quinta-feira, 26 de julho de 2012

Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge

Quando Batman Begins foi lançado em 2005, ninguém imaginava que ali estava surgindo algo maior do que uma simples adaptação dos quadrinhos. Talvez nem o piloto de toda a viagem, o diretor Christopher Nolan, imaginava isso. Em uma época na qual o cinema se acostumou com produções de super-heróis que eram puro entretenimento, eis um filme que inicia algo que promete ecoar por muitos anos. Batman Begins surpreendeu e iniciou excepcionalmente a saga de um símbolo e de todo o bem que representa para uma sociedade. A história foi continuada brilhantemente em Batman: O Cavaleiro das Trevas, que com seu clima pesado, caótico e desgastante foi uma adaptação de quadrinhos que se colocou em outro patamar, não devendo nada a grandes clássicos do cinema. Agora, sete anos após o início de tudo isso, chega Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, um filme no qual Christopher Nolan finaliza sua contribuição para o personagem não só satisfatoriamente, mas também da forma épica como deveria ser.
Escrito pelo próprio Christopher Nolan em parceria com seu irmão Jonathan, e com argumento dele e David S. Goyer, Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge se passa oito anos após os eventos do filme anterior. Ao fazer o Batman assumir a culpa pelos crimes cometidos por Harvey Dent, Bruce Wayne (Christian Bale) conseguiu trazer segurança a Gotham City, levando o promotor a condição de ídolo e herói da cidade e aposentando seu uniforme. Mas quando o mercenário Bane (Tom Hardy) dá as caras com o objetivo de acabar com a cidade aos poucos, o que nem Jim Gordon (Gary Oldman) e sua força policial podem impedir, Bruce se vê obrigado a voltar a usar sua máscara, mesmo que contra a vontade de Alfred (Michael Caine). O que se segue é uma grande batalha pela salvação de Gotham.
Começando o filme mostrando a tela se quebrando, Nolan indica que o mundo no qual estamos prestes a entrar pode até estar mais seguro do que antes, mas essa parede protetora a qualquer momento será destruída. Não é à toa que o diretor apresenta logo de cara o vilão da história, já que é ele que irá fazer um grande estardalhaço. E já que cheguei em Bane, vale dizer que ele consegue ser o vilão que o final da trilogia precisava. Tendo em Tom Hardy um intérprete com grande presença em cena (que nos faz esquecer durante todo o filme que o personagem esteve presente no desastroso Batman & Robin), Bane se torna ameaçador não só por suas habilidades e seu enorme porte físico, que faz qualquer pessoa ao seu redor tremer, mas também por seus olhares e por sua voz, que consegue ser amedrontadora graças ao modo como ela sai de sua máscara. Além disso, o plano de Bane consegue deixar Gotham City num estado inimaginável, o que certamente faria o Coringa ter orgulho de seu sucessor.
Como foi mostrado em O Cavaleiro das Trevas, Batman se tornou em um inimigo para as pessoas de Gotham, mesmo que algumas delas ainda acreditem nele, como o policial John Blake (Joseph Gordon-Levitt). E em O Cavaleiro das Trevas Ressurge, Bruce Wayne se torna uma figura ainda mais admirável, já que mesmo sendo considerado um inimigo público, ele não hesita em voltar a colocar o uniforme quando aqueles que o desprezam (os policiais chegam a parar uma perseguição em determinado momento só para tentar prendê-lo) mostram precisar dele mais do que nunca. Quando Batman finalmente volta à ativa é uma cena até emocionante devido a tudo o que o personagem passou e ainda está passando.
Uma das principais características do universo de Batman criado por Christopher Nolan e sua equipe é o fato de ele ser moldado de forma muito crível, o que fez até a própria figura do herói algo que poderia existir no mundo real. Nesse terceiro filme, essa preocupação do diretor em manter isso é muito clara, de maneira que a máscara de Bane tem uma função específica, e até o uniforme que a ladra Selina Kyle (Anne Hathaway) usa em seus trabalhos tem suas utilidades. Isso demonstra grande inteligência do roteiro na hora de adaptar os personagens para este universo (aqui, uma Mulher-Gato falando “miau” e se lambendo não combinaria muito bem).
Nolan não tem piedade dos espectadores, tornando O Cavaleiro das Trevas Ressurge uma experiência pesada ao longo de suas quase três horas de duração (que por sinal em nenhum momento ficam entediantes, passando bem rápido). É um número grande de informações, reviravoltas e cenas intensas que o diretor apresenta. Mas essa é uma das características mais admiráveis em Nolan, que como mostrou em todos os seus filmes, demonstra confiar em seu público, sempre levando a trama para frente e nunca parando para mastigar a história caso alguém tenha perdido algum detalhe. E quando o filme parece estar se encaminhando para algo previsível, as reviravoltas do roteiro tratam de impor a ideia de que tudo pode acontecer.
O fato de o centro de operações de Bane e seus capangas ser localizado nos esgotos de Gotham é um dos detalhes mais interessantes de O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Dessa forma, Nolan consegue mostrar que a cidade literalmente começa a ser dominada pelo submundo, composto por pessoas criminosas por natureza. Com o mal vindo à superfície, é como se a cidade estivesse sendo destruída pelo inferno. Isso ainda é muito bem representado na tela, já que Nolan e seu diretor de fotografia Wally Pfister conseguem conferir à história uma atmosfera de puro pânico, desesperadora e sufocante, algo que ganha uma tensão constante graças à excelente trilha sonora do sempre competente Hans Zimmer.
O cineasta ainda consegue fazer boas cenas de ação, assim como já havia feito nos outros filmes da trilogia e em A Origem. Explorando ao máximo as habilidades de seus personagens, Nolan mantém um ritmo interessante quando eles partem para lutar. As duas lutas entre Batman e Bane, por exemplo, representam dois ótimos momentos do filme, nos fazendo temer o tempo todo pelo destino do herói, por que o vilão é monstruoso em termos de força. A própria guerra no terceiro ato é muito bem feita pelo diretor e ajuda a dar contornos épicos ao filme.
Christian Bale volta muito bem ao papel de Bruce Wayne. Com o personagem sem entrar em ação por oito anos, é bom ver que o ator consegue mostrar o quão “enferrujado” Bruce está no início. A própria decadência do personagem, que se exilou do mundo após os acontecimentos do filme anterior, fica clara na atuação de Bale, que prova mais uma vez ser o melhor intérprete de Bruce Wayne/Batman nos cinemas até agora. Além disso, a química entre ele e Michael Caine resulta em alguns dos momentos mais emocionantes de toda a trilogia. Aqui, Alfred deixa clara sua preocupação com o destino daquele que considera como o filho que nunca teve. Sendo o maravilhoso ator que sempre foi, Caine tem uma atuação comovente em boa parte de suas cenas.
Enquanto isso, os outros dois veteranos da trilogia voltam confortavelmente em seus papeis. Morgan Freeman surge sempre carismático como Lucis Fox, que aqui ganha mais importância devido à posição que está na Wayne Enterprises, e Gary Oldman faz do Comissário Gordon uma pessoa revoltada por ser um dos únicos que sabe a verdade sobre Harvey Dent, mas não poder fazer nada para limpar o nome de um amigo, que considera como o verdadeiro herói de Gotham.
Já os novos integrantes, além de Tom Hardy, Anne Hathaway cria uma Selina Kyle tão interessante quanto a de Michelle Pfeiffer em Batman: O Retorno. Esbanjando sensualidade no papel, a atriz tem em Selina uma personagem que quer passar por cima dos poderosos de Gotham, mas não a ponto de querer sua total destruição. E se com grande determinação Joseph Gordon-Levitt faz de Blake uma figura que fica cada vez mais interessante ao longo da história, Marion Cotillard acerta ao fazer de Miranda Tate uma mulher digna de confiança (algo que acaba sendo importante mais tarde).
Ao escrever sobre Batman: O Cavaleiro das Trevas, eu afirmei o seguinte: “Se Christopher Nolan caprichar no terceiro e último capítulo de Batman, então ele terá acabado de fazer a trilogia O Poderoso Chefão do gênero histórias em quadrinhos”. Nolan não só caprichou nessa terceira parte como conseguiu fazer com que seja tão marcante quanto os outros dois filmes.
Se a história realmente acaba aqui, então espero que não tenha tão cedo outro filme do Batman. O personagem precisará descansar um pouco depois do impacto que causou com essa trilogia.
Cotação:

terça-feira, 24 de julho de 2012

Batman - Através dos Filmes

Aproveitando a estreia de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, o blog faz agora um pequeno especial sobre os filmes do Homem-Morcego nos cinemas. A franquia cinematográfica de Batman pode ser uma boa representação de uma fênix. Afinal, depois de se estabelecer como algo interessante nos filmes dirigidos por Tim Burton, o personagem viu suas histórias irem ao fundo do poço a partir da metade da década de 1990, e foi preciso quase uma década para que se recuperasse, ressurgindo das cinzas. Hora de fazer essa pequena recapitulação.
Batman: O Homem-Morcego
O primeiro filme estrelado por Batman e os outros personagens de suas HQs veio em 1966. Batman: O Homem Morcego havia sido planejado para fazer parte da famosa série Batman, estrelada por Adam West e Burt Ward. Mas acabou sendo lançado nos cinemas para aproveitar a popularidade do programa, que durou três temporadas.
Batman: O Homem Morcego tem problemas óbvios, como os diálogos explicativos demais (em certo momento Batman fala “Se tirarmos nossas máscaras, nossas identidades serão reveladas”, e este é o menor dos exemplos) e cenas de ação que são bastante bagunçadas. Mas consegue ter seus momentos de pura diversão, como a cena em que Batman corre para se desfazer de uma bomba (assista o video abaixo), ou o confronto final de Batman e Robin contra os vilões Coringa (Cesar Romero), Pinguim (Burgess Meredith, também conhecido como o treinador de Rocky Balboa, Mickey Goldmill), Charada (Frank Gorshin) e Mulher-Gato (Lee Meriwether), que conta com as famosas onomatopeias da série de TV.
Apesar dos absurdos que se vê ao longo da história (como no início, quando o herói é mordido por um tubarão que havia engolido uma mina e, por isso, explode ao cair no mar), Batman: O Homem Morcego pode não ter sido um grande começo para o personagem nas telonas, mas é um filme no mínimo curioso e pelo menos em termos de diversão é bem melhor que as bombas que o herói ainda iria enfrentar (e que comentarei daqui a pouco).
A Fase Sombria de Tim Burton
Em 1986, Tim Burton aceitou o trabalho de levar o personagem de volta às telonas. Lançando Batman em 1989 com Michael Keaton no papel principal (algo que os fãs do personagem não gostaram nenhum pouco a princípio), Burton apresentou um filme com um tom muito mais sério, em uma Gothan City que parecia um pesadelo graças ao habitual estilo gótico do diretor, o que é bastante apropriado em uma cidade bastante violenta. Mesmo com uma abordagem mais sombria o filme tem momentos divertidíssimos, e muito se deve a bela interpretação de Jack Nicholson como o Coringa.
Em 1992, veio a continuação Batman: O Retorno e um tom ainda mais sombrio do que aquele visto anteriormente. Com o Pinguim (Danny DeVito) e a Mulher-Gato (Michelle Pfeiffer) como principais vilões, a história pouco se concentra em Bruce Wayne, focando muito mais seus antagonistas, enquanto que o herói ganha mais atenção em seu relacionamento com Selina Kyle. Com algumas falas de duplo sentido (em uma cena, quando encontra a Mulher-Gato, o Pinguim diz “Just the pussy I've been lookin' for!”, que prefiro não traduzir), o roteiro do filme certamente precisaria de algumas alterações para ser produzido hoje.
Foram dois filmes interessantes, que estabeleceram bem o tipo de universo que Batman deveria percorrer. Uma pena que tudo começaria a virar um grande carnaval três anos mais tarde.
O Erros de Joel Schumacher
A bilheteria de Batman: O Retorno ficou abaixo dos números esperados pela Warner, e o estúdio resolveu tirar a abordagem sombria na qual Tim Burton havia mergulhado a franquia. No entanto, ele ficou como produtor de Batman Eternamente e ajudou a escolher Joel Schumacher para assumir a cadeira de direção do terceiro filme, que ainda faria o cineasta ser chamado para uma quarta produção (esta sem qualquer envolvimento de Burton).
Com o objetivo de fazer algo mais “família” e divertido para o público, Schumacher e os roteiristas (um deles sendo o medíocre Akiva Goldsman, e é vergonhoso que esse cara tenha um Oscar na estante, ainda que seja por um bom filme) acabaram transformando Batman em um verdadeiro festival de cafonice. Repleto de cores quentes e gags que buscam o riso fácil, Batman Eternamente e Batman & Robin em nada lembram o universo criado por Tim Burton, além de contar com os famosos mamilos na roupa do herói. Batman Eternamente até diverte em alguns momentos, mas muito pouco diante de tantas escolhas erradas.
Tudo piora em Batman & Robin, lançado em 1997, no qual as cenas de ação são uma bagunça, o roteiro muito capenga, o elenco mal escalado e as gags não fazem com que ríamos com o filme, e sim do filme, transformando tudo em uma experiência desagradável. Até George Clooney (um ator e diretor excepcional, mas que foi um Batman fraquíssimo) se envergonha, e volta e meia faz piadas com a produção.
Batman ficaria no limbo durante alguns anos, até que em 2003 um certo cineasta britânico foi contratado para dar nova vida ao herói.
Christopher Nolan e a Trilogia do Cavaleiro das Trevas
Com Christopher Nolan no comando, Batman Begins chegou em 2005 apenas como mais um filme de super-herói no meio de tantas outras produções. Mas surpreendeu com sua história de origem extremamente eficiente e também com o viés mais realista conferido por seu ambicioso diretor. Gotham City, por exemplo, se tornou um lugar muito mais real do que aquela cidade de visual gótico apresentada por Tim Burton, e o fato de ela ser dominada pelo medo, pela violência e pela corrupção é muito mais explorado. Até a própria figura de Batman, seus acessórios e os vilões que ele enfrenta se tornaram mais críveis. E Nolan achou em Christian Bale (um ator espetacular) o Bruce Wayne perfeito.
Dando continuação a história de Batman Begins viria Batman: O Cavaleiro das Trevas, um dos melhores filmes de 2008. Trazendo um embate pesado e psicologicamente desgastante entre Batman e o Coringa (Heath Ledger), o filme não pode ser considerado apenas um filme de super-herói. É uma obra que não deixa nada a desejar a clássicos policiais como Fogo Contra Fogo, de Michael Mann.
Tendo no Coringa um dos melhores vilões dos últimos anos (Ledger deixou para trás todos os intérpretes do personagem, inclusive Jack Nicholson no filme de Burton, e merecidamente ganhou um Oscar póstumo), Batman: O Cavaleiro das Trevas é o filme no qual várias adaptações de quadrinhos começaram a sonhar em se tornar. Christopher Nolan transforma Gotham City em uma cidade caótica, um lugar no qual até o ser humano mais correto pode se tornar um criminoso (como diz o Coringa “Loucura é como a gravidade. É preciso apenas um empurrãozinho”).
Nesses dois filmes, é fascinante constatar que Nolan acertou em cheio ao tratar Batman não só como um homem que luta contra o mal que assola uma cidade (e que está disposto a ficar marcado como inimigo para protegê-la), mas também como um símbolo que pode deixar uma marca muito maior por onde passar.
Esperemos que Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge finalize bem uma trilogia tão ambiciosa. O filme estreia nos cinemas brasileiros nesta sexta-feira.

sábado, 21 de julho de 2012

Valente

Ano passado, quando lançou Carros 2, a Pixar conseguiu fazer seu primeiro filme realmente decepcionante. Mais cedo ou mais tarde isso iria acontecer, afinal até os gênios falham em algum ponto de suas vidas. Com isso em mente, seria difícil que o estúdio fizesse logo em seguida um filme de qualidade igual ou pior que a da continuação das histórias de Relâmpago McQueen e Mate. Sendo o primeiro filme original da Pixar desde Up: Altas Aventuras, Valente não chega a ser um grande retorno do estúdio de John Lasseter à boa forma que exibia, por exemplo, na trilogia Toy Story, sendo um filme que se salva em grande parte graças a sua protagonista.
Escrito pelos diretores Mark Andrews, Brenda Chapman e Steve Purcell ao lado de Irene Mecchi, e baseado no argumento de Chapman, Valente nos apresenta a Merida (voz na versão original de Kelly Mcdonald), a jovem princesa do reino de Dunbrock. Sua mãe, a Rainha Elinor (Emma Thompson), faz de tudo para transformá-la em uma dama, enquanto que seu pai, o Rei Fergus (Billy Connolly), não vê muito problema na garota saber se defender um pouco. Ao se recusar a seguir as tradições da família e não deixar que sua mão seja competida pelos príncipes dos três reinos vizinhos, Merida entra em conflito com Elinor e com a ajuda de uma bruxa (Julie Walters) arranja um feitiço para fazer sua mãe mudar de ideia quanto ao que está acontecendo. Mas o plano não sai como desejado e a jovem acaba transformando Elinor em um urso.
Filmes de princesa sempre foram uma área da Disney, então é um pouco surpreendente ver a Pixar mexendo com esse tema. Mas Valente tem em Merida mais uma grande personagem para a coleção do estúdio. Ela é a verdadeira razão de ser do filme, que poderia fracassar por completo caso contasse com uma protagonista menos interessante. Merida conquista por ser uma figura independente e com grande força de vontade para lutar por aquilo que acha certo, além de não ser uma típica donzela em perigo. Não deixa de ser interessante o detalhe de sua arma predileta ser o arco e flecha, já que seu pai diz em certo momento que “flechas apontam o caminho”. Quando usa a arma, Merida acerta o alvo que quiser, o que é um reflexo daquilo que ela mais deseja: ser livre para seguir o caminho que quer.
Sempre que foca outra coisa que não seja sua protagonista, Valente perde muito de sua força, e o roteiro tenta compensar isso com o riso. As várias gags que aparecem ao longo da história são constantes, como se fossem uma atração à parte no filme, e isso não acontecia muito nas animações da Pixar, que sempre se concentrava mais em seus personagens e na história do em que tentar fazer rir disparando piadas para todos os lados. Sendo um humor físico, o roteiro investe muito dessas gags na rainha se atrapalhando diante da situação de ser um urso, além de colocar outros personagens da realeza se atrapalhando também. É engraçado, mas depois de um tempo fica um pouco repetitivo. As piadas também se concentram bastante nos três irmãos caçulas da garota, que cumprem satisfatoriamente seu único propósito: o de alívio cômico. Se não fosse por isso, os pestinhas seriam completamente descartáveis.
O roteiro ainda demonstra um pouco de falta de imaginação ao utilizar o velho clichê do limite de tempo que, se ultrapassado, transformará a situação em algo permanente (Shrek 2 é o primeiro filme que me veio a cabeça nesse momento). Isso deixa o filme até um pouco previsível, além de surgir como algo realmente necessário apenas no final, quando o tempo está quase acabando. Até então, a tensão era imposta muito mais pela urgência de Merida em tentar fazer sua mãe voltar ao que era antes. Além disso, é lamentável que o filme apresente personagens interessantes, como a bruxa e o Rei Fergus, e não dê muita atenção a eles, sendo que a primeira é descartada pouco depois de aparecer.
Logo no início, ao mostrar a infância da protagonista, o roteiro estabelece a relação entre Merida e Elinor de forma bastante amorosa, ainda que a rainha coloque algumas restrições na filha (ela só está livre de suas lições de princesa em um dia da semana, por exemplo). Mesmo assim, a relação entre mãe e filha consegue ser um dos pontos altos de Valente. O modo encontrado para que as duas personagens tentem se entender é um tanto exagerado, mas Valente consegue belos momentos quando se concentra em Merida e Elinor se reaproximando, como em uma cena em que elas comem peixe na cachoeira.
O trio de diretores dá atenção a certos detalhes que ajudam a animação a ser bonita e realista, como quando os cabelos de Merida se movem por causa do vento ou a maneira como uma flecha treme após ser disparada. Eles ainda conseguem mudar o tom do filme de maneira rápida e natural em determinadas cenas. Se em um segundo temos um ambiente tranquilo, no seguinte o perigo pode tomar conta. Isso ocorre sempre que aparece o urso Mordu, o vilão da história (se é que ele pode ser classificado dessa forma, já que ele sempre age por instinto e não por ter algo contra os personagens). Com seus pelos desgrenhados e dentes afiados, Mordu consegue ser ameaçador em todas as cenas em que aparece, nos fazendo temer pelo destino dos personagens.
