domingo, 15 de setembro de 2024

Longlegs - Vínculo Mortal

Em maior ou menor grau, podemos reconhecer as qualidades e problemas de um filme assistindo a ele em qualquer lugar ou formato. Mas não tenho dúvida alguma de que na sala de cinema tais características são potencializadas pelo próprio tamanho do espetáculo, algo que não é possível replicar totalmente fora dali (a menos que a pessoa tenha montado um cinema em casa, mas aí é outra história). Enfim, começo esse texto falando isso porque enquanto assistia a Longlegs, novo terror dirigido por Osgood Perkins, me vi constantemente aliviado por estar vendo o filme em uma boa sala de exibição, já que os arrepios e a angústia que ele causa certamente estarão na lista de coisas que vou lembrar quando pensar o que o cinema nos ofereceu de bom em 2024. 

Escrito pelo próprio Osgood Perkins (filho do eterno Anthony Perkins), Longlegs é em sua trama um típico filme de serial killer. Situado majoritariamente em meados dos anos 1990, o longa nos apresenta a Lee Harker (Maika Monroe), uma jovem agente do FBI com um forte poder de intuição e um passado aparentemente traumático. Tudo isso é posto à prova quando ela é chamada por seu superior, William Carter (Blair Underwood), para ajudar a encontrar o assassino conhecido como Longlegs (Nicolas Cage), que há décadas é responsável por familicídios que parecem ocorrer quase que sobrenaturalmente, já que o único rastro que ele deixa são cartas criptografadas. 

Nessa breve sinopse, em que falo só o ponto de partida da trama, já podemos ver que o filme não deixa de pegar elementos que já vimos em obras clássicas como O Silêncio dos Inocentes ou Zodíaco. Mas apontar isso como repetição seria, na minha humilde opinião, um exercício superficial, já que Osgood Perkins está muito mais interessado na tensão que pode provocar com o material que está explorando. Aliás, considerando que revi recentemente O Iluminado, não pude evitar de pensar que Perkins também bebeu um pouco da mesma água de Stanley Kubrick. Aqui, o cineasta imprime uma sensação de inquietude que percorre a narrativa do começo ao fim, algo que ele ressalta com elementos que vão desde a fria ambientação, passando pelo desenho de som e pela fotografia opressivos e chegando ao próprio mistério quanto a natureza da trama (afinal, os eventos que acompanhamos têm algo de sobrenatural ou contam com alguma lógica?). 

Essa angústia do filme ainda é compartilhada pela protagonista, Lee Harker, que é vivida pela ótima Maika Monroe como uma pessoa que carrega no próprio olhar um passado doloroso (ou que prefere não lembrar), com a atriz encarnando com segurança a fragilidade emocional da personagem, assim como seu foco e determinação como detetive. E se o carismático Blair Underwood faz de William Carter um sujeito cuja estabilidade até funciona como um contraponto a Lee, Alicia Witt contribui ainda mais com a estranheza do filme ao surgir quase catatônica no papel de Ruth, a mãe da protagonista.  

Mas é inegável que é mesmo Nicolas Cage quem mais se destaca. Sob uma maquiagem e figurinos que fizeram eu lembrar um pouco do Abominável Homem das Neves de Chapolin (o que de forma alguma tira a graça da composição), Cage tem um tempo de tela reduzido, mas rouba cada uma de suas cenas ao fazer do personagem-título uma figura que exala ameaça e bizarrice desde o princípio, seja por seu modo delicado e cadenciado de falar, seus gestos ou pela mera normalidade com a qual ele vê tudo o que faz, aspectos que obviamente contrastam com o nível de violência de seus crimes. Além disso, Osgood Perkins ainda esconde o rosto do personagem por um bom tempo, contribuindo para criar uma aura de mistério que o torna mais inquietante e ameaçador. E para complementar esses elementos, o desenho de som trata de fazer com que os gritos pontuais de Longlegs soem como se um quadro negro estivesse sendo arranhado ao lado do espectador. 

Quando obras-primas como O Silêncio dos Inocentes, Zodíaco e O Iluminado são lembradas enquanto pensamos sobre um filme, isso talvez pudesse ser algo que colocasse ele para baixo. Mas no caso de Longlegs, acho que Osgood Perkins mostra ter aprendido bem as lições deixadas por filmes como aqueles, criando mais uma obra notável no processo. 


Nota:



domingo, 8 de setembro de 2024

Os Fantasmas Ainda Se Divertem

“Se não há muita criatividade, então apostemos naquilo que já deu certo uma vez, aproveitando para investir em nostalgia”.

Creio que principalmente na última década esse pensamento tem sido o condutor dos estúdios na hora de dar sinal verde para algumas de suas principais produções. E assim nos vimos retornando ao universo de franquias como Jurassic Park, Caça-Fantasmas e Star Wars ou a grandes sucessos de bilheteria como Independence Day, Top Gun e mais recentemente Twister, todos com resultados altos e baixos. E é nessa onda que temos agora este Os Fantasmas Ainda Se Divertem, que nos faz retornar universo do clássico de Tim Burton.

Com Burton de volta na direção, essa continuação mostra que Lydia Deetz (Winona Ryder) agora utiliza seus talentos de mediunidade em seu programa de TV sobre casas mal-assombradas. Mas após o falecimento de seu pai, Charles (interpretado por Jeffrey Jones no primeiro filme e que aqui surge em breves participações que não precisaram do ator), Lydia volta a antiga casa em Winter River junto com sua madrasta Delia (Catherine O’Hara) e sua filha cética e rebelde Astrid (Jenna Ortega). É então que uma série de eventos faz elas retomarem contato com o universo da vida após a morte, e claro que o desagradável Beetlejuice (Michael Keaton) quer aproveitar o momento ao máximo.

É principalmente essa série de eventos que faz com que Os Fantasmas Ainda Se Divertem acabe encontrando problemas no desenvolvimento da narrativa. Afinal, o filme acaba não conseguindo ser tão interessante quando vemos o roteiro perder tempo com subtramas e personagens que, além de desperdiçarem o talento de seus intérpretes, também nunca conseguem justificar sua presença. É o caso de Willem Dafoe e Monica Belucci, que parecem bastante perdidos no meio da história. O roteiro pula de um ponto da trama a outro sem qualquer organização, trazendo ainda soluções e dinâmicas já utilizadas no filme original, o que até pode ser uma sinalização para momentos nostálgicos, mas também não deixa de exibir um pouco de preguiça dos realizadores para bolar coisas diferentes.


Ainda assim, o longa tem bons momentos que o tornam uma experiência agradável. A sequência em que vemos uma personagem “se montar” é surpreendentemente divertida, assim como é bacana ver Tim Burton brincar (ainda que brevemente) com outras técnicas e visuais, o que vemos em uma sequência de animação e em outra em preto e branco que lembra os terrores italianos de Mario Bava, que tanto influenciam o diretor. Mas é claro que a maior parte da diversão do filme está no retorno de Michael Keaton ao papel de Beetlejuice, que continua sendo uma figura que arranca risos com facilidade. Keaton encarna com naturalidade a energia de trem desgovernado que do personagem, e seu carisma e irreverência mais uma vez nos impede de achar Beetlejuice um ser totalmente deplorável.

Ao final de Os Fantasmas Ainda Se Divertem, fica a impressão de que a produção com certeza se beneficiaria muito de um roteiro melhor amarrado, que conseguisse aproveitar mais o potencial de algumas de suas ideias. Mas o universo com o qual Tim Burton trabalha aqui ainda se mostra capaz de render uma boa diversão.


Nota: