Os filmes recentes baseados nos
personagens da DC Comics acabaram ficando tão marcados por seu visual sombrio,
com uma paleta de cores dessaturada, que assistir a Aquaman é quase como ver um longa de outro mundo. Ao longo da
projeção, a impressão que se tem é que o diretor James Wan e sua equipe
decidiram trilhar um caminho diferente de seus antecessores, evitando se levar
excessivamente a sério e abraçando uma proposta mais escapista. A boa notícia
em meio a isso é que Aquaman não só
é eficaz em sua diversão, mas também é um trabalho visualmente deslumbrante.
Quase ignorando a apresentação do
protagonista em Liga da Justiça (e
digo “quase” porque há uma menção pequena e insignificante a derrota do Lobo da
Estepe naquele filme), Aquaman traz
Arthur Curry (Jason Momoa) prestes a se ver no meio de uma guerra entre humanos
e atlantianos, já que seu irmão Orm (Patrick Wilson), rei de Atlantis, está
cansado de ver os problemas da superfície afetarem seu reino e os oceanos. Para
evitar que tal guerra ocorra, Arthur é convencido pela princesa Mera (Amber
Heard) e o conselheiro Vulko (Willem Dafoe) a assumir o trono que é seu por
direito, sendo ele o primogênito da rainha Atlanna (Nicole Kidman), fruto do
amor entre ela e o humano Tom Curry (Temuera Morrison).
Pontualmente, o roteiro não deixa
de soar convencional em determinados pontos, sendo impossível ignorar alguns
clichês mais do que batidos, desde o casal que implica um com o outro, mas
gradualmente se entende (isso até rende uma sequência que desenvolve o
relacionamento de um jeito excessivamente infantil) até as pausas dramáticas
que os personagens fazem antes de revelarem suas identidades, detalhes que
parecem desafiar o espectador a revirar os olhos em 360° graus. Além disso, o
longa não escapa de uma série de diálogos expositivos para estabelecer o
universo particular de seu protagonista, mas apesar de incomodarem eles ainda têm
mais função do que momentos como a sequência em que vemos um vilão modificar
seu equipamento, algo descartável e que só faz o filme perder tempo.
Esses problemas ao menos são
compensados pelas virtudes do filme, a começar pelo visual, que consegue ser um
deleite para os olhos. Apostando em cores quentes que naturalmente estabelecem
a atmosfera mais leve que rege a narrativa, James Wan (em sua segunda
empreitada de grande orçamento, longe de suas raízes em produções de terror)
conduz uma obra cuja vivacidade podemos ver claramente em cada plano que
percorre a tela, além de retratar o universo oceânico brilhantemente em sua
concepção. Atlantis aqui parece uma versão submersa de Pandora (o mundo de Avatar) com suas iluminações e riquezas
naturais. E Wan não para por aí, já que ao lado do montador Kirk Morri ele várias
vezes investe em belos raccords
(transições de cena que criam uma continuidade entre um plano e outro) que
contribuem tanto com a estética do filme quanto com seu ritmo. Destaco aqui
momentos como aquele em que o diretor foca a água de um aquário para logo
depois nos situar no oceano e o corte que liga um submarino a uma metralhadora.
Para completar, as sequências de ação são conduzidas com uma agilidade
envolvente, sem parecerem uma bagunça de efeitos visuais, merecendo destaque um
longo embate pelas ruas da Sicília.
Mas parte da diversão de Aquaman reside na forma com que a
narrativa busca brincar com as expectativas do público (o que dizer da cena em
que alguém pede para tirar uma foto com o herói?). Isso, aliás, não deixa de
ser um pequeno sinal de rebeldia, característica que encontra ressonância na
composição de Jason Momoa. Apesar de ser um ator limitado (impressão que passei
a ter após ver seus trabalhos em filmes como Conan: O Bárbaro e Alvo
Duplo e a série Game of Thrones),
Momoa cria um Arthur Curry interessante e carismático, continuando com o estilo
bad boy visto em Liga da Justiça, mas sem esquecer de ressaltar os conflitos que o
personagem tem com relação a seu lugar no mundo e as inseguranças quanto a ser
rei, o que rende um arco dramático muito bem definido para ele.
Como se não bastasse, Momoa ainda
tem uma ótima dinâmica com Amber Heard, que aqui surpreende encarnando em Mera
uma personagem que pode até ser o interesse amoroso do protagonista, mas que na
maior parte do tempo surge como uma verdadeira parceira de aventuras, sendo ela
mesma uma heroína poderosa, que jamais depende dos homens ao seu redor e que
tem seus próprios dramas pessoais para lidar. Isso pode ser dito também sobre a
Atlanna de Nicole Kidman, que consegue se destacar mesmo com um tempo de tela menor,
enquanto que Patrick Wilson e Yahya Abdul-Mateen II têm em Orm e no Arraia
Negra vilões que chamam a atenção com suas motivações compreensíveis, ainda que
essencialmente não sejam particularmente ameaçadores. Fechando o elenco, Willem
Dafoe usa seu talento para imprimir uma grande força de caráter a Vulko, ao
passo que Temuera Morrison e Dolph Ludgreen (ressurgindo no cinema após anos
fazendo filmes de ação lançados direto no mercado de home video) aproveitam bem suas cenas como Tom Curry e o rei Nereus,
respectivamente.
Se Aquaman representa uma mudança de rumo dos longas do universo da DC
Comics, isso só os próximos exemplares dirão. Mas assistindo-o isoladamente, como
um filme-solo que deixa de lado a ideia de fazer conexões dentro da franquia e
que se concentra mais em divertir enquanto conta sua história, ele certamente representa
uma grata surpresa.
Obs.: Há uma cena durante os
créditos finais.
Nota:
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