quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
As Aventuras de Tintim
Mal houve tempo para respirar a boa impressão deixada por Cavalo de Guerra e já é possível voltar para o território de Steven Spielberg, dessa vez com As Aventuras de Tintim. Primeira investida do cineasta como diretor de animações (ele ainda contou com a ajuda de Peter Jackson, que atuou como produtor), o filme usa a tecnologia do motion capture brilhantemente, e consegue ser uma aventura bastante eficiente e fiel ao universo dos quadrinhos criados pelo belga Hergé (digo isso tendo assistido a alguns episódios da famosa série animada).
Escrito por Steven Moffat em parceria com Joe Cornish e Edgar Wright (este último é o realizador dos excelentes Todo Mundo Quase Morto, Chumbo Grosso e Scott Pilgrim Contra o Mundo), As Aventuras de Tintim não perde tempo contando as origens do personagem, nos colocando no meio da aventura desde o início. Depois de comprar o modelo de um navio raro chamado Licorne, Tintim (Jamie Bell) acaba se envolvendo nos planos de Ivan Sakharine (Daniel Craig), que precisa do navio para tentar encontrar o tesouro do pirata Red Rackham. Sendo um repórter que está sempre à procura de uma boa história para contar, Tintim terá a ajuda de seu adorável cão Milu e do Capitão Archibald Haddock (Andy Serkis) para encontrar o tesouro antes do vilão.
Acho difícil não comparar Tintim com uma figura bastante conhecida da carreira de Steven Spielberg: Indiana Jones. Assim como o personagem de Harrison Ford, Tintim tem suas aventuras como parte de sua profissão. Se Indy corria atrás dos artefatos para salvá-los e manda-los para o museu, Tintim ajuda em uma investigação e é o primeiro a dar o furo de reportagem, algo que pode ser visto nas capas de jornais expostas nas paredes de sua casa e que mostram a vida de aventuras que o garoto leva (os ótimos créditos iniciais também ressaltam isso muito bem). Além disso, Tintim é um jovem corajoso, que não desiste fácil e que põe a mão na massa (leia-se: luta com os bandidos) sempre que necessário.
Tintim é apresentado pelo roteiro como um jovem bastante curioso, que desconfia de qualquer coisa estranha que apareça em sua frente, e é até por isso que acaba entrando em problemas. Em certo momento, um personagem pergunta para ele “Porque tantas perguntas?”, algo que ele responde muito bem: “É o meu trabalho!”. Isso mostra o quanto ele gosta não só de sua profissão, mas também de ajudar nas investigações.
Logo de cara, As Aventuras de Tintim conquista pelo maravilhoso design dos personagens, uma qualidade que o filme divide com outras animações feitas em motion capture, como O Expresso Polar e Os Fantasmas de Scrooge. Os traços originais são passados para o formato digital de maneira impecável. Spielberg ainda brinca com isso ao fazer o protagonista mostrar uma pintura sua, colocando o Tintim “original” ao lado do digital, algo até divertido de se ver.
Além de desenvolver bem os personagens e fazer com que nos importemos com eles, o roteiro consegue prender a atenção do público do início ao fim do filme. Os desafios que Tintim e seus amigos enfrentam ao longo da história em busca de seu objetivo são empolgantes, principalmente quando se tratam de cenas de ação (algo que comentarei um pouco mais adiante). As gags também são um ponto positivo em As Aventuras de Tintim, deixando o filme bastante divertido, sendo que algumas das melhores envolvem uma certa amnésia de Haddock e a coragem de Milu. O que dizer do modo como o cãozinho amansa um rotweiler? Aliás, Milu é uma das figuras mais adoráveis do filme, sendo um cachorro inteligente como seu dono.
Os roteiristas pecam um pouco com relação a desafios que exijam o raciocínio dos personagens. Em certo momento, por exemplo, Tintim precisa colocar em ordem as letras apontadas em um jornal, e faz isso facilmente, descobrindo a palavra em poucos segundos. Além disso, a trama envolvendo um punguista não tem muita utilidade na história, sendo apenas mais um obstáculo que Tintim precisa driblar, e depois que cumpre seu propósito é simplesmente esquecida.
O gênero de aventura é algo que Spielberg conhece muito bem. Sendo assim, sua direção é muito competente. Nem parece que As Aventuras de Tintim é sua primeira animação. As cenas de ação são muito caprichadas, sendo que a sequência em que Tintim, Haddock e Milu tentam pegar três pergaminhos de Sakharine e seu pássaro é uma das melhores coisas que o diretor já fez em sua bela carreira. Spielberg faz vários travellings ao longo do filme, sempre de maneira bastante eficiente, como quando Tintim perde algo de vista e a câmera anda em volta dele ao mesmo tempo em que carros quase o atropelam, algo que faz o público se perder junto com o protagonista. O diretor ainda se dá ao luxo de usar o topete de Tintim para fazer uma referência a um de seus filmes mais famosos (e considerando o formato do topete, acho que não preciso dizer de qual filme estou falando).
A montagem também se destaca em vários momentos. O roteiro tem alguns flashbacks que contam uma antiga lenda relacionada aos antepassados de Haddock. São seguimentos que aparecem no filme naturalmente graças à opção de Spielberg e seu montador habitual, Michael Kahn, de fazer raccords. O rosto de Haddock é usado em outro personagem também, e isso abre a possibilidade de fazer ótimas transições entre um plano e outro. Tudo sem interromper o ritmo ágil do filme. E a trilha sonora de John Williams dá um toque de mistério para a história, o que é muito interessante por que faz de As Aventuras de Tintim não só um filme de aventura, mas também um bom exemplar de filme de detetive.
Mas os personagens não seriam tão interessantes se não fosse o trabalho de seus intérpretes. Neste caso, Jamie Bell aparece carismático como Tintim, e ainda desenvolve uma ótima química com o sempre eficiente Andy Serkis, que diverte muito interpretando Haddock. Já Daniel Craig transforma Sakharine em um personagem que usa muito mais a inteligência do que força, o que o transforma quase em um vilão de filme de James Bond, o que não deixa de ser um pouco irônico em se tratando do ator. E para interpretar a dupla Dupont e Dupond a escolha não poderia ter sido melhor. Simon Pegg e Nick Frost formam uma dupla divertidíssima e trazem isso para seus personagens. Uma pena, no entanto, que o roteiro dê tão pouco espaço para eles.
Com As Aventuras de Tintim, Steven Spielberg fecha sua sessão dupla muito bem. E espero que o filme tenha uma continuação. Os personagens são interessantes demais para ficarem presos a apenas um filme.
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