Acho que fazia algum tempo desde a
última vez que dois filmes assumiram o protagonismo em uma semana de estreia
como está ocorrendo com Barbie e Oppenheimer, duas obras
totalmente diferentes e que, em qualquer outro momento, possivelmente
estreariam com certa distância uma da outra, a fim de não prejudicar seus
respectivos resultados de bilheteria. Mas “Barbenheimer” (como esse evento está
sendo chamado) acabou fazendo bem para ambos os filmes, possivelmente
dando-lhes muito mais atenção do que receberiam normalmente. E apesar do título
deste texto apontar para algum tipo de disputa ou comparação, não é isso que pretendo
fazer. Até porque os dois filmes me agradaram imensamente e por virtudes
completamente diferentes.
Christopher Nolan faz uma
cinebiografia que mostra riqueza não só na figura de Robert Oppenheimer, mas
também em todas as discussões morais e políticas que a criação e o uso da bomba
atômica vieram a trazer para muito além do contexto que todos viviam. Não são
discussões que o roteiro traz superficialmente ou martelando respostas fáceis, com
Nolan desenvolvendo tudo com inteligência e colocando em xeque até mesmo
intenções que podem parecer boas em teoria (“Não sei se nós somos confiáveis
com tal arma. Mas sei que os nazistas não são”, diz o protagonista em
determinado momento), mas que no fundo não deixam de abrir portas para o caos.
Para completar, a narrativa concebida por Nolan é muito consistente, intercalando
muito bem os dois pontos da história, de forma que o espectador nunca fica
confuso com o desenrolar dos acontecimentos ao mesmo tempo em que o cineasta
gera tensão a partir de diversas situações, e nisso é preciso aplaudir também
tanto o trabalho da montadora Jennifer Lame quanto a trilha composta por Ludwig
Göransson.
Mas seria impossível falar de Oppenheimer sem mencionar o trabalho absolutamente brilhante de Cillian Murphy, que consegue projetar desde a confiança e o narcisismo do personagem-título até a angústia que ele passa a sentir em relação ao que construiu (e seguindo a subjetividade da narrativa, vale dizer que o filme não tenta diminuir a responsabilidade do sujeito nas tragédias de Hiroshima e Nagazaki). Além disso, Murphy ainda conta com um elenco de apoio fabuloso, de forma que se eu for mencionar todo mundo esse texto não irá acabar. Por isso destacarei apenas dois nomes: Emily Blunt e Robert Downey Jr. No papel de Kitty Oppenheimer, esposa do protagonista, Blunt cria uma personagem resiliente e que muitas vezes demonstra ter mais força do que o próprio marido, ao passo que Downey Jr. faz de Lewis Strauss um homem cuja influência política rivaliza com sua aparente inveja e insegurança, o que o torna uma versão de Antonio Salieri frente ao Mozart representado por Robert Oppenheimer (lembrando a obra-prima Amadeus).
Acho que a melhor forma que encontrei para descrever Barbie é que se trata de uma obra muito consciente. Consciente de suas origens, de seu contexto e que sabe trabalhar esses aspectos inteligentemente. O roteiro de Gerwig e Baumbach não tem medo de apontar o dedo para a própria boneca Barbie (e para a Mattel, empresa que a produz) e questionar o quanto ela contribuiu para o desenvolvimento de padrões que até podem se encaixar em uma Barbielândia, mas soam como mentiras no mundo real quando olhamos a desigualdade enfrentada pela parcela feminina da sociedade. Nesse sentido, é impossível não destacar o discurso feito em determinado momento por Gloria (interpretada pela ótima America Ferrera), palavras que além de cumprirem uma função bacana na história ainda escancaram a visão que a sociedade frequentemente tem e impõe às mulheres. E por apresentar dois universos distintos, o filme chama atenção quanto aos paralelos entre eles (principalmente na inversão de papeis na Barbielândia, onde as Barbies reinam e se apoiam enquanto os Kens ou tem pouco espaço, ou não tem tanto valor ou vivem em função das Barbies) e o quanto um é capaz de influenciar o outro, sem falar que Greta Gerwig ainda cria um contraste visual e físico entre os dois mundos que é muito apropriado.
São ideias muito ricas e que vêm
embaladas num pacote de fantasia e comédia que envolve o espectador do início ao
fim, seja pelas piadas divertidíssimas, pela direção ágil de Gerwig ou pelo
elenco encantador liderado por Margot Robbie e Ryan Gosling. Aliás, enquanto
Robbie gradualmente imprime personalidade a Barbie, conseguindo ressaltar a
humanidade da personagem em cada passo e em cada dúvida que surge ao longo de sua
jornada, Gosling usa a falta de personalidade de Ken como um fio condutor do
personagem, que assim se torna um receptáculo de imposições patriarcais que mascaram
sua insegurança. E ambos os intérpretes surgem em cena repletos de carisma e
exibindo um timing cômico impecável.
De um lado, uma grandiosa (em vários sentidos) cinebiografia realizada por um diretor já muito bem estabelecido como um grande nome. Do outro, uma obra surpreendente e prazerosa que mostra que Greta Gerwig é uma cineasta cada vez mais interessante. E enquanto o cinema como indústria agradece o sucesso de ambos os trabalhos, creio que podemos dizer que o espectador também sai feliz por ver que a sessão dupla de “Barbenheimer” no fim das contas envolve dois dos melhores filmes de 2023.
Nota (para os dois filmes):
2 comentários:
eu não ia ver nenhum deles, mas tem tanta gente falando bem de Barbie que eu acho que vou acabar indo hehe
Cillian Murphy é meu motivo pra querer ver Oppenheimer.
Para querer assitir Barbie tenho dois motivos:
Tua review e o mesmo motivo dessa menina do comentário de cima =P
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