segunda-feira, 7 de novembro de 2011
Os Incompreendidos
(Texto originalmente escrito para a aula de Análise da Produção Audiovisual)
Várias pessoas dizem que críticos de cinema são aqueles que não têm o dom para fazer um filme, e por isso procuram escrever sobre essa bela arte. Quando digo isso, estou me referindo ao modo como essas pessoas reconhecem os críticos, ou seja, dizendo que eles usam as palavras para destruir os filmes (algo que acho uma grande bobagem, já que existem bons e maus filmes). Mas há sempre aquela boa e velha pergunta: seria um crítico de cinema capaz de fazer um filme? Ou mais do que isso: seria um crítico de cinema capaz de fazer uma obra-prima, que será lembrada mesmo que tenham se passado 50 anos desde seu lançamento? François Truffaut respondeu essas perguntas com Os Incompreendidos, seu filme de estreia como diretor de longas-metragens.
Escrito pelo próprio Truffaut em parceria com Marcel Moussy, Os Incompreendidos conta a história de Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud), um garoto que vive arranjando problemas na escola e tem uma vida familiar difícil. Ele é uma criança que é castigada até quando tenta fazer o que é certo. Influenciado por seu amigo René, Antoine foge de casa e começa a cometer pequenos delitos, e consequentemente paga por eles.
Desde o início do filme Truffaut mostra como são os adultos aos olhos de Antoine, ou seja, aos olhos de uma criança. Neste caso, os adultos são tratados como pessoas autoritárias e pouco atenciosas, e por isso são pouco respeitados. Quando o professor de francês está escrevendo no quadro, por exemplo, os alunos aproveitam para fazer bagunça, principalmente Antoine. A falta de respeito com o professor chega a ser compreensível: como aturar uma pessoa que acha que o futuro da França já está perdido e trata as crianças com mão de ferro?
No caso dos pais de Antoine, a situação é ainda pior, já que eles praticamente querem se livrar do garoto e tentam encontrar um lugar para enviá-lo. Um dos momentos mais memoráveis do filme acontece quando Antoine está deitado em sua cama e seus pais falam coisas que nenhum filho gostaria de ouvir. Sua mãe o acha irritante, enquanto que seu pai diz que já fez demais por ele ao dar nome e alimento.
Essa personalidade dos adultos fica ainda mais evidente no terceiro ato do filme, quando Truffaut nos mostra um Centro de Observação para Delinquentes Juvenis. Em determinado momento, o diretor foca dois jovens conversando e um deles fala que bateu no pai porque este imitava um violino quando o via chorar, mostrando total descaso com a situação. Durante a conversa, Truffaut levanta a câmera e mostra anjos, indicando o que aqueles jovens realmente são: crianças boas que se cansam com o modo como são tratadas. Incompreendidas, como diz o título em português.
Os Incompreendidos tem tons autobiográficos. Assim como Antoine, Truffaut tinha problemas com os pais, algo que o fazia tirar notas baixas na escola e o levou a cometer seus pequenos crimes. O que chama a atenção é o modo como ele trata isso no filme, empregando a belíssima trilha sonora composta por Jean Constantin de maneira muito eficiente. Quando Antoine rouba uma garrafa de leite, Truffaut coloca a trilha sonora suave e com toques de canção de ninar, algo que ressalta não só a tristeza daquele momento, mas também o fato de Antoine ser apenas uma criança. Mais tarde, quando o menino começa a pagar por seus atos, os toques de canção de ninar somem, indicando que Antoine já não está sendo tratado como uma criança pelos adultos a sua volta.
Apesar de definir os adultos como autoritários e as crianças como incompreendidas, Truffaut inclui um momento em que eles não são tão diferentes um do outro. Influenciado por seu melhor amigo, René, Antoine não vai à aula e resolve ir ao cinema. O garoto tira um dia de folga para se divertir, escondido dos pais. Ironicamente, Antoine encontra sua mãe na rua beijando outro homem, quando na verdade deveria estar trabalhando. Ou seja, ela também estava se divertindo quando não deveria.
Mas o mais marcante do filme é com certeza seu final, algo que Truffaut conduz magnificamente. Em certo momento, Antoine diz que nunca viu o mar. Em outro, um jovem que conseguiu fugir do Centro de Observação diz que valeu a pena pela diversão que teve. Sendo assim, quando Antoine foge do local e corre sem parar até o mar, ele não faz isso só para cumprir um objetivo, mas também para poder dizer, caso seja apanhado, que a fuga valeu a pena.
Confesso que nunca havia assistido a um filme da Nouvelle Vague antes deste Os Incompreendidos. Mas esta é uma obra tão linda de se ver que é impossível não se interessar pelas outras produções.
É possível um crítico de cinema fazer um grande filme? Resposta de Truffaut: “Com certeza!”.
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