Por ser melhor que Carros 2 o filme já merece créditos, mas Valente consegue ser um entretenimento agradável, ainda que esteja longe de ser uma das melhores obras da Pixar. Esperemos que o estúdio volte ano que vem com um filme que relembre seus excelentes tempos.
Obs.: O curta-metragem La Luna, que passou antes do filme, é bem interessante.
Cotação:

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Deus da Carnificina

Quando duas crianças brigam no colégio de um jeito inesperado ou exagerado, como lutando a socos e pontapés, o que as leva a uma ação tão desnecessária e violenta? Muitas vezes há algo nos bastidores, ou seja, na casa dessas crianças, onde o ambiente pode não ser dos mais tranquilos ou a própria educação que receberam pode ser meio problemática. Nesse sentido, o foco acaba indo para os pais das figuras. O grande diretor Roman Polanski se concentra exatamente nessa parte em seu novo e interessante filme, Deus da Carnificina. O que poderia ser uma obra dramaticamente pesada acaba sendo um estudo de personagens não só eficiente, mas também muito divertido.
Escrito pelo próprio Polanski em parceria com Yasmina Reza, e adaptado a partir da peça dessa última, Deus da Carnificina acompanha uma reunião de dois casais, Penelope e Michael Longstreet (Jodie Foster e John C. Reilly) e Nancy e Alan Cowan (Kate Winslet e Christoph Waltz), que procuram resolver amigavelmente uma briga feia entre seus filhos. Mas aos poucos, eles mesmos começam a brigar, discutindo por motivos que vão desde a personalidade de cada um até os interesses que demonstram, além da briga entre os garotos.
Mostrando de maneira rápida e inesperada o motivo que inicia toda a discussão, Polanski não perde tempo e quando apresenta seus personagens já deixa muito claro algumas diferenças entre eles, sendo que boa parte delas são definidas pelos figurinos. O casal Longstreet aparece usando roupas mais simples e de cores mais simpáticas, o que ressalta a simplicidade da família, que se torna ainda mais evidente quando ficamos sabendo quais são suas profissões: Michael trabalha vendendo produtos como descargas de vasos sanitários e Penelope é uma escritora. Já os Cowan parecem ser um casal que frequenta a alta sociedade, aparecendo com roupas mais elegantes e de cores mais escuras, além de terem profissões que à primeira vista poderiam ser consideradas de maior sucesso: Nancy é uma corretora e Alan um advogado.
Tirando a cena inicial e a final, Deus da Carnificina se passa totalmente no apartamento do casal Longstreet e em tempo real. Dessa forma, é admirável ver que Polanski consegue mudar o tom do filme aos poucos e naturalmente à medida que a história se desenrola naquele lugar. Se no início temos uma conversa amigável (apesar de os personagens ficarem segurando alguns pensamentos para si mesmos), as coisas vão ficando mais tensas e agitadas ao longo do filme. Em certo momento a discussão chega ao ponto de parecer um luta de boxe, já que pelo menos duas vezes os casais chegam a sair do mesmo cômodo, se separando para falar o que realmente pensam, como se isso fosse os intervalos entre os “rounds”.
O modo infantil como os personagens reagem em determinados momentos é um dos elementos mais interessantes de Deus da Carnificina. Isso por que é dessa forma que as pessoas agem quando perdem, quebram ou danificam um objeto com o qual se importam demais. Em uma cena do filme, Alan fica emburrado e encolhido depois de um pequeno acontecimento com seu precioso celular (e é até uma pena que o roteiro sinta a necessidade de incluir uma fala de Nancy indicando esse estado do marido, o que é explicativo demais e desnecessário). Não importa a idade, ficamos tristes quando algo ruim acontece com nossos brinquedos. Talvez o filme mostre isso um pouco exageradamente, mas aí também reside o lado cômico do projeto.
Algo que chama muito a atenção é que nenhum dos lados está realmente certo com relação a situação dos filhos. Se um dos garotos usou um pedaço de pau para bater em um colega, este deve tê-lo provocado muito, o que fica claro na cena inicial. Só por que um deles teve uma reação mais extrema, não muda o fato de o outro também estar errado. E o roteiro consegue refletir essa imparcialidade nos quatro personagens centrais, fazendo com que nenhum deles soe muito bonzinho. Considerando que estamos falando das pessoas que colocaram os meninos no mundo e os criaram, fica claro o porquê de ambas as crianças terem errado ao brigarem, já que nem seus pais são pessoas muito normais apesar de tentarem e aparentarem ser.
Qualquer filme de comédia obrigatoriamente precisa ter momentos engraçados, e mesmo sendo dirigido por Roman Polanski (um cineasta mais conhecido por filmes com um tom muito mais sério como O Bebê de Rosemary, Chinatown e O Pianista), Deus da Carnificina possui situações divertidíssimas. Além das cenas em que alguns dos personagens soam extremamente infantis, o roteiro conta com tiradas interessantes, como quando Alan reconhece que seu filho é um maníaco, o que surpreende por ser uma coisa que nenhum pai que se prese falaria. Aliás, Alan é o responsável pela maior parte das risadas do filme, e muito se deve ao fato de Christoph Waltz exibir um timing cômico impecável. O modo cínico como o ator fala alguns de seus diálogos resulta em momentos hilários, como quando Alan fala para Nancy “O casamento deles já está indo para o ralo, nós não precisamos competir”.
Enquanto Waltz surge engraçado, o resto do elenco também se sai bem em suas atuações. John C. Reilly, interpretando um personagem que inicialmente quer ver tudo na maior harmonia possível, diverte quando Michael passa a não se importar mais em pregar a paz na situação, chegando a falar abertamente que ele e sua esposa são "dois filhos das p...”. Já Jodie Foster e Kate Winslet retratam bem suas personagens como duas pessoas cansadas da vida que estão levando. É uma pena, no entanto, que suas atuações caiam um pouco de qualidade depois que Penelope e Nancy bebem algumas doses de uísque. Enquanto Foster começa a exagerar no overacting, Winslet não convence muito bem com a embriaguez de sua personagem.
A última comédia que Roman Polanski havia lançado foi Piratas, em 1986, um filme que foi mal recebido pela crítica, que considerou este um de seus piores trabalhos (particularmente, ainda não assisti para poder opinar). Levando isso em conta, Deus da Carnificina é um filme no qual o diretor surpreende, não só por ele ter em mãos personagens interessantes, mas também por conseguir fazer com que o humor funcione muito bem.
Cotação:

terça-feira, 17 de julho de 2012

Para Roma, Com Amor

Lançando um filme por ano, Woody Allen é um dos realizadores mais produtivos do cinema atual. Não tirando férias desde 1982 (algo que comentei na minha crítica de Meia-Noite em Paris), o cineasta chega a surpreender com seu sistema de produção, já que nem todos os diretores conseguem chegar aos 76 anos fazendo tantos filmes. No entanto, em meio a tantas obras, não é sempre que Allen chega a fazer um filme que lembre seus tempos de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa e Manhattan. Nos últimos dez anos, o diretor fez poucas obras que agradaram a ponto de ficar na memória após a sessão, sendo Match Point e Meia-Noite em Paris as melhores. A maioria parece ter sido feita mais para manter a produção em dia do que para ser algo realmente marcante. Nisso, entram produções como Igual a Tudo na Vida, Scoop: O Grande Furo e Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos. Apesar de divertir, Para Roma, Com Amor não deixa de ser mais um desses filmes.
Escrito pelo próprio Woody Allen, Para Roma, Com Amor acompanha vários personagens em quatro histórias diferentes, todas situadas na belíssima cidade do título. Hayley (Alison Pill) e Michelangelo (Flavio Parenti) são um jovem casal e os pais dela, Jerry (o próprio Woody Allen, voltando à frente das câmeras depois de Scoop) e Phyllis (Judy Davis), vêm para Roma a fim de conhecer o rapaz e sua família. No meio de tudo isso, Jerry vê um grande talento no pai de Michaelangelo, Giancarlo (o carismático Fabio Armilliato), que poderia ficar famoso como cantor de ópera. Temos também a história de Leopoldo (Roberto Benigni), um cidadão comum que se transforma em celebridade da noite para o dia. Além deles, o arquiteto John (Alec Baldwin) tenta ajudar o estudante Jack (Jesse Eisenberg) a lidar com a vinda de Monica (Ellen Page), a melhor amiga de sua namorada, Sally (Greta Gerwig), e que pode colocar a relação em risco. Por último, há também os recém-casados Tim (David Pasquese) e Milly (Alessandra Mastronardi), que se perdem na cidade em plena lua-de-mel, e enquanto ele tem que lidar com sua família e a prostituta Anna (Penélope Cruz), ela se vê em meio a experiências e oportunidades únicas.
