Logo na abertura de O Filho de Saul, o diretor estreante
László Nemes inclui o significado da palavra “sonderkommando”. Esse era o termo utilizado para definir os judeus
que “ajudavam” os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, limpando as
câmaras de gás após estas serem utilizadas em seu propósito desumano. E se usei
as aspas para falar deste auxílio, isso se deve porque se tratava de um serviço
que, caso não realizado, poderia coloca aquelas pessoas entre os cadáveres
retirados dos campos de concentração.
É nesse nicho que a história do
filme se passa, sendo que esta não demora para exibir um peso descomunal. O
roteiro escrito por Nemes em parceria com Clara Royer apresenta Saul Ausländer
(Géza Röhrig), um sonderkommando que,
após uma das sessões nas câmaras de gás, encontra seu próprio filho entre os
mortos. Como pai, Saul decide não despachar o corpo do garoto normalmente, passando
a fazer de tudo para enterrá-lo de maneira honrosa, algo que, obviamente,
precisa ser feito sem o conhecimento de seus superiores nazistas.
O que chama a atenção ao longo de
O Filho de Saul é a abordagem visual
utilizada por László Nemes. Mantendo a câmera quase sempre próxima do
protagonista, acompanhando-o na maior parte do tempo através de enquadramentos
mais fechados e desfocando o que há ao redor dele, o cineasta exibe talento
para nos inserir na realidade de Saul, mas nos deixando um pouco afastados
daquilo que ele presencia. Este último aspecto talvez seja um indicativo de que
não importa a forma como as imagens nos são mostradas, ainda seria impossível
saber o que o personagem ou qualquer outro sonderkommando
sente diante de toda a dor e a tragédia daqueles tempos, numa sacada apropriada
por parte do diretor.
Mas não é só isso. Por apostarem
em planos mais fechados e em uma razão de aspecto bastante reduzida (1.37:1,
para ser mais exato), Nemes e o diretor de fotografia Mátyas Erdély
naturalmente criam uma atmosfera claustrofóbica para a narrativa, o que contribui
para a tensão constante que rege a trama. Tensão esta que, inclusive, ganha um
pouco mais de peso devido ao tom realista imposto pelo diretor e que é
ressaltado, principalmente, pelo gosto que ele tem por planos longos,
investindo neles várias vezes durante a narrativa. Nesse sentido, é necessário destacar
a sequência em que Saul procura um rabino em meio a uma multidão que está sendo
massacrada por nazistas, um dos momentos do filme onde a inquietação é quase
desesperadora.
Tudo funciona a favor de uma
história que, basicamente, mostra até onde uma pessoa está disposta a se
arriscar por conta do filho. Aliás, no caso de Saul, o fato de seu filho estar
morto talvez sirva como uma espécie de impulso, já que uma grande razão para
ele continuar sua vida já não existe mais. Trata-se de um tipo de dor que não deve
ir embora facilmente, e o intérprete do protagonista, Géza Röhrig, opta por
deixar isso aflorar mais em sua determinação para desviar dos obstáculos que
estão entre Saul e o enterro do rapaz, ao passo que no resto do tempo ele contém
suas emoções, evitando chamar atenção para si mesmo.
Trazendo ainda um trabalho
admirável de recriação de época, com o design de produção e os figurinos sendo
bastante detalhistas ao retratar a precariedade dos campos de concentração e a
sujeira das câmaras de gás (que parece se recusar a sair, como se as coisas que
ocorrem naqueles lugares os mantivessem eternamente marcados), O Filho de Saul só se prejudica um
pouco por pontuais problemas de ritmo, que ocorrem até por ele deixar bem separados
cada momento da trama. Mas isso é algo relativamente pequeno, não sendo o
suficiente para desmontar a força da história e da narrativa muito bem
trabalhada por seu diretor.
Nota:
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