãos Angel,
Jeremiah e Jack (Tyrese Gibson, André Benjamin e Garrett Hedlund,
respectivamente), e os quatro veem que a morte da mãe pode ter tido motivações maiores
do que se imaginava inicialmente.
Pra quem não sabe, o longa é uma
refilmagem de Os Filhos de Katie Elder, faroeste de 1965 dirigido por
Henry Hathaway e estrelado por John Wayne e Dean Martin. Mas apesar de pegar a
mesma premissa, Quatro Irmãos segue caminhos muito diferentes daqueles
da obra original. Ao adaptar a trama para os dias atuais e em meio ao inverno da
cidade de Detroit, o longa se afasta da estética árida e clássica do faroeste. John
Singleton, porém, não ignora as raízes do gênero por completo. Afinal, uma das
convenções que se estabeleceram rapidamente no faroeste foi a maneira de
identificar os heróis e os vilões. Enquanto os primeiros ganharam o costume de
usar chapéus brancos, sinalizando seu bom mocismo e moral inabalável, os
últimos usavam chapéus pretos, em um alerta do perigo que representavam
(abaixo, Alan Ladd e Jack Palance como Shane e Jack Wilson, respectivamente o herói
e o vilão do clássico Os Brutos Também Amam).
Em Quatro Irmãos, os
chapéus não ganham destaque, mas isso ocorre porque John Singleton, obviamente,
preferiu usar a contraparte invernal do acessório: toucas. É algo que podemos
ver com mais força no terceiro ato, durante o embate entre Bobby e o vilão
Victor Sweet (Chiwetel Ejiofor). No entanto, Singleton aproveita para mudar um
pouco a famosa convenção. Aqui, Sweet é quem utiliza a touca branca, enquanto
Bobby surge com a touca preta.
É uma sacada simples, pequena,
que não muda nada na trama. Mas acredito que ela revele muito sobre os
personagens e como eles veem a si mesmos. Bobby, por exemplo, é um sujeito para
quem torcemos ao longo da história, mas que age de maneira brutal diversas
vezes, chegando a matar a sangue frio figuras que já deixaram de representar uma
ameaça. É um anti-herói clássico, e o fato de ele usar a touca preta não só
ajuda a sinalizar isso, mas também mostra que ele próprio não se vê como um
exemplo de integridade, sendo capaz de absolutamente qualquer coisa para vingar
a mãe.
Enquanto isso, Victor Sweet é um
homem tão brutal quanto o protagonista. Ameaçador desde a primeira cena em que
aparece, Sweet faz o possível para ter a cidade inteira nas mãos, não hesitando
em pegar em armas se o contrário ocorrer. O sujeito gosta tanto do poder que
isso lhe traz que não perde uma oportunidade de humilhar seus capangas. Ele
estar com a touca branca no embate final, portanto, poderia ser um sinal de
pura hipocrisia... A menos que Sweet não se veja como vilão. Na verdade, ele
parece alguém que pensa ser um grande salvador da pátria, que encontra
justificativa para seus atos no fato de quase todo mundo ao seu redor dever
alguma coisa a ele (como os Mercer não estão nessa lista, o embate entre ele
e os quatro irmãos é até natural). Mas se ignorarmos tudo isso, talvez Victor
Sweet ainda acredite ser, no mínimo, o herói de sua própria vida, alguém que se
rebelou contra o tio violento para assumir seu poder, como é mencionado em
determinado momento do filme.
Tudo isso, claro, é apenas uma
interpretação de minha parte. Pode ser uma grande viagem e John
Singleton usou aquelas toucas só porque elas estavam disponíveis no momento. Mas ainda que
haja essa possibilidade, é legal quando um filme cativa o espectador e o faz pensar além do que apresenta na superfície.
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