Com tantas histórias paralelas, Para Roma, Com Amor lembra filmes como Simplesmente Amor. A diferença é o fato de que Woody Allen em nenhum momento faz suas histórias se ligarem de alguma forma. Seguindo cada uma delas até seus respectivos desfechos, a montagem rapidamente se torna episódica, o que piora pelo fato de nem todas as histórias serem interessantes. A trama envolvendo Tim e Milly, por exemplo, conta com alguns personagens aborrecidos, como os membros da família dele e Anna, além de ter poucas situações realmente engraçadas. Enquanto isso, a história envolvendo Jerry e sua família perde um pouco de espaço, já que Allen não consegue dar igual importância para todas as partes de seu filme, o que é lamentável porque essa é a história mais interessante e divertida do projeto.
O roteiro de Allen conta com alguns clichês, mas mesmo assim consegue divertir. O tipo de triângulo amoroso que existe entre Jack, Sally e Monica é algo que já se viu em muitos filmes, mas que diverte pelo modo como é tratado, por que Jack sabe desde o início sobre o risco que sua relação com Sally pode correr, e as cenas em que John serve como uma espécie de voz da consciência/experiência para o garoto resultam em bons momentos. Mas é o próprio Woody Allen, como ator, que consegue tirar mais risadas. Tendo em mãos um personagem típico de sua filmografia (excêntrico, inseguro e pessimista), Allen diverte com o jeito de agir de Jerry. Em certo momento, ele fica desconfortável depois de saber que Giancarlo o cumprimentou sem ter lavado as mãos. Mas como sua história não ganha tanta atenção, Allen infelizmente não aparece tanto quanto poderia.
Os diálogos criados por Woody Allen também conseguem divertir, ainda que estes não sejam geniais como vários que apareceram em sua obra anterior ou em sua carreira como um todo. Esse quesito se destaca um pouco mais quando envolve Jerry e Phyllis, já que são várias as tentativas dela, como psiquiatra, de analisar as atitudes do marido, e ele contesta todas as conclusões. Já a história de Leopoldo diverte com as alfinetadas aos paparazzis, colocando eles fazendo perguntas extremamente fúteis para o personagem, mostrando que esses profissionais se interessam por qualquer coisa que possam revelar sobre as celebridades que perseguem.
Seguindo o que diz o título, Woody Allen tenta mostrar de várias formas sua clara paixão pela capital italiana. O diretor não economiza em travellings circulares, que captam muito bem a beleza do local em que as histórias estão acontecendo. Até o roteiro conta com momentos em que os personagens elogiam a cidade, dizendo o quanto ela é maravilhosa. É uma pena, no entanto, que esses diálogos não surjam naturalmente, deixando claro que não são os personagens que estão falando, e sim o próprio Woody Allen.
No elenco, Alec Baldwin e Jesse Eisenberg criam uma boa química entre seus personagens, além de torna-los carismáticos, enquanto que Ellen Page não consegue transformar Monica em uma figura interessante o bastante para justificar a atração sentida por Jack. E se Judy Davis surge engraçada em suas cenas com Woody Allen, Penélope Cruz (linda como sempre) surge um tanto chata como Anna, o que é lamentável. Enquanto isso, no lado italiano, Roberto Benigni até tira algumas risadas com seu overacting, ao passo que Alessandra Mastronardi esbanja simpatia como Milly, diferente de seu companheiro de cena, David Pasquese, que pouco tem a fazer com Tim.
Para Roma, Com Amor não é um filme decepcionante de Woody Allen, já que consegue divertir e tem uma atmosfera simpática, mas não chega a mostrar todo o talento que o cineasta possui. De qualquer forma, ano que vem ele já está de volta, e tomara que com um filme um pouco mais interessante.
Cotação: