Introduzido no universo Marvel na
ótima primeira temporada de Jessica Jones, Luke Cage rapidamente se estabeleceu como um personagem
interessante, tendo sido bom ver que sua participação na série da anti-heroína interpretada
por Krysten Ritter teve um destaque maior do que ser apenas uma mera
apresentação ao público. Ganhando agora sua própria série, este novo herói tem
a chance de ter seu potencial mais explorado, além de ser por si só um ponto
para a representatividade, já que não é sempre que minorias aparecem
protagonizando grandes produções como esta, que é a primeira empreitada do
universo Marvel centrada em um personagem negro. O que se vê aqui é uma série
eficiente, ainda que inferior a Demolidor
e Jessica Jones no que diz respeito
aos trabalhos da parceria Marvel/Netflix.
Desenvolvida por Cheo Hodari
Coker (cujos créditos incluem Ray
Donovan e a cinebiografia Notorious
B.I.G.), essa primeira temporada de Luke
Cage traz o indestrutível personagem-título (novamente interpretado por
Mike Coulter) vivendo no Harlem, bairro famoso por ser um grande centro da
comunidade negra em Nova York. Por ali, Luke tenta não chamar a atenção de
ninguém, mantendo suas habilidades em segredo e se dividindo entre seus empregos
na barbearia comandada pelo bondoso Pop (Frankie Faison em uma participação
pequena, mas marcante) e na boate de Cornell “Boca de Algodão” Stokes
(Mahershala Ali). Este último é um dos maiores mafiosos da região e primo da
vereadora Mariah Dillard (Alfre Woodard), com quem tem uma parceria corrupta que
ajuda a mantê-los em suas respectivas posições de poder, e ambos ganham ainda a
ajuda de Shades (Theo Rossi). Mas é claro que não demora até que eles batam de
frente com Luke, desencadeando uma série de conflitos pelo Harlem que acabam
sendo investigados pela detetive Misty Knight (Simone Missick) e seu parceiro
Rafael Scarfe (Frank Whaley).
Claramente inspirada por
produções de blaxploitation,
movimento de filmes feitos e protagonizados por negros e que tomou as telas na
década de 1970, Luke Cage logo
mostra seguir um tom diferente de qualquer coisa que a Marvel já produziu. Com
uma ótima trilha repleta de toques de soul, jazz e hip-hop composta por Ali
Shaheed Muhammad e Adrian Younge, a ambientação no Harlem e as discussões
pontuais envolvendo a cultura negra e seus principais expoentes, a série ganha
uma personalidade muito particular graças à natureza de seu material, algo que
ela abraça sem pestanejar. Além disso, os episódios não deixam de abordar questões
sociais importantes, inserindo comentários sobre escravidão, racismo e sexismo,
ainda que por vezes isso ocorra de um jeito óbvio e superficial.
Sabendo que os poderes de Luke
Cage quase anulam as possibilidades de ele ficar em risco nas cenas de ação
(ênfase no “quase”), a série acerta ao se concentrar bastante nos dramas
pessoais do herói e nas rixas que ele cria com os vilões, e nesses aspectos
estão alguns dos melhores pontos dessa temporada. Inicialmente, Luke vê seus
poderes como uma maldição que o impede de ser uma pessoa normal, mas é bacana
ver que, depois que ele os abraça como uma possibilidade de fazer o bem, o
personagem utiliza-os não só como uma forma de derrubar bandidos e tornar seu
mundo um pouco mais limpo, mas também de impedir que pessoas que ele quer
proteger sujem as mãos (o quinto episódio mostra isso muito bem). Para
completar, melhor do que ver os embates diretos entre o protagonista e seus
inimigos é acompanhar as estratégias de ambos os lados para derrubar um ao
outro, com a imagem que a população tem deles sendo um dos aspectos mais utilizados
para isso.
Voltando confortavelmente ao
papel de Luke Cage, o carismático Mike Coulter tem uma presença em cena que
mistura imponência, charme e virilidade, características que acabam combinando
perfeitamente com o personagem. E é bom ver como o ator ainda mostra saber entreter
com o controle que Luke tem quanto os próprios poderes, divertindo com a calma
que exibe enquanto alguns capangas desesperados o enfrentam (como não rir em
momentos como aquele em que ele coloca alguém para dormir com um peteleco?). Já
no elenco de apoio, Rosario Dawson volta a interpretar a enfermeira Claire
Temple dando continuidade ao arco da personagem iniciado na primeira temporada
de Demolidor, fazendo dela uma figura cada vez mais interessante, ao passo que
Simone Missick se destaca ao estabelecer Misty Knight como uma policial que
conquista o espectador com sua força e integridade. E se Theo Rossi compensa a
unidimensionalidade de Shades ao torna-lo um braço-direto cuja racionalidade é vital
para os chefes impulsivos, Mahershala Ali cria em Cornell Stokes um mafioso que
segue a linha Wilson Fisk (ou seja, se meter com ele é assinar a própria
sentença de morte), enquanto que Alfre Woodard faz de Mariah Dillard uma figura
por vezes mais inteligente e ameaçadora que o primo, e ambos os atores formam
uma bela dinâmica vilanesca entre seus personagens. É exatamente por a dupla ser
tão bacana que é uma pena vê-la perder espaço na segunda metade da temporada
para Kid Cascavel, cuja aparição é preparada desde o começo, mas que se revela
um vilão um tanto aborrecido quando finalmente surge em cena, por mais que o
roteiro e seu intérprete, Erik LaRay Harvey, se esforcem para fazer dele um
sujeito intrigante.
Este, porém, não é o único
problema que impede essa temporada de Luke
Cage de ser um pouco mais consistente. Tendo que cumprir a demanda de treze
episódios, a série infelizmente enrola demais a trama, como ao esticar por dois
capítulos o momento em que o protagonista invade um esconderijo de Cornell
Stokes, se estruturando de um jeito que passa a impressão de que não há material
suficiente para a temporada toda. Isso, inclusive, leva os roteiristas a fazer
algo parecido com o que ocorreu no recente segundo ano de Demolidor, organizando dois arcos narrativos que se dividem fragilmente
a partir da metade da temporada, e por precisar lidar com isso e mais algumas
subtramas a série acaba ganhando um ritmo irregular, mesclando grandes momentos
com outros não tão interessantes, não conseguindo ser constantemente envolvente.
Mas por mais que haja uma
sensação de que a temporada talvez pudesse ser melhor, felizmente os elementos ricos
que ela apresenta sustentam bem os episódios. Assim, Luke Cage consegue ficar marcada como um exemplar satisfatório da
franquia que a Marvel vem concebendo. E considerando que antes de uma provável
segunda temporada o protagonista retornará em Os Defensores, minissérie que reunirá os heróis das produções da
Marvel/Netflix, é inevitável ficar interessado em ver como a história dele e
dos outros personagens irão se encontrar.
Leia as críticas das outras
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