domingo, 16 de dezembro de 2018

Aquaman


Os filmes recentes baseados nos personagens da DC Comics acabaram ficando tão marcados por seu visual sombrio, com uma paleta de cores dessaturada, que assistir a Aquaman é quase como ver um longa de outro mundo. Ao longo da projeção, a impressão que se tem é que o diretor James Wan e sua equipe decidiram trilhar um caminho diferente de seus antecessores, evitando se levar excessivamente a sério e abraçando uma proposta mais escapista. A boa notícia em meio a isso é que Aquaman não só é eficaz em sua diversão, mas também é um trabalho visualmente deslumbrante.

Quase ignorando a apresentação do protagonista em Liga da Justiça (e digo “quase” porque há uma menção pequena e insignificante a derrota do Lobo da Estepe naquele filme), Aquaman traz Arthur Curry (Jason Momoa) prestes a se ver no meio de uma guerra entre humanos e atlantianos, já que seu irmão Orm (Patrick Wilson), rei de Atlantis, está cansado de ver os problemas da superfície afetarem seu reino e os oceanos. Para evitar que tal guerra ocorra, Arthur é convencido pela princesa Mera (Amber Heard) e o conselheiro Vulko (Willem Dafoe) a assumir o trono que é seu por direito, sendo ele o primogênito da rainha Atlanna (Nicole Kidman), fruto do amor entre ela e o humano Tom Curry (Temuera Morrison).


Pontualmente, o roteiro não deixa de soar convencional em determinados pontos, sendo impossível ignorar alguns clichês mais do que batidos, desde o casal que implica um com o outro, mas gradualmente se entende (isso até rende uma sequência que desenvolve o relacionamento de um jeito excessivamente infantil) até as pausas dramáticas que os personagens fazem antes de revelarem suas identidades, detalhes que parecem desafiar o espectador a revirar os olhos em 360° graus. Além disso, o longa não escapa de uma série de diálogos expositivos para estabelecer o universo particular de seu protagonista, mas apesar de incomodarem eles ainda têm mais função do que momentos como a sequência em que vemos um vilão modificar seu equipamento, algo descartável e que só faz o filme perder tempo.

Esses problemas ao menos são compensados pelas virtudes do filme, a começar pelo visual, que consegue ser um deleite para os olhos. Apostando em cores quentes que naturalmente estabelecem a atmosfera mais leve que rege a narrativa, James Wan (em sua segunda empreitada de grande orçamento, longe de suas raízes em produções de terror) conduz uma obra cuja vivacidade podemos ver claramente em cada plano que percorre a tela, além de retratar o universo oceânico brilhantemente em sua concepção. Atlantis aqui parece uma versão submersa de Pandora (o mundo de Avatar) com suas iluminações e riquezas naturais. E Wan não para por aí, já que ao lado do montador Kirk Morri ele várias vezes investe em belos raccords (transições de cena que criam uma continuidade entre um plano e outro) que contribuem tanto com a estética do filme quanto com seu ritmo. Destaco aqui momentos como aquele em que o diretor foca a água de um aquário para logo depois nos situar no oceano e o corte que liga um submarino a uma metralhadora. Para completar, as sequências de ação são conduzidas com uma agilidade envolvente, sem parecerem uma bagunça de efeitos visuais, merecendo destaque um longo embate pelas ruas da Sicília.


Mas parte da diversão de Aquaman reside na forma com que a narrativa busca brincar com as expectativas do público (o que dizer da cena em que alguém pede para tirar uma foto com o herói?). Isso, aliás, não deixa de ser um pequeno sinal de rebeldia, característica que encontra ressonância na composição de Jason Momoa. Apesar de ser um ator limitado (impressão que passei a ter após ver seus trabalhos em filmes como Conan: O Bárbaro e Alvo Duplo e a série Game of Thrones), Momoa cria um Arthur Curry interessante e carismático, continuando com o estilo bad boy visto em Liga da Justiça, mas sem esquecer de ressaltar os conflitos que o personagem tem com relação a seu lugar no mundo e as inseguranças quanto a ser rei, o que rende um arco dramático muito bem definido para ele.


Como se não bastasse, Momoa ainda tem uma ótima dinâmica com Amber Heard, que aqui surpreende encarnando em Mera uma personagem que pode até ser o interesse amoroso do protagonista, mas que na maior parte do tempo surge como uma verdadeira parceira de aventuras, sendo ela mesma uma heroína poderosa, que jamais depende dos homens ao seu redor e que tem seus próprios dramas pessoais para lidar. Isso pode ser dito também sobre a Atlanna de Nicole Kidman, que consegue se destacar mesmo com um tempo de tela menor, enquanto que Patrick Wilson e Yahya Abdul-Mateen II têm em Orm e no Arraia Negra vilões que chamam a atenção com suas motivações compreensíveis, ainda que essencialmente não sejam particularmente ameaçadores. Fechando o elenco, Willem Dafoe usa seu talento para imprimir uma grande força de caráter a Vulko, ao passo que Temuera Morrison e Dolph Ludgreen (ressurgindo no cinema após anos fazendo filmes de ação lançados direto no mercado de home video) aproveitam bem suas cenas como Tom Curry e o rei Nereus, respectivamente.

Se Aquaman representa uma mudança de rumo dos longas do universo da DC Comics, isso só os próximos exemplares dirão. Mas assistindo-o isoladamente, como um filme-solo que deixa de lado a ideia de fazer conexões dentro da franquia e que se concentra mais em divertir enquanto conta sua história, ele certamente representa uma grata surpresa.

Obs.: Há uma cena durante os créditos finais.

Nota:

Nenhum comentário: