It: Uma Obra-Prima do Medo. Assim se chamou aqui no Brasil a
minissérie de 1990 que adaptava pela primeira vez um dos livros mais conhecidos
de Stephen King. No entanto, apesar do que o título brasileiro tenta vender,
aquela produção fica longe de ser uma obra-prima, contando com uma boa parcela
de irregularidades ao longo de suas três horas de duração, que acabavam não
sendo tão marcantes mesmo com toda a tensão proporcionada pela presença
desconfortante do palhaço Pennywise (então interpretado por Tim Curry). Tendo
uma segunda chance no meio audiovisual nesta nova versão comandada por Andy
Muschietti (de Mama), a história concebida
por King rende agora um longa bem mais eficaz, contando com uma densidade maior
para os dramas de seus personagens enquanto não se desvia das consequências
horripilantes dos atos de seu vilão.
Escrito pela dupla Chase Palmer e
Cary Fukunaga e por Gary Dauberman, It:
A Coisa se passa no fim da década de 1980 na cidade de Derry, cujos
habitantes têm sofrido com os desaparecimentos de algumas crianças da
região, com muitas já sendo dadas como mortas. Mesmo assim, o jovem Bill (Jaeden
Lieberher) se esforça ao máximo para descobrir onde está seu irmão mais novo.
Durante as investigações, Bill e seus amigos de escola Richie (Finn Wolfhard),
Eddie (Jack Dylan Grazer) e Stanley (Wyatt Oleff) se juntam aos colegas Ben
(Jeremy Ray Taylor), Beverly (Sophia Lillis) e Mike (Chosen Jacobs), já que
todos passam a ser assombrados pela coisa responsável pelos desaparecimentos, e que durante boa parte do tempo assume a aparência do palhaço Pennywise (dessa
vez interpretado por Bill Skarsgård) para atrair suas presas.
Concentrando-se exclusivamente na
fase infanto-juvenil de seus protagonistas e deixando de lado a parte da
história focada na fase adulta, o filme aproveita o período no qual é situado e
se desenvolve como uma aventura típica da década de 1980. Ao longo da projeção,
é difícil não lembrar de produções recentes como Super 8 e a série Stranger Things (da qual o filme até pegou emprestado um dos protagonistas, Finn
Wolfhard), que também abraçam com gosto o período em questão ao seguirem a
linha de clássicos como Os Goonies e
E.T.: O Extraterrestre. A diferença de
It, claro, reside na abordagem mais
pesada que Andy Muschietti emprega, e logo no começo, quando nos deparamos com o
primeiro ataque de Pennywise, já podemos ver que o diretor não está para
brincadeira ao conceber o terror da narrativa.
Nesse aspecto, Muschietti pode
até apelar pontualmente para jump scares
comuns, mas ainda é hábil ao construir uma narrativa envolvente e com atmosfera
de tensão que se faz presente durante boa parte do tempo, algo que ganha força
nas sequências em que Pennywise ataca os membros do Clube dos Perdedores (como os
protagonistas se autointitulam) e outras vítimas, rendendo momentos que são
capazes até de chocar ao retratar a violência sem pestanejar (a imagem de uma
criança com o braço decepado é particularmente marcante). Para reforçar a tensão,
o cineasta também tem o auxílio da ótima fotografia de Chung Chung-hoon
(parceiro habitual do grande Park Chan-wook), que com sua paleta sombria traz
um misto de melancolia e inquietude ao que se vê na tela, enquanto que o design
de produção de Claude Paré não só faz um belo trabalho de reconstrução de
época, mas também concebe cenários apropriadamente macabros, desde o porão
escuro da casa de Bill até a casa abandonada visitada por ele e seus amigos em
determinado momento.
No entanto, se o aspecto
aterrorizante da narrativa funciona com eficácia, isso se deve principalmente
ao fato de Andy Muschietti conseguir dar peso as duras vidas de seus
personagens. Além de estarem num período que já não é particularmente fácil por
conta da puberdade e todas as mudanças que ela traz (aliás, mesmo falando de
crianças, o filme não deixa de tocar em questões sexuais dentro do que é possível),
os membros do Clube dos Perdedores têm dramas pessoais que os afligem e os obrigam
a amadurecer ainda mais rápido, o que consequentemente ajuda em sua humanização
como personagens e na identificação do público com eles. Tendo tudo isso em
vista, Pennywise naturalmente surge como um verdadeiro desafio ao crescimento
de todos, até por conta do vilão poder ser a representação de qualquer medo que
as crianças sentem diante do que vivem, funcionando como um bom bicho-papão.
Para completar, ainda que um ou
outro se sobressaia um pouco mais (como Jaden Lieberher no papel de Bill e
Sophia Lillis como Beverly), o filme traz em seu centro jovens atores que
surpreendem com sua expressividade e carisma, sendo que eles também têm uma
dinâmica brilhante em cena, tornando fácil para o espectador a tarefa de torcer
pelo Clube dos Perdedores. Já Bill Skarsgård se destaca ao encarnar com segurança
tanto a aparente infantilidade de Pennywise, característica presente quando ele
tenta atrair suas vítimas, quanto o amedrontamento que ele espalha ao assumir
sua natureza maléfica, não deixando nada a desejar comparado ao bom trabalho de
Tim Curry na minissérie de 1990.
No que diz respeito a adaptações
de livros de Stephen King lançadas esse ano, It: A Coisa compensa um pouco o gosto amargo deixado pelo fraco A Torre Negra. Exibindo uma boa dose de
coração e arrepios, o filme consegue ser um exemplar de terror admirável,
estabelecendo-se como uma das boas surpresas de 2017.
Nota:
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